Zélio, o Caboclo das Sete Encruzilhadas: o 'fundador da umbanda' que não é bem aceito por umbandistas atuais:pixbet com
Por outro lado, e é esse o ponto que vem sendo revisto e muito criticado por pesquisadores contemporâneos da umbanda. Considerar Zélio o precursor dessa religião é também resultadopixbet comum processopixbet comembranquecimento — é negar que a umbanda já vinha sendo praticada por negros oriundos da África e seus descendentespixbet comsolo brasileiro, é entregar a primazia da religião afrobrasileira a um homem branco.
"Não é um assunto novo: a históriapixbet comZélio como fundador da umbanda vem sendo questionada. Eu não o considero fundador da umbanda porque a umbanda é muito anterior a isso", crava o sociólogo Lucaspixbet comLucena Fiorotti, autor da página Abrindo a Gira, no Instagram.
"Ele se tornou uma figura importantepixbet comfunção do embranquecimento [da umbanda]. Ele é importante para um tipopixbet comumbanda, que no passado queriam chamarpixbet com'espiritismopixbet comumbanda'. Quem o celebra como fundador da umbanda não tem culpa. A culpa é do projetopixbet compaís", acrescenta Fiorotti.
Para o historiador Guilherme Watanabe, paipixbet comsanto do terreiro Urubatão da Guia,pixbet comSão Paulo e membro fundador do Coletivo Navalha, Zélio é "a representaçãopixbet comuma grande construção histórica", do "mitopixbet comfundação que, a partir dos anos 1960, começa a se fazer no Rio". "Uma grande mentira", sentencia.
O que teria acontecidopixbet com1908
Filhopixbet comuma família tradicionalpixbet comSão Gonçalo, na região metropolitana do Rio, Zélio estava se preparando para seguir carreira militar na Marinha quando foi acometido por uma paralisia. Ele tinha 17 anos. Acamado por alguns dias, teria declarado que "amanhã estarei curado" e,pixbet comfato, no dia seguinte levantou-se como se nada houvesse acontecido.
Diante da surpresa dos médicos, os familiares decidiram recorrer a padres católicos — que também não souberam explicar o que havia sucedido ao jovem.
Para a família, Zélio sofriapixbet comdistúrbios espirituais. Então, por indicaçãopixbet comum amigo, levaram-no até a Federação Espírita do Estado do Riopixbet comJaneiro, então sediadapixbet comNiterói.
O médium presidente da entidade teria organizado uma sessão espírita, com Zélio à mesa. Na ocasião, conforme relatos da época, houve a manifestaçãopixbet comespíritospixbet comancestrais africanos, os chamados "pretos-velhos", e indígenas, os "caboclos".
O dirigente da sessão, então, teria classificado tais espíritos como "atrasados" —pixbet comuma visão preconceituosa sobre tudo aquilo que não tivesse raízes europeias. Solicitou então que eles se retirassem. Foi quando Zélio acabaria incorporando uma entidade, o chamado "Caboclo das Sete Encruzilhadas",pixbet comdefesa dos pretos-velhos e dos caboclos. E disse que se ali não houvesse espaço para que negros e indígenas "cumprissempixbet commissão", ele, o tal caboclo, fundaria no dia seguinte um novo culto — na casapixbet comZélio.
Seria então 15pixbet comnovembropixbet com1908. E, para muitos, se trata do marco fundador da umbanda, como uma nova religião do Brasil.
A partir do episódio, Zélio e o Caboclo das Sete Encruzilhadas seriam identidades indissociáveis. De acordo com o médium, a entidade seria a manifestação do padre jesuíta italiano Gabriel Malagrida (1689-1761), um missionário que chegou a andar pelo Brasil catequizando indígenas e, mais tarde, acusadopixbet combruxaria e heresia, foi morto pela fogueira da Inquisiçãopixbet comLisboa.
"Ele é caboclo mas, dentro do mito, também é um padre jesuíta. O que cria uma disforia total, uma loucura promovida pelo processopixbet comembranquecimento [da umbanda]", diz Fiorotti.
Segundo a narrativapixbet comZélio, na "última existência física", Deus teria concedido a Malagrida "o privilégiopixbet comnascer como caboclo brasileiro".
Com esse caldo cultural multiétnico, estava criado o mito da fundação da umbanda.
'Embranquecimento'
Conforme explica o sacerdotepixbet comumbanda David Dias, pesquisadorpixbet comciência da religião na Pontifícia Universidade Católicapixbet comSão Paulo (PUC-SP), a históriapixbet comZélio pode ser vista sob duas óticas.
"A primeira trazpixbet comvida contada por meio dos manuaispixbet comumbanda e mantida pelapixbet comfamília, a qual assegurapixbet commemória até os diaspixbet comhoje. Já a segunda é contada por meiopixbet comum mitopixbet comcriação onde cada um que conta aumenta uma ponta, deixando na história contada uma lendapixbet comexistência questionável", pondera ele.
Dias lembra que um dos relatos atesta que, entre a consulta médica, o conselho dos padres e a famosa sessão espírita, Zélio teria sido levado a uma benzedeira do Rio. E fora ela, incorporando um preto-velho, que dera a sentença: àquele jovem seria reservada uma grande missão pela frente.
O pesquisador ressalta que há ainda um fato importante que só reforça a ideiapixbet comque muitos detalhes não tenham passadopixbet comficção para azeitar uma mitologia da fundação.
"Na atapixbet com15pixbet comnovembropixbet com1908 da citada federação [espírita] não há registros destes fatos, o nome do dirigente da suposta sessão não confere com a história, nem mesmo o nomepixbet comZélio se faz presente", afirma Dias.
Por fim, ele lembra ainda que a figura do Caboclo das Sete Encruzilhadas também apresenta "incongruências".
Segundo especialistas, a históriapixbet comZélio como fundador da umbanda foi uma construção que passou a tomar forma nos anos 1960, quando o médium já era idoso.
Em 1961, a jornalista e umbandista Lilia Ribeiro publicou pela primeira vez essa versão no jornal informativo Macaia, ligado à Tendapixbet comUmbanda Luz, Esperança e Caridade, da qual ela era dirigente.
Após a mortepixbet comZélio, essa narrativa se consolidou. Em dezembropixbet com1978, por exemplo, a revista Planeta, publicação da Editora Três que hoje não circula mais, trouxe uma grande reportagem intitulada Como surgiu a umbandapixbet comnosso país: 70º aniversáriopixbet comuma religião brasileira, na qual todos os elementos dessa mitologia fundadora estavam presentes.
Fiorotti acredita que então Zélio se torna "uma figura importante para a umbanda hegemônica".
Mas que tudo seria um esforço sistêmico para apagar as raízes realmente africanas — e anteriores ao século 20.
"Há indíciospixbet comque já havia práticaspixbet comumbanda muito semelhantes tantopixbet comritualística quantopixbet comestética ao que acontece hoje muito antespixbet com1908", diz ele.
"Essa umbanda que tem Zélio como fundador é uma umbanda muito associada ao espiritismopixbet comsi. Mas há diversos autores que se sentem contemplados por essa narrativa e eles são pessoas fortemente associadas ao espiritismo e a algumas ideias esotéricas, místicas. Fogem da vivência do terreiropixbet comfato. A estrutura umbandista já existia no século 19."
Watanabe lembra que a própria palavra umbanda vem das línguas quimbundo e umbundu da África Central e "significa algo como arte ou maneirapixbet comcurar".
"É uma palavra que existe há muito tempo e, como sendo arte ou maneirapixbet comcurar, se tratapixbet comuma prática medicinal e espiritual feita por um médico feiticeiro", contextualiza.
"Algo que já era praticado por centro-africanos desde muito tempo atrás e, a partir da diáspora, do tráficopixbet comescravizados, acaba sendo trazido ao Brasil. Por isso, no Riopixbet comJaneiro do século 19 já havia diversas casaspixbet comfeiticeiros africanos."
Para Fiorotti, a mitologiapixbet comZélio é, na verdade, a tentativa do "embranquecimento da umbanda, dentro da ideia da democracia racial,pixbet comque não há racismo no Brasil,pixbet comque as relações raciais são simétricas".
"Essa umbanda do Zélio está na esteira desse país que começa a se pensar como mestiço para disfarçar os problemas das relações sociais", aponta.
Assim, Zélio teria sido "usado" como "uma história privilegiada para encarnar a umbanda da democracia racial", enfatiza o pesquisador.
E a consolidação desse estilo deixou como legado uma sériepixbet com"descaracterização das divindades, dos orixás, dos espíritos".
"Por exemplo, ao dizer que um caboclo, que é indígena, pode ser um branco. Ou dizendo que um preto-velho pode ser uma pessoa branca. São absurdos. Mas a partir dessa umbanda [de Zélio], isso passou a ser possível", exemplifica.
"Zélio é a históriapixbet comum homem branco classe média que se apropria da cultura dos centro-africanos e seus descendentes", resume o historiador Watanabe. "Além disso, apaga e invisibiliza a cultura dos centro-africanos ao se dizer fundadorpixbet comalgo que, na verdade, já existia."
Epixbet comonde vêm as sete encruzilhadas? A resposta está na própria ideia umbandista do que é uma encruzilhada.
"É um conceito: estar na encruzilhada, ao contrário do que as pessoas costumam pensar, é desejável. Porque tudo é feitopixbet comcaminhos. Um caminho reto, sem possibilidades, não é desejável. O desejável é estarmos na encruzilhada, onde não há caminho fechado", explica o sociólogo Fiorotti.
"Sete encruzilhadas, assim, é o infinitopixbet compossibilidades", conclui ele.
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