Como surgiu mitocassino n1betque o Brasil foi descoberto sem querer:cassino n1bet
Historiadores contemporâneos, contudo, colocamcassino n1betxeque esta narrativa. Não há um consenso por que os documentos conhecidos são poucos e não explicam com clareza. Mas o que a grande maioria concorda é que Cabral ao menos sabia que encontraria alguma coisa indo por ali — não necessariamente um território tão grande.
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E que partecassino n1betsua missão, alémcassino n1betconsolidar a nova rota para a Índia, selando o sucesso empreendido anteriormente por Vasco da Gama (1469-1524), era estabelecer a conquista daquilo que havia sido garantido à coroa portuguesa pelo Tratadocassino n1betTordesilhas, firmado seis anos antes com a Espanha.
Por que então foi criado o mito da descoberta por acaso? Quais eram os interesses dessa historiografia que foi tratada como verdadeira sobretudo do início do século 19 até a décadacassino n1bet1980?
Criaçãocassino n1betuma narrativa nacional
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Pesquisador na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e professor no Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, o historiador Victor Missiato explica à BBC News Brasil que essa versão “foi construída principalmente no século 19”. “O Brasil e o mundo passavam por um contextocassino n1betformação dos nacionalismos modernos, com o desenvolvimentocassino n1bethistórias teleológicas, com começo, meio e fim, muito lineares”, comenta ele.
“Essa ideiacassino n1betdescobrimento é muito fortificada no século 19 pela monarquia brasileira e tem a intenção claracassino n1betcriar um caminho reto, progressista, entre uma determinada ideiacassino n1betdescobrimentocassino n1betum povo que estácassino n1betbuscacassino n1betalgo, juntamente com uma terra que necessita ser descoberta”, diz Missiato.
Durante o período colonial, Portugal parece não ter feito questãocassino n1betacentuar se a conquista do território brasileiro havia se dadocassino n1betpropósito ou não — a intencionalidade do feito não estava no centro das preocupações, a julgar pelos registros produzidos.
“Se a descoberta foi acidental ou não, na época não havia problemas com isto”, afirma à BBC News Brasil o historiador André Figueiredo Rodrigues, professor da Unesp. “O que realmente interessava a Portugal era efetivar a posse do território que lhe pertencia pelo direito atribuído pelo Tratadocassino n1betTordesilhas.”
Como enfatiza Rodrigues, “o importante foi a posse, mesmo que nosso processocassino n1betpovoamento fosse tardio, uma vez que o interesse português naquela época estava no Oriente, por causa das riquezas proporcionadas pelo comércio das especiarias.”
“A notícia do achamentocassino n1betnovas terras, a [então chamada de] Terracassino n1betSanta Cruz, pela expediçãocassino n1betCabral ganhou a Europa rapidamente por cartascassino n1betmercadores radicadoscassino n1betLisboa e pelo próprio rei, que espalhavam aos quatro cantos a descobertacassino n1betterra firme que lhe pertenciam no além-mar”, conta Rodrigues. “Se foi por acaso ou não, essa questão não interessava. O que valia era efetivar o direitocassino n1betposse.”
Contexto e posse
Para a historiadora Clarissa Sanfelice Rahmeier, professora na Escola Superiorcassino n1betPropaganda e Marketing (ESPM), “toda a história do descobrimento ou achamento do Brasil deve ser entendida à luz de, no mínimo, dois elementos que caracterizavam o contextocassino n1betque se deu a vinda dos europeus para cá”. São eles os tratadoscassino n1betlimites estabelecidos entre Portugal e Espanha “e a situação socioeconômica vivenciada pelos países ibéricos à época da chegadacassino n1betCabral”.
“A narrativa que apresenta a versão da chegada por acaso deriva do primeiro elemento, referente à disputa, por Portugal e Espanha, das terras achadas ou por achar no processocassino n1betexpansão marítima impulsionado pelos dois países”, pontua ela.
Isso porque, como a linha estabelecida pelo Tratadocassino n1betTordesilhas não era precisa, tanto o planejamento quanto a comunicação das viagens exploratórias eram impactados. “Havia várias interpretações a seu respeito e a faltacassino n1betuma exata localização, bem como o desconhecimento do que seria encontrado nas terras do além-mar”, afirma Rahmeier.
A historiadora ressalta que foi por conta disso que a coroa portuguesa financiou a viagem do explorador Duarte Pacheco Pereira (1460-1533)cassino n1bet1498. Muitos acreditam que ele — e não Cabral — tenha sido o primeiro português a pisar nas terras que hoje são o Brasil.
“A viagem foi mantidacassino n1betsegredo e os relatos advindos dela também”, destaca Rahmeier. “Se considerarmos a expansão marítima uma corrida por territórios, e pelas potenciais riquezas que eles teriam, entendemos melhor a não divulgação da viagemcassino n1betPacheco Pereira. Manter os planos da viagemcassino n1betsegredo não chamaria a atenção dos espanhóis para a região a que Portugal se destinava. Além disso, argumenta-se que Pacheco Perreira aportoucassino n1betterras onde os limites do Tratadocassino n1betTordesilhas não eram claros, no norte do que hoje é o Brasil, na região onde [atualmente] se localizam os estados do Maranhão e do Pará.”
Segundo ela, “a divulgação da viagem poderia despertar o interesse dos espanhóis para essa região fronteiriça”. Daí veio a viagem empreendida por Cabral. “A opção do rei Dom Manoel 1º, então reicassino n1betPortugal, foi organizar uma nova expedição com o intuitocassino n1bettomar possecassino n1betuma área que seria certamentecassino n1betdomínio portuguêscassino n1betacordo com o Tratadocassino n1betTordesilhas”, explica ela. “Assim, a expediçãocassino n1betCabral foi montada com o intuitocassino n1betchegar a terras que com certeza pertencessem a Portugal e, assim, tomar posse do que fosse encontrado. Foi o que ocorreu.”
Rahmeier acrescenta que como os documentos da viagemcassino n1betPacheco Pereira foram mantidoscassino n1betsigilo, a expedição oficialcassino n1betCabral, “realizadacassino n1bet1500 e com o intuitocassino n1bettomar posse do que era português antes mesmo do achamento se tornou o centro das narrativas do descobrimento”.
“O tamanho da expediçãocassino n1betCabral e o fatocassino n1betsua frota seguir para as Índias após a tomadacassino n1betposse das terras além-mar acabaram por reforçar a versão da descoberta acidental do Brasil”, salienta. “Essa narrativa se perpetuou mesmo após os documentos relativos à viagemcassino n1betPereira serem divulgados, no século 19.”
No caso, é o documento ‘Esmeraldocassino n1betSitu Orbis’, um manuscritocassino n1betautoria do próprio Pacheco Pereira, escrito no início do século 16 — mas que foi mantido como secreto por Portugal até ser reencontrado e publicado no fim do século 19.
No documento, o explorador faz uma descrição que possibilita interpretar que ele esteve no território. Escreveu ele que,cassino n1bet1498, “vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além da grandeza do mar Oceano, onde é achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela e é grandemente povoada”.
“Tanto se dilatacassino n1betgrandeza e corre com muita lonjura, quecassino n1betuma parte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e cabo dela”, relatou. “É achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousascassino n1betque os navios nestes reinos vêm grandemente povoados.”
De acordo com a historiadora Rahmeier, este documento costuma ser interpretado como registro da viagemcassino n1betPacheco Pereira ao Brasil — e confirmaria que acassino n1betviagem teria fornecido as bases para a expediçãocassino n1betCabral.
“[Este documento vem à tona no fim do século 19] quando a narrativa do descobrimento acidental por Cabral já era amplamente consolidada na historiografia oficial,cassino n1betcurrículos escolares e na imaginação sobre o descobrimento”, diz a professora.
Versão oficializada pelo império
Para o historiador Victor Missiato, não há dúvidascassino n1betque quem consolidou essa ideiacassino n1bet“descobrimento por acaso” foi o império brasileiro, no contexto da pós-independência. É do período a construção do imaginário a respeito do episódio da chegada dos portugueses. “Se a gente pegar aquela obra do [pintor Victor] Meirelles [(1832-1903)], ‘Primeira Missa no Brasil’ [feita entre 1869 e 1861], há toda uma referênciacassino n1betum destino manifesto por parte da Igreja ecassino n1betPortugal, no sentidocassino n1bettrazer a palavra, a verdade, o sentidocassino n1betcolonização para essas terras”, comenta ele.
Foram assim erguidas as bases da narrativa. Segundo Missiato, “o descobrimentocassino n1betum povo que vai construircassino n1bethistória a partir das ideias do catolicismo e do nacionalismo”.
“Essa versão [da descoberta ‘sem querer’] durou muito tempo porque primeiro ela se constituiu como uma história oficial no século 19 e essa ideiacassino n1bethistória oficial que se utiliza apenascassino n1betfontes oficiais, durante muito tempo, foi considerada a história científica da modernidade”, aponta Missiato.
Durante décadas, “toda a sociedade brasileira foi formada a partir dessa ideia oficialcassino n1betdescobrimento do Brasil”, ressalta o pesquisador. A partir dos anos 1930, ideias diferentes começaram a surgir no âmbito acadêmico. Mas ainda levaria muito tempo para serem adotadas essas versões pelos livros e apostilas escolares.
“Havia interesses claros no sentidocassino n1betperpetuar uma perspectiva redentora, salvadora e ao mesmo tempo uma perspectiva centralizadora da história do Brasil”, comenta ele. Afinal, uma chegada por acaso tira o peso da “conquista planejada”, que pode ser interpretada como nociva e dominadora. Uma descoberta acidental, fortuita, parece evocar um capricho do destino, facilitando a conexão mítica com ideiascassino n1betsalvação e redenção.
Cuidado interpretativo
O historiador André Figueiredo Rodrigues, contudo, recomenda cuidado antescassino n1betdefender este ou aquele pontocassino n1betvista interpretativo. Ele enfatiza que “a documentação contemporânea da viagemcassino n1betCabral não permite estabelecer com precisão se a chegada portuguesacassino n1betterras nas Américas foi acaso ou intencionalidade”.
Ele ressalta que o relato mais importante, a cartacassino n1betPero Vazcassino n1betCaminha (1450-1500), foi reconhecido como “o documento do descobrimento” apenascassino n1bet1817. “E somente após o fim da décadacassino n1bet1980, mais ou menos, é que outros 13 documentos coevos se juntaram ao rol do que chamamoscassino n1bet‘documentos do descobrimento’”, comenta. “Dados constantes nesses novos documentos permitem acreditar que o território que mais tarde será chamadocassino n1betBrasil foi pelo menos visitado por outros viajantes antes da chegada da esquadracassino n1betCabral.”
Rodrigues situa “a dúvida acerca do acaso ou intencionalidade do descobrimento” por conta da expedição realizada por Vasco da Gama à Índiacassino n1bet1498.
“Para formalizar acordos ali estabelecidos, o reicassino n1betPortugal armou a expediçãocassino n1betCabral para atender aos requisitos do samarim, o senhor da cidadecassino n1betCalicute, ecassino n1betoutros senhores do Oriente para trazer para a Europa as especiarias do Oriente”, contextualiza Rodrigues. “A expediçãocassino n1betCabral tinha como objetivo retornar às Índias e estabelecer acordos comerciais locais. No trajeto e com receiocassino n1betperder seus territórios nas Américas, a esquadra desembarca no Brasil, tomando posse oficial das terras nas Américas pertencentes a Portugal pelo Tratadocassino n1betTordesilhas.”
“Nessa história, um dado se soma: esse tomar posse das terras pertencentes a Portugal nas Américas ocorreu por acaso. É isso que se acreditava, pois os fatos narrados acima não eramcassino n1betconhecimento, e a cartacassino n1betCaminha vislumbra-se pelo acaso e não pela intencionalidade”, aponta ele.
Até 1817, quando o textocassino n1betCaminha foi descoberto e tornado público, nem a data era sabida. Acreditava-se que o Brasil havia sido descoberto pelos portuguesescassino n1bet3cassino n1betmaiocassino n1bet1500, e não 22cassino n1betabril — daí o nome dadocassino n1betTerracassino n1betSanta Cruz, já que celebra-se esse diacassino n1bettal data.
E se a questão surgiucassino n1bet1817, isso acabou sendo incorporado como narrativa pelo Império Brasileiro, logo após a Independênciacassino n1bet1822 — e com os interessescassino n1betse criar uma identidade nacional. “O fatocassino n1betinicialmente conhecermos apenas uma versão dos fatos levou-nos a acreditar na proposta do acaso, baseada apenas na versão dos documentos divulgadas pelos cronistas”, acrescenta Rodrigues.
“Mas com a divulgação esporádicacassino n1betdocumentos ao longo do século 19, questionamentos passaram a suscitar dúvidas sobre o achamento das terras do Brasil”, comenta.
O primeiro a apostar na intencionalidade
Possivelmente o primeiro a levantar essa lebre foi o historiador Joaquim Norbertocassino n1betSousa e Silva (1820-1891). Em 1852, ele publicou na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro um artigo chamado ‘O Descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral foi devido a um mero acaso ou teve ele alguns indícios para isto?”. “[Ali, ele] defendia a intencionalidade da descoberta efetuada por Cabral. É a partircassino n1betentão que se inicia o debate, que se arrasta até hoje”, diz Rodrigues.
“Joaquim Norbertocassino n1betSousa e Silva é quem revoluciona a interpretação [da chegada por acaso], trazendo à luz novos questionamentos como o que contesta o desembarque involuntário da esquadracassino n1betCabral no litoral da Bahia, ocasionado pela corrente marítima equatoriana”, explica o historiador. “Se os ventos fossem os responsáveis pelo desvio da rota, a armadacassino n1betCabral deveria ter chegado ao litoral brasileiro mais ao norte e não na alturacassino n1bet[onde hoje fica] Porto Seguro.”
O poeta Gonçalves Dias (1823-1864) usa a mesma revista para publicar um texto refutando Sousa e Silva. “[Ele indica] que o encontro do Brasil foi por acaso e que o ato da intencionalidade retirariacassino n1betCabral o seu grandioso feitocassino n1betnosso descobrimento”, analisa Rodrigues.
De qualquer forma, esta não parecia ser uma questão que importava, naquele momento.
A partircassino n1bet1861, o livro Liçõescassino n1betHistória do Brasil, do escritor, médico e professor Joaquim Manuelcassino n1betMacedo (1820-1882) acabou se tornando um material didático amplamente difundido no Brasil. E suas ideias, conforme ressalta Rodrigues, “circulavam pelas escolas como reprodutoracassino n1betnossa história nacional e promulgadora do patriotismo estimulado aos jovens”.
“Foi o grande livro da época… Em suas páginas, quando se lê sobre o descobrimento, nada existe sobre a polêmica intencionalidade ou acaso”, frisa o historiador. “O que ele fez foi valorizar a presença portuguesacassino n1betterras americanas, nada mais.”