Como agricultores que fugiram dos vikings criaram a culinária tradicional da Islândia:betano entrar conta
"Skata! Ha!"
Era Gísli, um jovem islandêsbetano entrar conta20 e poucos anos. Ele tinha sido meu guia no dia anterior nesta pequena cidade, chamada Akureyri, ao norte da Islândia. Passamos uma noite agradável "caçando" aurora borealbetano entrar contacarro e ouvindo música islandesa - uma combinação suave e etéreabetano entrar contaglockenspiels (jogobetano entrar contasinos), pandeiros, guitarras tocadas com arco e muitos falsetes.
"Está bom? Você gostou?", ele perguntou. Eu disse que ainda não tinha provado. E ele disparou: "Você vai amar. É horrível!"
Finalmente, eu experimentei. A arraia estava quente, tinha acabadobetano entrar contasair do forno, mas a queimação que senti na língua era química, resultadobetano entrar contaalguma reação forte que estava acontecendo naquele peixebetano entrar contadecomposição. Eu devo ter feito uma careta.
"Ha!"
Gísli apareceu novamente com o casalbetano entrar contaturistas chineses que estava acompanhando - ele não tinha tirado o olhobetano entrar contamim, estava aguardando minha reação.
"Terrível, né? Ah, eu amo isso! Eles me ofereceram uma porção e assim que terminar, vou pedir mais. É um ótimo alimento viking! É forte! Ha!"
Comi o restante do peixe e resolvi provar, na sequência, uma pequena cabeçabetano entrar contacordeiro. Era apenas meu segundo diabetano entrar contaviagem e minha terceira refeição. Mas, desde o almoço no dia anterior, fiquei com a impressãobetano entrar contaque os islandeses têm uma relação diferente com a comida. Eu tinha ido a um lugar chamado Kaffi Kú ("Café Vaca",betano entrar contatradução livre), onde comi uma tigelabetano entrar contaguisadobetano entrar contacarne, sentadobetano entrar contaum salão envidraçado com vista para um estábulo e, consequentemente, para as vacas (antesbetano entrar contavirarem ensopado no meu prato).
Entendo que aproximar as pessoas dabetano entrar contafontebetano entrar contacomida é um princípio admirável, mas o peixe podre me pareceu demais. E enquanto eu seguiabetano entrar contadireção à capital, Reykjavik, consumindo cada vez mais alimentos podres, azedos e defumados sobre esterco, me ocorreu que a culinária islandesa não era apenas estranha, mas possivelmente única.
Sabemos que é comum comer as partes mais baratas - e às vezes não tão apetitosas visualmente -betano entrar contaplantas e animais. E,betano entrar contatodas as cozinhas do mundobetano entrar contaque experimentei iguarias diferentes, havia sempre um sentimentobetano entrar contaorgulho nacionalbetano entrar contarelação ao sabor da comida - seja um estômagobetano entrar contabezerro (shkembe búlgaro), um cérebrobetano entrar contaovelha (mokh mchermel marroquino) ou um rabobetano entrar contavaca (ensopado jamaicano).
Mas os islandeses, como Gísli, ao que parece, adoram o quão ruins são seus pratos típicos.
As pessoas costumam achar que os vikings são para os islandeses mais ou menos o que os romanos são para os italianos. E que os vikings eram notoriamente fortes, riam diante das dificuldades, eram capazesbetano entrar contaresistir ao sofrimento extremo e despertar o medo no coração dos inimigos.
Porém, uma coisa é certa: os islandeses não são vikings. E nunca foram. Eles são, embetano entrar contamaioria, descendentesbetano entrar contaagricultores noruegueses que fugiram dos vikings para conseguir continuar a plantar e criar seus animaisbetano entrar contapaz. É o que conta a exposição permanente do Museu da Cidadebetano entrar contaReykjavik, na capital do país.
"Essa é uma das grandes novidades", afirma Jesse Byock, autor do livro Viking Age Iceland ("Era Viking na Islândia",betano entrar contatradução livre) e professorbetano entrar contahistória islandesa e literatura nórdica na Universidade da Califórnia (UCLA), nos Estados Unidos, e na Universidade da Islândia.
"Os islandeses nunca se conectaram ao mundo viking, eles sempre foram islandeses. Mas os mais jovens estão muito entusiasmados com a história dos vikings, e agora estão tentando mostrar que podem comer essas coisas também", explica.
Os islandeses sempre comeram esse tipobetano entrar contaalimento. Os famosos cubosbetano entrar contatubarão podre (hákarl), por exemplo, podem ser encontradosbetano entrar contatodas as esquinasbetano entrar contaReykjavik. Mas como o turismo ultrapassou a agricultura e a pesca como fontebetano entrar contarenda no país, as novas gerações abraçaram o conceito viking, que funciona muito bem com os visitantes.
Segundo Byock, a verdadeira história por trás da comida - e da relação dos islandeses modernos com ela - é muito mais interessante do que as lendas bárbaras.
Quando os primeiros escandinavos desembarcaram na costa da Islândia, por voltabetano entrar conta871, encontraram uma terra densamente arborizada que parecia pronta para ser cultivada.
Porém, por volta do ano 1000, eles perceberam que todas aquelas florestasbetano entrar contabétulas que estavam derrubando para construir e aquecer suas casas não cresceriam novamente - especialmente porque suas ovelhas também pastavam na região, comendo folhas e sementes.
Sem as árvores, a camada superficial do solo começou a entrarbetano entrar contaerosão, tornando difícil, e muitas vezes impossível, cultivar ou utilizar a terra para o pasto.
Como estava longe do continente europeu para importar alimentos, a sociedade islandesa evoluiu para um estadobetano entrar contafome quase constante, tendo que se contentar com o que encontrasse pela frente para comer - e a usar esterco na ausênciabetano entrar contamadeira para se aquecer e cozinhar.
"Agora digamos que haja uma tempestadebetano entrar contameio a esse cenário", diz Byock.
"Uma baleia morre, explode devido aos gases que carrega, flutua até a costa e você se depara com toneladas e toneladasbetano entrar contacarne. O que você faz? Bom, primeiro, vocês se matam para ver quem vai ficar com a carne; depois você separa alguns barrisbetano entrar contasorobetano entrar contaleite e joga os pedaçosbetano entrar contabaleia dentro", acrescenta.
Os ancestrais dos islandeses eram fortes, mas não eram vikings. Eles eram agricultores famintos que lutavambetano entrar contatodas as maneiras para sobreviver.
Embora os islandeses não comam mais baleias encalhadas (hvalreki), esse conceitobetano entrar contaalimentação deu origem ao hákarl, uma versão mais leve da arraia que eu comibetano entrar contaAkureyri.
A carne do tubarão da Groenlândia, por exemplo, é tóxica para o consumo humano. A alta concentraçãobetano entrar contaureia pode ter efeitos nocivos na pele, nos olhos e no sistema respiratório. Mas quando a carne é deixada apodrecendo por um tempo - sejabetano entrar contaum buraco na areia oubetano entrar contarecipientes plásticos (como é feito hojebetano entrar contadia) - se torna uma valiosa fontebetano entrar contaproteína.
As arraias e outras espéciesbetano entrar contatubarões também são tóxicas, mas igualmente comestíveis quando fermentadas ou apodrecidas. E, como já estão podres, ficam muito bem conservadas.
Assim, durante séculos, essa comidabetano entrar contasabor desagradável foi a diferença entre a vida e a morte na região. A capacidade dos islandesesbetano entrar contalidar com esse gosto horrível foi vital para a existência e eventual sucesso do país, assim como a habilidade dos vikings para lutar e enfrentar obstáculos relacionados às expedições, principalmente na parte continental da Escandinávia.
Com uma médiabetano entrar contadois milhõesbetano entrar contaturistas por ano, o país viubetano entrar contaalimentação mudar nas últimas três décadas. Hambúrgueres, pizzas e outras massas passaram a ganhar mais espaço nos cardápios locais.
No entanto, a Islândia ainda é uma nação pequena - tem aproximadamente 330 mil habitantes - e suas tradições não são apenas atrações turísticas: simbolizam a forma como os islandeses se conectam entre si e com o passado escandinavo.
No Natal e no Þorri - mês do antigo calendário islandês que coincide com o fimbetano entrar contajaneiro e iníciobetano entrar contafevereiro - são servidos tradicionalmente banquetes com as iguarias típicas. Alémbetano entrar contapeixe podre, o menu inclui testículobetano entrar contacarneiro (súrsaðir hrútspungar), cabeçabetano entrar contaovelha cozida (svið), carnebetano entrar contacordeiro defumada (hangikjöt), barbatanabetano entrar contafoca (seishreifar) e gordurabetano entrar contabaleia curadabetano entrar contaleite azedo (súr hvalur).
Você pode encontrar fontes termais, como a famosa Lagoa Azul, ou belezas naturais, como as paisagensbetano entrar contagelo que cobrem o interior da ilha,betano entrar contavários lugares. Mas desconheço qualquer outro país cuja história, evolução e sobrevivência estejam tão intimamente ligadas e representadas embetano entrar contacomida.
E, para ser honesto, a cabeçabetano entrar contacordeiro é muito boa.
betano entrar conta Leia a versão original desta reportagem betano entrar conta (em inglês) no site BBC Travel betano entrar conta .