Racismo no Brasil: todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é racista, diz Djamila Ribeiro:betspeed cnpj
Sobre o assassinatobetspeed cnpjGeorge Floyd nos Estados Unidos e os protestos contra violência policial, Djamila destaca que é importante se indignar, mas aponta que no "racismo à brasileira" temos "tendênciabetspeed cnpjolhar pra fora e não enxergar o que acontece no Brasil".
Ribeiro diz que os protestos são importantes, mas lembra que não são a única formabetspeed cnpjresistência. "Se estamos ainda hoje no Brasil e somos maioria, é porque o povo negro vem resistindo, mesmo com tantas ações que visam o extermínio desse povo."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
betspeed cnpj BBC News Brasil - Qual ébetspeed cnpjavaliação sobre os protestos contra violência racial que estão acontecendo nos betspeed cnpj EUA betspeed cnpj e no Brasil? No seu livro mais recente, você menciona que o tema só ganha destaque quando ocorre um grande caso. Quais são as semelhanças e diferenças que você vê nos movimentos dos dois países?
betspeed cnpj Djamila betspeed cnpj Ribeiro - Tanto no Brasil como nos EUA, a violência racial é um tema que tem sido debatido historicamente pelos movimentos negros, mas nos EUA, o que tem acontecido nos últimos tempos — as manifestações, as reaçõesbetspeed cnpjrelação ao assassinato do George Floyd — pelo que acompanhei, só teve uma manifestação dessa magnitude na época do movimento dos direitos civis, mas isso não quer dizer que as pessoas não estivessem se manifestando.
No Brasil, às vezes a gente faz umas comparações 'ah, mas nos Estados Unidos as pessoas estão nas ruas e no Brasil, não', como se no Brasil a gente não tivesse uma sériebetspeed cnpjlutas e resistências contra esse sistemabetspeed cnpjopressão. Não podemos reduzir resistência somente a manifestações.
Claro que as manifestações são fundamentais: é importante ir às ruas, denunciar o que está acontecendo, mas às vezes a gente limita isso à questão das manifestações e muitas vezes no Brasil as pessoas apoiam o que está acontecendo lá sem enxergar a realidade do que está acontecendo no Brasil. Esse é um dos pontos mais críticos pra mim,betspeed cnpjver pessoas se manifestando nas redes sociais, muito indignadas, sendo que Brasil é um dos países que mais mata, tem uma das polícias mais violentas.
Claro que o que acontece lá tem que gerar nossa indignação, mas eu fico refletindo sobre o racismo à brasileira, que a gente tem muito mais uma tendênciabetspeed cnpjolhar pra fora e não olhar pra nossa própria realidade, a não enxergar o que acontece no Brasil.
Sinto um cinismo por partebetspeed cnpjmuitas pessoas que quando a gente convoca atos no brasil essas pessoas não vão ou naturalizaram esses assassinatos e depois elas ficam muito chocadas ou muito surpresas com o que acontece nos EUA sem enxergar nossa realidade aqui.
É importantíssimo a gente refletir, pararbetspeed cnpjnaturalizar aqui no Brasil esses assassinatosbetspeed cnpjjovens negros no Brasil — a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. E o quanto a gente precisa pensar esses desafios aqui dentro do nosso país, sobretudo num momentobetspeed cnpjmuita repressão aos movimentos sociais, num momentobetspeed cnpjcortebetspeed cnpjpolíticas públicas para populações negras.
Acho extremamente importante o que acontece nos Estados Unidos, mas chamo atenção para que as pessoas tenham mais consciência sobre o que se passa aqui no Brasil, na nossa realidade, que as pessoas negras historicamente vêm denunciando mas que infelizmente as pessoas parece que não enxergam quão grave é esse problema ético que temos no país,betspeed cnpjassassinatobetspeed cnpjpessoas negras.
betspeed cnpj BBC News Brasil - Você mencionou que os protestos não são a única formabetspeed cnpjfazer resistência. De que forma essa resistência acontece hoje no Brasil?
betspeed cnpj Ribeiro - Historicamente, desde o período da escravidão, os próprios quilombos, que foram organizações políticasbetspeed cnpjresistência e enfrentamento à escravidão, o Quilombo dos Palmares teve maisbetspeed cnpjcem anosbetspeed cnpjexistência incomodando a Coroa Portuguesa. As próprias revoltas, como Balaiada e dos Malês, diversas revoltas indígenas.
No Brasil, a gente às vezes é privado da nossa própria históriabetspeed cnpjresistência. O que nos contam é que os negros foram escravizados e ponto, não falam que existiram resistências. É muito importante saber que os quilombos foram organizações políticasbetspeed cnpjresistência e até hoje temos comunidades descendentesbetspeed cnpjquilombos, os quilombolas, ainda lutando para ter direito à titulação das suas terras.
A gente tem movimento negro, frente negra brasileira, movimento negro que lutou por ações afirmativas quando foram adotadas no Brasil - a primeira universidade a adotar cotas foi UERJbetspeed cnpj2001, a segunda foi a UnBbetspeed cnpj2004 e depois teve a lei federalbetspeed cnpjcotasbetspeed cnpj2012. Essas conquistas são reivindicações históricas dos movimentos negros.
A própria questãobetspeed cnpjhoje ter aumentando o númerobetspeed cnpjpessoas que se declaram negras no Brasil é luta dos movimentos negros. A gente vive num país que foi fundado sob esse mito da democracia racial,betspeed cnpjque aqui não existiria racismo e quanto isso dificultou a construçãobetspeed cnpjuma identidade negra, o fatobetspeed cnpja gente não ter acesso aos nossos ancestrais, no sentidobetspeed cnpjque documentos referentes à escravidão foram destruídos, então eu não sei, por exemplo, se meus ancestrais vieram da Nigéria oubetspeed cnpjGuiné Bissau. Isso gera um abismo, uma lacuna na construção da nossa identidade. O descendentebetspeed cnpjitaliano sabebetspeed cnpjonde o tataravô veio, a cidade na Itália. A gente não sabe.
Essas construções todas — e não foram a toa, são deliberadas —, essa ideiabetspeed cnpjque no Brasil somos todos mestiços,betspeed cnpjque não tem como saber quem é negro, mas na horabetspeed cnpjdiscriminar todo mundo sabe quem é, dificultou uma construçãobetspeed cnpjidentidade negra e os movimentos negros vêm denunciando isso, e isso também é formabetspeed cnpjresistência.
E vieram conscientizando a população negra a respeito da nossa ancestralidade. As próprias religiõesbetspeed cnpjmatriz africana no Brasil, historicamente criminalizadas. Houve épocabetspeed cnpjque as pessoas negras não podiam cultuar seus orixás — e aí vem o sincretismo, que muitas pessoas veem como negativo, mas pelo sincretismo conseguiram continuar cultuando seus orixás.
Se hoje ainda existem terreiros das diversas denominaçõesbetspeed cnpjreligiõesbetspeed cnpjmatriz africana, isso é uma provabetspeed cnpjresistência também. É importante a gente visibilizar isso pra gente não resvalar nessa visãobetspeed cnpjque não existe luta. Se a gente olhar quantos líderes quilombolas foram assassinados nos últimos anos, lutando pelo direito à terra, quantos líderes indígenas,betspeed cnpjregiões do Brasil que muitas vezes a gente não noticia porque não é Sudeste, não é Sul.
Então, existem várias formasbetspeed cnpjresistência,betspeed cnpjlutas políticasbetspeed cnpjdiversas organizações do movimento negro, que é importante ressaltar: se estamos ainda hoje no Brasil e somos maioria, é porque o povo negro vem resistindo, mesmo com tantas ações que visam o extermínio desse povo.
betspeed cnpj BBC News Brasil - No mesmo momentobetspeed cnpjque a violência policial ganha destaque no debate público, vimos viralizar um vídeobetspeed cnpjum homem branco, moradorbetspeed cnpjcondomíniobetspeed cnpjluxobetspeed cnpjSão Paulo e suspeitobetspeed cnpjviolência doméstica, dizer que ganha 300 mil reais, xingar o policialbetspeed cnpj betspeed cnpj ' betspeed cnpj lixo betspeed cnpj ' betspeed cnpj , dizer que ele poderia ser macho na periferia e que 'Aqui é Alphaville, mano'. O que esse episódio diz sobre a políticabetspeed cnpjsegurança pública do nosso país? E quem são os policiais no Brasil?
betspeed cnpj Ribeiro - Muitas pessoas ficaram chocadas com esse vídeo, mas pra nós, pessoas negras, é o retrato do privilégio branco no Brasil. Ele sabia muito bem que nada ia acontecer com ele. Ele sabe muito bem como a polícia age nas periferias, mas ele sabia que ali a polícia não ia fazer nada, tanto que ele fala para o policial 'vem aqui se você é macho' e o policial não vai. Então, ele sabe que o lugar social dele, pessoas como ele, não vão sofrer esse tipobetspeed cnpjviolência, ele reconhece o privilégio dele. Aquele vídeo é a síntese do privilégio branco no Brasil.
Nós, como pessoas negras, jamais falaríamos assim com a polícia. Eu tenho dois irmãos e desde muito cedo meus pais falavam pros meus irmãos: 'saiam sempre com seus documentos, se a polícia parar, abaixa a cabeça e não responda'. Isso faz parte da educaçãobetspeed cnpjcrianças negras no Brasil: como lidar com a polícia se a polícia te parar. Nossos pais e nossas mães têm medo da abordagem.
Meus irmãos já foram parados várias vezes voltando do trabalho, por exemplo. Isso faz parte da educaçãobetspeed cnpjpessoas negras. As pessoas brancas se surpreendem com isso, mas a gente sabe que não pode sair sem documentobetspeed cnpjforma alguma e se a polícia para, a gente tem que responder 'sim, senhor' e 'não, senhor'. E mesmo fazendo isso a gente não sabe o que acontece.
É importante dizer: se o Brasil é um dos paísesbetspeed cnpjque mais mata, também é o paísbetspeed cnpjque mais morrem policiais nesse confronto. Então, é o Estado financiando esse confrontobetspeed cnpjpessoas pobres,betspeed cnpjterritórios periféricos, contra outras pessoasbetspeed cnpjterritórios periféricos. Esses policiais na maioria das vezes saíram desses mesmos lugares periféricos, muitos deles são negros, e são esse braço armado do Estado e o Estado financiando essa guerra às drogas que nada mais é do que guerra à população negra.
É necessário pensar uma outra formabetspeed cnpjsegurança pública no brasil, que não sejabetspeed cnpjcriminalização dos espaços periféricos, uma políticabetspeed cnpjdescriminalização das drogas no Brasil, porque a gente sabe a quem serve essa criminalização — serve ao encarceramentobetspeed cnpjmassabetspeed cnpjpessoas negras e ao extermíniobetspeed cnpjpessoas negras, como se nos territórios ricos as pessoas não consumissem drogas.
Se a gente for pra qualquer festabetspeed cnpjuniversidade, a gente sabe que as pessoas consomem, mas onde vão dizer que esse combate será feito? Então, é necessário pensar, como muitos países têm discutido,betspeed cnpjdescriminalizar algumas drogas, porque isso impacta diretamente nessa guerra dessas pessoas que vêm dos mesmos espaços e territórios enquanto beneficia a estrutura branca, rica e patriarcal no Brasil.
betspeed cnpj BBC News Brasil - No Pequeno Manual Antirracista, você aponta que betspeed cnpj ' betspeed cnpj é impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que estábetspeed cnpjnós e contra o que devemos lutar sempre betspeed cnpj ' betspeed cnpj . Você poderia explicar por que é tão prejudicial que a gente tente focar a discussão do racismo como algo individual, com frases como betspeed cnpj ' betspeed cnpj eu não sou racista betspeed cnpj ' betspeed cnpj ?
betspeed cnpj Ribeiro - Esse é comportamento do brasileiro. Todo mundo sabe que o racismo existe, mas ninguém é racista. Tem uma pesquisa histórica da décadabetspeed cnpj1990, da Folhabetspeed cnpjS.Paulo,betspeed cnpjque 90% das pessoas diziam conhecer pessoas racistas e diziam que o racismo existia, mas quando perguntavam se elas eram racistas, elas diziam que não.
Tem no Brasil uma discussãobetspeed cnpjachar que o racismo é só uma questão individual, só quando alguém destrata uma pessoa negra ou a discrimina. E falta um entendimento do racismo como sistemabetspeed cnpjopressão, e aí passa por a gente conhecer nossa história como povo brasileiro.
Muitos brasileiros desconhecem que o Brasil foi o último dos países das Américas a abolir a escravidão, o impacto disso na construção da nossa sociedade, os fatos históricos que construíram essas desigualdades, a própria constituição do Impériobetspeed cnpj1824,betspeed cnpjque só os cidadãos livres podiam estudar — e quem eram os cidadãos livresbetspeed cnpj1824 —, a própria leibetspeed cnpjterrasbetspeed cnpj1850, que a partir daquele momento, pra ter terra, só comprando terra do Estado—- e quem podia comprar terrabetspeed cnpj1850 —, foram várias ações que criaram essas desigualdades.
As pessoas têm dificuldadebetspeed cnpjentender que durante três séculos, quase quatro séculos, as pessoas negras foram tratadas como mercadoria, e construíram as riquezas desse país sem ter acesso a essas riquezas. E a partir daí essas desigualdades foram sendo construídas, então se pessoas negras hoje não ocupam espaçosbetspeed cnpjpoder, eles partembetspeed cnpjum lugar social que suas oportunidades são restringidas por causa do racismo.
Então, às vezes é esse entendimento que falta às pessoas — ebetspeed cnpjnão discutir o lugar social da branquitude também. De chegarbetspeed cnpjum espaçobetspeed cnpjum paísbetspeed cnpjmaioria negra e só ter pessoas brancas nesse espaço e isso ser naturalizado e não ser questionado. Se pessoas brancas estão ocupando esses espaços, será que é por que elas são mais inteligentes e geniais ou por que tiveram condições concretas para estar naqueles espaços?
O grande problema do brasileiro é naturalizar o lugar do privilégio como se ele tivesse sido providencialmente fixado e não construído à base da opressãobetspeed cnpjoutros grupos, então isso faz com que as pessoas achem que basta o indivíduo querer — 'é só ele se esforçar' — negando toda essa estrutura que impossibilita condições concretas para que as populações negras tenham mobilidade social, consiga acessar lugarbetspeed cnpjdignidade e cidadania no Brasil.
O primeiro passo é desnaturalizar esse olhar e conhecer a nossa história enquanto povo brasileiro. Para discutir diversidade, a gente precisa discutir desigualdade. Quando a gente conhece a origem social das desigualdades, a gente vai entender as reivindicações históricas dos movimentos negros e as pessoas brancas vão entender a importânciabetspeed cnpjdiscutir a partir do seu lugar social e como ele foi construído historicamente.
betspeed cnpj BBC News Brasil - Você mostra que ser antirracista passa por uma sériebetspeed cnpjações, que vão desde se informar sobre negritude e reconhecer os privilégios das pessoas brancas… Você pode dar alguns exemplosbetspeed cnpjatitudes antirracistas que as pessoas podem tomar no dia a dia? No momento atual, o que é mais urgente?
betspeed cnpj Ribeiro - No livro Pequeno Manual Antirracista, eu trago dez capítulos — na educação, no trabalho, no afeto. Na educação, se a gente é educador, tem que questionar a nossa bibliografia. Será que na nossa bibliografia tem autores e autoras negros e negras? Se nós elaboramos o mundo, por que nossas elaboraçõesbetspeed cnpjmundo não estão presentes nessas bibliografias?
Se é empregador, está empregando pessoas negras, criandobetspeed cnpjfato programas com metasbetspeed cnpjdiversidade para que pessoas negras tenham acesso? Se você colocabetspeed cnpjuma vaga que tem que ter inglês fluente, você já está delimitando ali que tipobetspeed cnpjpessoas vão se candidatar. Se você só coloca anúnciosbetspeed cnpjuniversidades ditasbetspeed cnpjponta, você também já está escolhendo que pessoas você quer que trabalhem ali.
É preciso ter uma consciência,betspeed cnpjfato,betspeed cnpjcomo combater isso. O primeiro passo é se informar. No livro, eu quis trazer essas ações propositivas — ler autores negros, refletir sobre projetosbetspeed cnpjgoverno que você apoia — geralmente as pessoas não leem programasbetspeed cnpjgoverno, elas vão no calor da emoção, no calor do que está sendo dito no momento e não tem como discutir antirracismo se a gente apoia projetos que visam o sucateamentobetspeed cnpjpolíticas públicas importantes para populações historicamente discriminadas, se são governos autoritários, o que significa que movimentos sociais vão sofrer muito mais repressão naquele momento… Então, para além das ações do dia a dia que podemos tomar, precisamos pensar no macro os projetos que estamos apoiando.
betspeed cnpj BBC News Brasil - Você escreve que as pessoas negras são levadas desde cedo a refletir sobrebetspeed cnpjcondição racial e diz betspeed cnpj que aos seis anos entendeu que ser negra era um problema para a sociedade, enquanto seus colegas brancos não precisavam pensar qual era o espaço deles. Qual é o papel dos pais na formaçãobetspeed cnpjcrianças (e depois adultos) antirracistas?
betspeed cnpj Ribeiro - É um papel fundamental. Muitos desses pais vieram da mesma escola que eu vim, que conta aquela históriabetspeed cnpjque negros foram escravos e ponto e que a princesa Isabel foi a grande redentora. Aí temos a Lei 10.639,betspeed cnpj2003, que alterou a leibetspeed cnpjdiretrizes e bases da educação, incluindo a obrigação do estudo da história africana e afro-brasileira nas escolas, uma lei muito importante, que ainda sofremos com os desafios da implementação dela. Em alguns lugares foi implementada, mas a depender da vontade políticabetspeed cnpjquem está no poder acaba não sendo.
Essa lei é fundamental não só para crianças negras, mas para as brancas entenderem que o mundo é constituído por pessoas negras, porque elas terão outra visão e construção das pessoas negras. Os pais podem, na escola que vão matricular o filho, saber se essa lei está sendo implementada, se não, cobrar da escola que seja, olhar o material didático para ver se contempla a multiplicidade do povo brasileiro e das narrativas múltiplas que temos, apresentar aos filhos referênciabetspeed cnpjpessoas negras — sejabetspeed cnpjlivros,betspeed cnpjbrinquedos, e buscar conhecerbetspeed cnpjfato pessoas negras, que as crianças convivam com espaço diverso.
Muitas vezes o convívio que essas crianças têm com pessoas negras são as empregadas e as babás, e simplesmente não entendem a importânciabetspeed cnpjtrazer outras referências para o convívio. Os pais precisam se conscientizar da educação que estão oferecendo aos seus filhos, quais são as possibilidades, porque a partir delas as crianças vão criar suas visõesbetspeed cnpjmundo - que podem ser limitadas e empobrecidas, que só contempla um grupo social, ou pode ser uma visão muito mais ampla,betspeed cnpjque essas crianças tenham possibilidadebetspeed cnpjreconhecer as humanidades dos diferentes grupos.
E também entender que não basta só a educação dentrobetspeed cnpjcasa. Essa criança vai para a escola, ela encontra os amigos. É um desafio. Eu tenho uma filhabetspeed cnpj15 anos, uma menina negra, que desde cedo foi apresentado a ela as referênciasbetspeed cnpjpessoas negras, imagens positivasbetspeed cnpjpessoas negras, e ela foi para a escola e sofreu racismo. As instituições são racistas. Então eu entendi que não bastava só eu fazer ali e não estar atenta aos espaços que minha filha frequentava. É importantíssimo eu estar atenta a isso para que eu vá nesses espaços também, cobrar que fossem espaços quebetspeed cnpjfato a respeitassem. Fora isso, tem televisão, a mídia, internet. É necessário ter essa atenção a esses outros espaços que as crianças têm acesso.
betspeed cnpj BBC News Brasil - Ponto crucial desse debate é que negros, que são mais da metade da população brasileira, ocupem posiçõesbetspeed cnpjpoder e visibilidade. Nesta semana, ouvimos o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, chamar o movimento negrobetspeed cnpj betspeed cnpj ' betspeed cnpj escória maldita betspeed cnpj ' betspeed cnpj . Como você viu esse comentário? O que ele representa?
betspeed cnpj Ribeiro - Eu tenho até evitado falar sobre esse senhor porque para mim a questão é o governo que ele representa. Independentebetspeed cnpjele estar lá, esse governo tem muito claro quais são suas políticasbetspeed cnpjrelação à população negra e aí usabetspeed cnpjbode expiatório um homem negro para dizer que não é racista, pra se esquivar dessa responsabilidade e dizer 'olha, é umbetspeed cnpjvocês que está dizendo isso, não sou eu'.
Então, essa é uma artimanha muito utilizada por pessoas conservadoras para se esquivar da responsabilidadebetspeed cnpjter um governo extremamente violento para com a população negra. Ali ele não está como um indivíduo, mas como representantebetspeed cnpjum governo. Claro que vamos combater o discurso dele politicamente, porque é um discurso extremamente violento e vejo até como criminoso, sem dúvida. Mas não podemos tirar o foco do governo que ele representa.
E é interessante que não temos a mesma fúria com a Damares, que é uma mulher, ministra das mulheres, e fala coisas absurdasbetspeed cnpjrelação às mulheres. Masbetspeed cnpjrelação às pessoas negras a gente pesa mais a mão, como se automaticamente, por ser negra, ela deveria ser militante. E pessoas negras são diversas, como todas as outras.
Algumas têm perspectivas emancipatórias e outras infelizmente vão legitimar discursos do status quo. Assim como você tem pessoas brancas da esquerda, da direita, da extrema direita. Mas quando uma pessoa branca é conservadora, ou como a Damares, por exemplo, que vai contra as reivindicações do movimento feminista, não se tem tanta cobrançabetspeed cnpjrelação a isso, mas com as pessoas negras se tem.
É importante entender que nós, enquanto pessoas negras conscientes das questões raciais do Brasil, não temos que dar respostasbetspeed cnpjrelação ao que esse senhor fala. A sociedade tem que cobrar do governo que autoriza esse tipobetspeed cnpjdiscurso, esse tipobetspeed cnpjcidadão ocupando esse espaço.
Tenho muito receiobetspeed cnpjque isso se torne uma brigabetspeed cnpjnegros contra negros, que é isso que esse governo que aconteça, e a gente deixebetspeed cnpjver o que está por trás desse bode expiatório que é colocado ali pra falar esse tipobetspeed cnpjabsurdo que na verdade é o que o governo Bolsonaro representa. Então, a gente tem sim que combater a fala desse senhor, mas não podemos esquecer que nosso alvo é o governo Bolsonaro utilizando homem negrobetspeed cnpjuma maneira a atingir pessoas negras conscientes no Brasil.
betspeed cnpj BBC News Brasil - Em uma live nesta semana, você disse que betspeed cnpj es betspeed cnpj tava abismada com a quantidadebetspeed cnpjpessoas te assistindo. Mas também diz que as pessoas não devem perder tempo respondendo alguns tiposbetspeed cnpjcomentários. Gostariabetspeed cnpjsaber se você vê as redes sociais como aliadas para promover debates que o movimento negro quer levantar.
betspeed cnpj Ribeiro - Eu acho que sim, a depender das estratégias que a gente usa. Eu sou uma pessoa que passei a ter muita visibilidade a partir das redes sociais, apesarbetspeed cnpjser militante há muitos anos. A gente também não pode esquecer que ao mesmo tempo que a gente ganha uma amplificação das nossas vozes, a internet também amplifica as vozes das pessoas que pensam o contrário do que a gente pensa, então a gente também enfrenta aí uma sériebetspeed cnpjataques nas redes sociais vindos dessas pessoas.
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Acho que não temos que perder tempo ouvindo essas pessoas porque é um desviobetspeed cnpjenergia. A gente já tem tão pouco espaço no Brasil, tão pouca visibilidade, que o pouco espaço que a gente tem é importante usar como estratégia para comunicar nossas pautas para o maior númerobetspeed cnpjpessoas.
Mesmo com os limites da internet, entendendo que no Brasil 30% da população não tem acesso à internet, entendendo que mesmo na internet sofremos com monopólio, dado esse limite, é importante reconhecer que muitas pessoas negras conseguiram ali ter um canal para se comunicar e para visibilizar nossas questões. Se a gente usa com estratégia, ela é uma grande aliada.
Quando eu digo com estratégia é isto: não perder nossa energia com esse tipobetspeed cnpjdistração,betspeed cnpjataque. É importante chamar as pessoas para o diálogo, para a reflexão.
betspeed cnpj BBC News Brasil - Outro episódio que vimos essa semana foi o Felipe Neto, que é um homem branco, criticar o silêncio do Neymar sobre a luta antirracista. Ele disse que apagou o tuíte depoisbetspeed cnpjintegrantes do movimento negro o alertarembetspeed cnpjque uma pessoa branca não deve cobrar um negro sobre esse tema. Depois, ele recebeu mensagens defendendo que o jogador poderia, sim, ser cobrado, devido àbetspeed cnpjposição. O que você defendebetspeed cnpjum episódio como este? E você pode aproveitar para comentar sobre o fatobetspeed cnpjmuitas vezes haver uma cobrançabetspeed cnpjque o movimento negro seja homogêneo?
betspeed cnpj Ribeiro - O Neymar é uma pessoa que nunca se posicionou sobre a questão racial, que tem posturas conservadoras,betspeed cnpjapoio ao governo atual, que é um governo inimigo das nossas pautas. Então eu não esperaria um posicionamento dele. Historicamente, sempre se mostrou alheio a essa questão. Então não é uma pessoa que eu cobraria.
O Felipe Neto, que teve posturas extremamente complexas no passado, e agora ele reflete sobre isso, tem tido posicionamentos mais progressistas, eu acho importante dialogar com público que ele tem,betspeed cnpjmilhõesbetspeed cnpjpessoas, trazendo essas questões. Mas às vezes não podemos cair num lugarbetspeed cnpjse empolgar demais e achar que a questão vai se resolver se o Neymar se posicionar. Ele sempre mostrou que não se posicionaria
. Então é mais interessante o Felipe Neto cobrar seus pares sobre isso, que são os grupos que se beneficiam dessa opressão do que cobrar um homem que nunca se posicionou sobre essas questões.
Pessoas negras são diversas. Existem pessoas que são conservadoras. Existem pessoas que são alheias a essa questão, assim como pessoas brancas. Temos que tomar cuidado com esse tipobetspeed cnpjcobrança para não colocar pessoas negras sempre nesse lugarbetspeed cnpjque tem que estar na luta, ser militante, ignorandobetspeed cnpjsubjetividade e suas próprias construções.
Acontece comigo também quando alguma pessoa negra faz um discurso conservador. Em governos anteriores, tinha uma ministra negra que teve um posicionamento conservador e várias pessoas foram me cobrar se eu não ia falar nada. Eu respondi: bom, eu acho interessante porque quando um homem branco é expostobetspeed cnpjum escândalobetspeed cnpjcorrupção, ninguém cobra os outros homens brancos que deem resposta sobre ele. Mas as pessoas acham que a gente tem que dar uma resposta sobre todos.
As pessoas negras não são vistas como indivíduos, são vistas como um grupo homogêneo. As pessoas brancas são vistas como indivíduos. Se um indivíduo branco comete um erro, o indivíduo é responsabilizado. Quando é uma pessoa negra, o grupo inteiro leva a responsabilidade, negando que somos diferentes, negando que estamosbetspeed cnpjespectros políticos diferentes ao do Neymar, por exemplo. Assim como pessoas brancas não têm que dar resposta sobre o Bolsonaro, nós também não temos que dar resposta sobre pessoas negras que cometem esse tipobetspeed cnpjquestão.
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betspeed cnpj BBC News Brasil - O lugarbetspeed cnpjfala pode ser usado como desculpa para se omitir? Quando falamos sobre manifestações antirracistas, como cada um pode encontrar o seu papel?
betspeed cnpj Ribeiro - O lugarbetspeed cnpjfala é um conceito muito distorcido. Ou ele é usado como interdito no debate, no qual eu não posso falar. Ou as pessoas usam como desculpa para não ação: não tenho lugarbetspeed cnpjfala, não vou fazer nada. O lugarbetspeed cnpjfala é uma discussão, sobretudo,betspeed cnpjrelação a locus social. O lugarbetspeed cnpjfala é para romper com esse interdito que já está posto a nós, pessoas negras,betspeed cnpjnão ter o mesmo espaçobetspeed cnpjexistência, pessoas indígenas, pessoasbetspeed cnpjgrupos historicamente discriminados. Lugarbetspeed cnpjfala é pensar sobre esse regimebetspeed cnpjautorização discursiva que impede que a gente esteja presente nos espaços.
Todo mundo tem lugarbetspeed cnpjfala, porque todo mundo está localizado socialmente. Só que o meu lugar social,betspeed cnpjmulher negra no Brasil, é um lugar socialbetspeed cnpjum grupobetspeed cnpjque as nossas condições restringem oportunidades. E o lugar social do privilégio é o lugar que foi construído à base dessas opressões e que tem todos os privilégios.
Então, quando a pessoa branca entende isso, entende que faz partebetspeed cnpjum grupo social que não é natural, que é construído à basebetspeed cnpjopressãobetspeed cnpjoutros grupos, por isso que só tem ela presente dentro dos espaços. A partir disso, o que ela pode fazer: o primeiro passo é desnaturalizar esse lugar e o segundo é entender nossas reivindicações históricas por outras possibilidadesbetspeed cnpjexistência que não sejam essas existências atravessadas pelas violências coloniais.
Para as pessoas brancas, o primeiro passo é discutir branquitude no Brasil e ler o que os autores e autoras negros estão fazendo, produzindo historicamente. Porque, se não, ou fica num lugarbetspeed cnpj'ah, não há nada que eu possa fazer' ou num lugarbetspeed cnpj'ah, me ensinem o que posso fazer'. Eu sempre falo: leiam os livros que a gente já produziu. É importante entender abetspeed cnpjresponsabilidade.
Quando elas leem, entendem como podem agir melhor, entendendo a importânciabetspeed cnpjque agir muitas vezes é ceder, escutar, entender a importânciabetspeed cnpjpensar estratégia para ter mais pessoas negras naquele espaço, quais são as vozes que você legitima, quais são as pessoas que você visibiliza, quais são as pessoas que você resposta, quais são as vozes que você endossa. São só vozes como abetspeed cnpjou você entende a necessidade dessa pluralidadebetspeed cnpjvozes? O primeiro passo é ler o que autores e autoras negros estão produzindo, porque a empatia é uma construção intelectual. A partir do momento que a gente conhece uma realidade, a gente entende como vai se posicionar politicamentebetspeed cnpjrelação a essa realidade. Sem conhecer, a gente não vai saber.
betspeed cnpj BBC News Brasil - Pessoas brancas devem participarbetspeed cnpjprotestos antirracistas ou deve usar o argumentobetspeed cnpjque não sabe o que é ser negra e não deve participar?
betspeed cnpj Ribeiro - Acho que deve, inclusive. Nos Estados Unidos, pessoas brancas estavam fazendo um cordão ali, porque entendem que tem uma relação diferente da polícia com elas. Acho que deve, porque o racismo é uma problemática branca, como diz a Grada Kilomba. Não foi criado por nós. Então é importante que as pessoas brancas se responsabilizem por isso e tenhambetspeed cnpjfato ações antirracistas, porque esse é um problema que diz respeito à toda a sociedade, não é um problema da população negra.
É fundamental que as pessoas brancas cobrem atitudes, sobretudo nos espaços onde não acessamos. Que elas cobrem, reivindiquem, entendam esse lugar social e a importânciabetspeed cnpjse manifestar ebetspeed cnpjagirbetspeed cnpjrelação a essas questões. Não basta só reconhecer o privilégio, precisa ter ação antirracistabetspeed cnpjfato. Ir a manifestações é uma delas, apoiar projetos importantes que visem a melhoriabetspeed cnpjvida das populações negras é importante, ler intelectuais negros, colocar na bibliografia, quem a gente convida pra entrevistar, quem são as pessoas que a gente visibiliza.
É uma sériebetspeed cnpjações que devem ser tomadas e que as pessoas vão entender a partir do momento que entenderem empatia como uma construção intelectual, que exige empenho, exige esforço e não é algo que vai acontecer espontaneamente, porque precisa ir desconstruindo essas visões e isso passa necessariamente pela construção intelectual.
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