Por que Rio Grande do Sul tem maior percentualuno jogo onlineadeptosuno jogo onlinereligiõesuno jogo onlinematriz africana no Brasil:uno jogo online
Para a comunidade, a placa é duplamente significativa: o edifício, que hoje abriga a sede da associaçãouno jogo onlinemoradores, está situado no local exatouno jogo onlineum antigo terreiro.
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Fim do Matérias recomendadas
“O terreiro da mãe Eva era um dos pontosuno jogo onlineconvivência da comunidade”, explica Tânia Rosangelauno jogo onlineJesus Dutra, primeira-secretária da associação.
Descendente dos primeiros ocupantes, a líder comunitária não conheceu a matriarca.
A existência do terreiro, porém, foi atestadauno jogo onlinelaudo antropológico emitido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O prédio hoje ocupado pela associação fica ao ladouno jogo onlineuma imponente figueira, árvore associada a poderes cósmicosuno jogo onlineinúmeros ritos, incluindo osuno jogo onlinematriz africana.
A relação entre movimento quilombola e as religiõesuno jogo onlinematriz africana não é uma exclusividade da Vila Kédi.
O advogado Onir Araújo, que presta assessoria à associação, afirma que, na capital gaúcha, praticamente todas as comunidades quilombolas organizaram-seuno jogo onlinetornouno jogo onlineterreiros ou abrigam alguma espécieuno jogo onlinelocaluno jogo onlineculto afrorreligiosouno jogo onlineseu interior.
Segundo Araújo, Porto Alegre tem 11 quilombos urbanos, incluindo o primeiro desse tipo a ser reconhecido no Brasil, o da família Silva, vizinho ao Kédi.
“Nenhuma outra cidade brasileira tem esse númerouno jogo onlinecomunidades”, afirma o advogado.
De acordo com o Censouno jogo online2022, existem 203 localidades quilombolas no Rio Grande do Sul, 16 delasuno jogo onlinePorto Alegre.
Em termos quantitativos, porém, os terreiros são muito mais numerosos do que os quilombos na capital.
Um levantamento da Prefeitura feito entre 2006 e 2008 indicou a existênciauno jogo online1.290 terreiros na primeira década do séculouno jogo onlinePorto Alegre — número praticamente idêntico ao encontradouno jogo onlineSalvador na mesma época, segundo Ari Pedro Oro, professoruno jogo onlineAntropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),uno jogo onlineartigo intitulado "O atual campo afro-religioso gaúcho", publicadouno jogo online2012.
No Estado, haveria cercauno jogo online30 mil terreiros, conforme cálculouno jogo onlineNorton Correa, professoruno jogo onlineAntropologia da Universidade Federal do Maranhão.
As marcas das religiões afrobrasileiras no RS
Para muita gente, quando o assunto são as religiõesuno jogo onlinematriz africana, o Rio Grande do Sul pode não ser o primeiro Estado brasileiro a vir à mente.
Afinal, trata-se da segunda unidade da federação com menor população autodeclarada preta ou parda, com 20%, segundo o Censouno jogo online2022, atrás apenasuno jogo onlineSanta Catarina.
Mas uma consulta aos dados dos censos demográficos do Instituto Brasileirouno jogo onlineGeografia e Estatística (IBGE), porém, pode desfazer essa impressão.
No levantamentouno jogo online2010, o Rio Grande do Sul figurou como o Estado com maior percentualuno jogo onlineadeptos da umbanda e do candomblé, as duas principais religiões afrobrasileiras, embora não sejam as únicas.
O Estado também foi campeãouno jogo onlinenúmeros absolutos,uno jogo onlineacordo com o Censouno jogo online2010.
Os adeptos destas religiões representavam 1,47% dos gaúchosuno jogo online2010 — os dados sobre religião do Censouno jogo online2022 ainda não foram divulgados pelo IBGE.
Isso representava um percentual bem acima do nacional,uno jogo online0,3%.
Mas pesquisadores acreditam que,uno jogo onlineambos os casos, os números podem ser ainda mais elevados, porque muitos adeptos tenderiam a se definir como católicos por razões familiares e culturais.
Evidências da afrorreligiosidade (ou, na expressãouno jogo onlineAri Oro, religiosidade afrorriograndense) estão por toda parte.
A maior festauno jogo onlinelouvor a um orixá nas Américas não ocorre no Nordeste brasileiro ou no Caribe, mas ao longo dos maisuno jogo online200 quilômetros da praia gaúcha do Cassino, a mais extensa do mundo, no municípiouno jogo onlineRio Grande.
É a celebraçãouno jogo onlineIemanjá, no dia 2uno jogo onlinefevereiro, que atrai um público calculadouno jogo online300 mil pessoas, segundo os organizadores.
O peso das religiõesuno jogo onlinematriz africana transparece na própria linguagem.
Para boa parte dos gaúchos, a expressão “seruno jogo onlinereligião” indica adesão a cultos afro.
“Quem éuno jogo onlineaxé diz que é”, resume um refrão corrente na comunidade afrorreligiosa local.
A compreensão do fenômeno, diz Vitor Queiroz, professoruno jogo onlineAntropologia da UFRGS, exigeuno jogo onlineprimeiro lugar um ajusteuno jogo onlinecontas com a ideia correnteuno jogo onlineque o Rio Grande do Sul é um Estado branco.
“Acho curioso quando as pessoas falam que não veem negrosuno jogo onlinePorto Alegre. Digo: ‘Refaçauno jogo onlineoperação ocular. Vá ao centro da cidade e simplesmente olhe”, afirma Queiroz.
Até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disseuno jogo onlinemaio,uno jogo onlinevisita a atingidos pela enchente que assolou o Estado: “Não sabia que tinha tanta gente negra aqui”.
Lula acrescentou que teria ouvido da primeira-dama, Janja Lula da Silva, que os negros “são os mais pobres e moram nos lugares mais arriscados”.
Segundo Queiroz, o mito do Rio Grande branco está relacionado à reprodução do preconceito e ódio racial e religioso, segundo Queiroz.
Em 5uno jogo onlinemaio, no auge da enchente, a influenciadora Michele Dias Abreu atribuiu o desastre climático ao fatouno jogo onlineo Estado estar entre os que abrigam “maior númerouno jogo onlineterreirosuno jogo onlinemacumba (sic)”.
“Deus está descendo comuno jogo onlineira total”, apregoou a influenciadora no vídeo.
A repercussão negativa da injúria, que teve milhõesuno jogo onlinevisualizações, levou o Ministério Públicouno jogo onlineMinas Gerais a denunciar Michele por prática e incitação à intolerância religiosa nas redes sociais.
Depois das medidas cautelares, a influenciadora desculpou-se, afirmando que o comentário havia sido “infeliz e desnecessário”.
A desinformação, segundo Queiroz, é produtouno jogo onlineestratégias sociais e políticasuno jogo onlinebranqueamento da população gaúcha adotadas pelas elites gaúchas desde o século 19.
“Os símbolos do Estado são todos afroindígenas. O próprio gaúcho do século 19 é um peão (trabalhadoruno jogo onlineestância)uno jogo onlinepele escura”, ressalta o professor da UFRGS.
O papel dos africanos na história do RS
A pesquisa historiográfica revela que a participaçãouno jogo onlineafricanos no povoamento do Rio Grande do Sul até o início do século 19 não se distinguiu do resto do país.
Em trabalho do início dos anos 2000, a historiadora Helen Osório sustentou que, entre 1780 e 1807, o percentualuno jogo onlineescravizadosuno jogo onlineorigem africana entre a população local oscilava entre 28% e 36%, patamar similar ao da Bahia,uno jogo onlinePernambuco e do Riouno jogo onlineJaneiro.
A economia do charque (carneuno jogo onlinesol), que impulsionou o crescimento da metade sul do Estado até o final do século 19, foi movida a braços e sangue africano, afirma Queiroz.
No Uruguai e na Argentina, onde o charque teve peso igualmente significativo, a presença massivauno jogo onlineescravizados nos saladeros (equivalentes platinos das charqueadas) e estâncias, tão ou mais relevante que a do Rio Grande do Sul, somente nas últimas décadas mereceu maior atenção dos pesquisadores.
Com importância econômica secundáriauno jogo onlinerelação aos centros charqueadoresuno jogo onlinePelotas e Rio Grande, os núcleos urbanos mais ao norte também concentraram desde o início grandes contingentesuno jogo onlineafricanos e descendentes.
“Porto Alegre foi fundada no final do século 18 por colonos açorianos e seus escravos. A gente esquece que pelo menos um terço da população da cidade nos primeiros anos erauno jogo onlineafricanos ou afrodescendentes”, diz Queiroz.
Se o peso demográfico dos negros no Rio Grande do Sul equivale até o início do século 19 aouno jogo onlineoutros Estados, o que explica a adesão mais pronunciadauno jogo onlinereligiõesuno jogo onlinematriz africanauno jogo onlinesolo gaúcho?
Por razõesuno jogo onlinecolonização e defesa do território, a Coroa portuguesa e,uno jogo onlineseguida, o Império brasileiro promoveram a instalaçãouno jogo onlinecolonos — inicialmente alemães, mas também franceses, suíços e italianos — no Rio Grande do Sul.
A procedência dos migrantes obedecia à intenção de, nas palavras da pesquisadora Vania Herédia, “branquear a raça”, ou seja, fortalecer o elemento branco na população brasileira.
Pesquisadores sustentam que a chegadauno jogo onlinecolonosuno jogo onlinefé luterana, sobretudo alemães, contribuiu para estender a liberdadeuno jogo onlineculto — inclusive das religiõesuno jogo onlinematriz africana — ao enfraquecer o controle da Igreja católica no âmbito espiritual.
Para Queiroz, mais do que uma relação estanque entre as confissões, existe no Estado um “mercado mágico subterrâneo”, comum tambémuno jogo onlineoutros lugares do país.
“Às vezes, a pessoa não é afrorreligiosa e está, por exemplo, com a mãe doente. Tenta isso, tenta aquilo, e alguém diz: ‘Olha, a mãe tal no terreiro tal pode ajudar’. E a pessoa vai lá e encomenda um ebó (oferenda). Essa pessoa é o quê? Ela vai ao terreiro, às vezes escondida”, exemplifica.
Nem sempre as transações ocorrem nas sombras. O exemplo mais notório é o da relação entre o presidente (cargo equivalente a governador na República Velha) Antonio Augusto Borgesuno jogo onlineMedeiros (1863-1961) e o príncipe beninense Custódio Joaquimuno jogo onlineAlmeida, que chegou ao Rio Grande do Sul no final do século 19.
A tradição oral atribui a Custódio o assentamentouno jogo onlineocutás (objetos sagrados associados a orixás)uno jogo onlinedistintos pontosuno jogo onlinePorto Alegre.
O mais famoso é o chamado Bará do Mercado Público, simbolizado por um círculouno jogo onlinepedras no piso do prédio — o local exato do assentamento nunca foi revelado.
Outros estariam sob o próprio Palácio Piratini, sede do governo estadual, a pedidouno jogo onlineBorges, na Igreja das Dores, no antigo pelourinho da Rua dos Andradas e até mesmo, segundo Queiroz,uno jogo onlineum ponto do leito do Lago Guaíba.
A religiãouno jogo onlineCustódio, como a dos primeiros africanosuno jogo onlinesolo gaúcho, conforme Queiroz, era chamadauno jogo online“nação” e hoje adota a denominaçãouno jogo onlinebatuque.
Originária do Golfo da Guiné, tem possível influênciauno jogo onlinemitos centro-africanos.
Como o candomblé —uno jogo onlinerelação ao qual é, nas palavras do professor da UFRGS, “um culto diferenteuno jogo onlinemesma raiz” —, o batuque venera orixás e utiliza o iorubá como língua litúrgica.
Embora seja visto pelos próprios adeptos como tradicional e ancestral, o batuque implantou-se há pouco maisuno jogo onlineum século, no final do século 19.
Nos anos 1930,uno jogo onlineacordo com Queiroz, surgiram no Rio Grande do Sul os primeiros terreirosuno jogo onlineumbanda, poucas décadas depoisuno jogo onlineseu aparecimento no Riouno jogo onlineJaneiro.
Com elementos mitológicos centro-africanos, a umbanda é comumente definida como a mais brasileira das afrorreligiões.
Finalmente, mais recentemente figura a quimbanda ou linha cruzada, que acrescenta as divindadesuno jogo onlineExu e Pombagira ao universo sagrado do batuque e da umbanda.
Na prática cotidiana, os três ramos (chamados localmenteuno jogo online“lados”) são entrelaçados.
“Batuque, umbanda e quimbanda podem coexistir no mesmo espaço. Trocam-se a decoração, o dia da semana, os frequentadores, mas existe convivência”, garante o professor.
Conflitos religiosos
Se as relações entre os “lados” são pacíficas, o convívio com outras confissões registra momentosuno jogo onlineaberta hostilidade.
Por duas vezes,uno jogo online2003 e 2015, deputados ligados a igrejas evangélicas neopentecostais tentaram sem sucesso aprovar na Assembleia Legislativa projetos que proibiam o sacrifíciouno jogo onlineanimais, prática corrente no batuque e na quimbanda.
No primeiro episódio, o Ministério Público do Estado ingressou com ação diretauno jogo onlineinconstitucionalidade contra a decisão dos deputados no Tribunaluno jogo onlineJustiça do Estado.
Dianteuno jogo onlinedecisão desfavorável, interpôs recurso extraordinário junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Finalmente,uno jogo online2019, por unanimidade, a corte suprema decidiu pela constitucionalidade do sacrifíciouno jogo onlineanimaisuno jogo onlinecerimônias religiosas.
A polêmica estimulou a criação,uno jogo online2014, do Conselho do Povouno jogo onlineTerreiro do Estado do Rio Grande do Sul, vinculado à Secretariauno jogo onlineJustiça, Cidadania e Direitos Humanos.
A finalidade do órgão, segundo o decreto assinado pelo então governador Tarso Genro (PT), é “desenvolver ações, estudos, propor medidas e políticas públicas voltadas para o conjunto das comunidades do povouno jogo onlineterreiro do Estado, caracterizando-se como um instrumentouno jogo onlinereparação civilizatória, na busca da equidade econômica, política e cultural e da eliminação das discriminações”.
Em um episódio mais recenteuno jogo onlinetensão, o padre Sérgio Belmonte, da paróquiauno jogo onlineSão Jorge, no bairro Partenon, provocou reação nas redes sociais ao anunciar,uno jogo online23uno jogo onlineabril, uma celebração interreligiosa no templo.
A data, consagrada ao santo guerreiro no calendário católico, é festejada também nos cultos afrouno jogo onlinelouvor a Ogum, orixá da guerra.
Diante da controvérsia provocada pelo anúncio, a paróquia anunciou que o ato interreligioso não se realizaria no interior da igreja.
Ainda assim, depois da missa, quatro homens tentaram impedir a lavagem das escadarias do templo por adeptosuno jogo onlinereligiõesuno jogo onlinematriz africana e tiveramuno jogo onlineser contidos pela polícia.
O arcebispo metropolitanouno jogo onlinePorto Alegre, dom Jaime Spengler, lamentou o episódiouno jogo onlineentrevista à BBC News Brasil.
“Faz parte da missão própria da Igreja Católica promover, com outros fiéis,uno jogo onlinemaneira fraterna, respeitosa e convivial, o caminho da buscauno jogo onlineDeus ou do divino, como quisermos”, disse o arcebispo.
O caso fornece, na opiniãouno jogo onlinedom Jaime, “sinaisuno jogo onlineum radicalismo,uno jogo onlineum fundamentalismo que não caracteriza, que não faz parte da sã tradição católica nem faz parte daquilo que a Igreja, sobretudo depois do Concílio Vaticano 2º, tem defendido”.
O arcebispo tinha prometido ao padre Belmonte que estaria presente à missauno jogo online23uno jogo onlineabril, mas foi impedido por uma forte gripe, sendo representado pelo bispo auxiliar, dom Juarez Destro.
Se tivesse comparecido, porém, disse que perguntaria,uno jogo onlineprimeiro lugar, se as pessoas que se manifestaram participam da vida ordinária da comunidade.
“Se sim, certamente merecem sim nossa orientação, nossa proximidade e, por que não dizer, o respeito. Até porque a Igreja não é feitauno jogo onlinepessoas que pensam da mesma forma. Existem diferenças.”
Em polêmicas como a da paróquia São Jorge, observou, encontram-se “não raramente influenciadores digitais que promovem situações delicadas, que não estão participando da vida concretauno jogo onlineuma igreja particular e disseminam suas opiniões através das redes sociais, sem um compromissouno jogo onlinevida comunitária”.
No Quilombo Kédi, a busca dos moradores do reconhecimentouno jogo onlineseu direito a ocupar o território se chocou com as pretensões da Igreja.
Erguido no ponto ocupado pelo terreirouno jogo onlinemãe Eva, o prédio da associação ainda ostentava,uno jogo onlineabril, acima da placa do quilombo, um letreiro onde se lia “Igreja Santa Edvige, filiada à Paróquia Nossa Senhora Mont’Serrat”. Ao lado, um aviso: “Missas aos sábados às 15:30”.
O espaço foi utilizado por dez anos por catequistas católicosuno jogo onlinemissãouno jogo onlineconversão junto aos moradores — sem sucesso, informa o advogado Onir Araújo.
Fluminenseuno jogo onlineNiterói e ativista social há 40 anos, o assessor do Quilombo Kédi radicou-se na capital gaúcha há maisuno jogo onlineduas décadas, mas não consegue evitar a emoção ao falar da terra adotiva.
“Porto Alegre dorme todas as noites ao somuno jogo onlinetamboresuno jogo onlinematriz africana”, comenta Araújo. “Em todos os bairros, se você apurar bem o ouvido.”