Por que as pessoas acreditam nas próprias mentiras?:

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O que distingue todas estas pessoas não são apenas as mentiras que elas contaram aos outros — mas as mentiras que devem ter contado a si mesmas.
Todas elas acreditavam que suas ações eram,alguma forma, justificáveis e, contra todos os prognósticos, nunca seriam descobertas. Por diversas vezes, pareciam negar a realidade — e arrastaram outras pessoas para seus golpes.
Você pode acreditar que este tipocomportamento é um fenômeno relativamente raro e restrito a algumas situações extremas. Mas enganar a si próprio é algo incrivelmente comum e pode ter evoluído para oferecer alguns benefícios pessoais.
Nós mentimos para nós mesmos para proteger a nossa autoimagem, o que nos permite agirforma imoral, mantendo a consciência limpa. Segundo as últimas pesquisas, enganar a si próprio pode ter evoluído para nos ajudar a convencer os outros. Afinal, se começarmos a acreditar nas nossas próprias mentiras, fica muito mais fácil fazer com que outras pessoas também acreditem.
Estas pesquisas podem explicar comportamentos questionáveismuitos setores da vida — muito além dos golpes que chegaram às manchetes nos últimos anos.
Compreendendo as diferentes razões que fazem com que as pessoas enganem a si mesmas, podemos tentar identificar quando isso está influenciando nossas decisões e evitar que essas ilusões nos desorientem.
Proteção do ego
Qualquer psicólogo dirá que o estudo científico do atoenganar a si próprio é uma dorcabeça.
Você não pode simplesmente perguntar a alguém se está enganando a si mesmo, uma vez que isso acontece abaixo do nívelconsciência. Por isso, os experimentos muitas vezes são bastante complicados.
Vamos começar com a pesquisaZoë Chance, professoramarketing da UniversidadeYale, nos Estados Unidos. Em um experimento realizado2011, ela demonstrou que muitas pessoas enganam a si próprias inconscientemente para alimentar seus egos.
Um grupoparticipantes foi orientado a fazer um testeQI, com uma lista das respostas impressas no final da página. Como se poderia esperar, essas pessoas tiveram resultados consideravelmente melhores que um grupocontrole que não teve acesso ao gabarito.
Mas, aparentemente, eles não reconheceram o quanto haviam dependido da "cola" — já que previram que se sairiam igualmente bemum segundo teste com outras cem questões, sem o gabarito.
De alguma forma, eles haviam enganado a si próprios, pensando que sabiam as soluções dos problemas sem precisarajuda.
Para confirmar esta conclusão, Chance repetiu o experimento com um novo grupoparticipantes. Mas, desta vez, eles receberiam uma recompensa financeira por prever com precisão seus resultados no segundo teste.
O excessoconfiança sofreria então uma penalidade. E, se os participantes estivessem conscientes do seu comportamento, poderia se esperar que este incentivo reduzisseautoconfiança.
Mas, na verdade, o incentivo financeiro teve pouca influência para reduzir a autoconfiança exagerada dos participantes.
Mas ainda assim eles enganaram a si próprios, achando que eram mais inteligentes do que na realidade, mesmo sabendo que perderiam dinheiro.
Isso indica que as crenças eram verdadeiras, profundamente enraizadas e surpreendentemente fortes.
Não é difícil observar como isso pode ser aplicado na vida real. Um cientista pode acreditar que seus resultados são reais, apesarusar dados fraudulentos; um aluno pode acreditar que fez jus àvagauma universidadeprestígio, mesmo fraudando um exame.

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Sinceridade moral
Enganar a si mesmo para melhorar a autoimagem vem sendo observado agoramuitos outros contextos.
Uri Gneezy, professoreconomia da Universidade da CalifórniaSan Diego, nos Estados Unidos, demonstrou recentemente que enganar a si próprio pode ajudar a justificar possíveis conflitosinteresse no trabalho.
Em um estudo2020, Gneezy pediu aos participantes que desempenhassem o papelconsultoresinvestimentos ouclientes. Os consultores receberam duas oportunidades diferentes para que fossem analisadas — cada uma delas com diferentes riscos e benefícios. Eles também foram informados que receberiam uma comissão se o cliente optasse por um dos dois investimentos.
Em um conjuntotestes, os consultores foram informados desta possível recompensa logo no começo do experimento, antes que começassem a estudar as diferentes opções. Embora aparentemente estivessem escolhendo a melhor opção para o cliente, eles ficaram muito mais dispostos a fazer a escolha mais favorável para eles próprios.
Mas, nos demais testes, os consultores só foram informados sobre esta possível recompensa depoisterem tido algum tempo para ponderar os prós e os contrascada opção. Desta vez, poucos decidiram deixar que a recompensa influenciassedecisão. Eles permaneceram fiéis ao seu objetivooferecer o melhor conselho para o cliente.
Para Gneezy, o fatoque o conhecimento dos benefícios pessoais influenciou apenas a decisão dos participantes no primeiro cenário indica que eles enganaram a si própriosforma inconsciente, alterando a forma como calculavam os riscos e benefícios sem que tivessem consciência da orientação. Eles acreditavam que ainda estavam agindo no interesse do cliente.
No segundo cenário, seria necessária uma total mudançaraciocínio, o que teria sido mais difíciljustificar para eles próprios.
"Eles simplesmente não conseguiriam se convencerque estavam agindoforma ética", afirma Gneezy.
Portanto, enganar a si próprio é uma formaproteger o sensomoralidade, segundo ele.
"Significa que podemos continuar nos considerando uma boa pessoa" — mesmo se nossas ações indicarem o contrário.
Esta formaenganar a si próprio pode ser obviamente mais relevante para os consultores financeiros, mas Gneezy acredita que pode também ser importante para o setorassistência médica privada.
Apesarter boas intenções, o médico pode decidir inconscientemente que o tratamento mais caro seria melhor para o paciente — sem ao menos reconhecer que está enganando a si próprio.
Convencer a nós mesmos e aos demais
Talvez a consequência mais surpreendenteenganar a si próprio esteja relacionada com as conversas com os demais.
Segundo esta teoria, quando enganamos a nós mesmos, ficamos mais confiantes no que estamos dizendo, o que nos torna mais convincentes.
Se você estiver tentando vender um produto duvidoso, por exemplo, o defenderá melhor se realmente acreditar que é uma barganhaalta qualidade — mesmo se as evidências indicarem o contrário.
Esta hipótese foi proposta pela primeira vez décadas atrás, e um estudo recentePeter Schwardmann, professoreconomia comportamental da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, oferece fortes evidências a favor da ideia.
Como no estudoChance, os primeiros experimentosSchwardmann começaram com um testeQI. Os participantes não receberam os resultados, mas, depois do término do primeiro teste, precisaram avaliarforma privada como achavam que haviam se saído.
Depois, fizeram um testepersuasão: tiveram que ficar perante um júriempregadores fictícios e convencê-lossua destreza intelectual — com uma possível recompensa15 euros (cercaR$ 78) se os juízes acreditassem que eles estavam entre os mais inteligentes do grupo.
Algumas pessoas foram informadas sobre a tarefapersuasão antesavaliar a confiança no seu desempenho, enquanto outras foram informadas posteriormente. E, conforme a hipótese, Schwardmann concluiu que isso alterou a avaliação das suas capacidades.
O conhecimento anteriorque eles teriam que convencer os demais resultouum excesso maiorconfiança nas suas capacidades,comparação com os que não haviam sido informados. A necessidadepersuadir outras pessoas os levou a pensar que eram mais inteligentes do que na realidade.
Schwardmann descreve isso como um tipo"reflexo".
E é importante ressaltar que os experimentos demonstraram que mentir para si próprio valeu a pena. A confiança excessiva sem fundamento realmente aumentou a capacidade das pessoas convencerem os empregadores fictícios.

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Escolher lados
Schwardmann observou agora um processo similartorneiosdebate.
Nestes eventos, os participantes recebem um tema e um pontovista aleatório para argumentar. Antes, eles têm 15 minutos para preparar seus argumentos. E, durante o debate, são julgados pela formaapresentação dadefesa.
Schwardmann analisou as crenças pessoais dos participantes sobre os temas antesreceberem qual seria seu posicionamento, depois que começaram a formular seus argumentos e depois do debate propriamente dito.
Em conformidade com a ideiaque enganar a si próprio evoluiu para nos ajudar a convencer os demais, ele concluiu que as opiniões pessoais das pessoas foram substancialmente alteradas depois que elas souberam qual lado do debate precisariam defender.
"Suas crenças particulares migraram para o lado que eles haviam recebido apenas 15 minutos antes, para se alinhar com seus objetivospersuasão", afirma Schwardmann.
Depois do debate, os participantes também tiveram a oportunidadedestinar pequenas quantiasdinheiro para caridade, selecionando a partiruma longa listapossíveis organizações.
Schwardmann concluiu que eles ficaram muito mais dispostos a escolher organizações alinhadas com o posicionamento dos seus argumentos, mesmo tendo sido escolhido inicialmenteforma aleatória.
Muitas das nossas opiniões podem ter sido formadas desta maneira. Na política, pode acontecerum apoiador a quem se solicita que defenda um ponto específico realmente chegue a se convencerque esta é a única formaabordar aquele ponto — não porque tenha apurado cuidadosamente os fatos, mas simplesmente porque foi pedido a ele que preparasse o argumento.
Na verdade, Schwardmann suspeita que este processo pode estar por trásgrande parte da polarização política que vemos hojedia.
Delíriosgrandeza
De todas essas formas, o nosso cérebro pode nos levar a acreditarcoisas que não são verdadeiras. Enganar a nós mesmos nos permite inflar nossa opinião sobre nossas próprias capacidades,forma que acreditemos que somos mais inteligentes do que todos à nossa volta.
Isso significa que nós desprezamos as repercussões das nossas ações para outras pessoas,forma que acreditamos estar geralmente agindoacordo com a moral.
E, ao nos enganarmos sobre a veracidade das nossas crenças, demonstramos maior convicção nas nossas opiniões — o que, porvez, nos ajuda a convencer os demais.
Nós nunca saberemos o que realmente passou pela menteHolmes, Sorokin ou Hayut eoutros autoresfraudes, mas é fácil especular como alguns destes mecanismos podem ter operado.
Estes golpistas pelo menos parecem ter tido opiniões anormalmente positivas sobre suas próprias capacidades e seu direitoconseguir o que quisessem — e se eximiram com todo prazer das possíveis implicações éticas do que estavam fazendo.
Holmes,particular, parece ter acreditado no seu produto e tentou justificar o usodados enganosos. Apesartodas as evidências indicarem o contrário, ela ainda declarou durante o julgamento que "as grandes companhiasdispositivos médicos, como a Siemens, poderiam facilmente reproduzir o que nós fizemos".
Hayut, porvez, ainda afirma que é "o maior dos cavalheiros" e que não fez nadaerrado.
Schwardmann concorda que talvez seja possível que alguns golpistas vivammentiras incrivelmente elaboradas. Ele indica que alguns até demonstram uma espécieraiva justificada quando são questionados, o que pode ser difícilfingir.
"Talvez seja um sinalque eles realmente compraram suas próprias mentiras", afirma.
Especificamente, o desejostatus social parece aumentar a tendência das pessoasenganarem a si próprias. Quando elas se sentem ameaçadas pelos demais, por exemplo, elas ficam mais propensas a inflarpercepção das próprias capacidades. Talvez, quanto maiores os riscos, maiores sejam as mentiras que conseguimos dizer a nós mesmos.
Na maior parte das vezes, a autoilusão pode ser benéfica, pois permite que nos sintamos um pouco mais confiantesnós mesmos que o justificável. Mas sempre vale a pena conhecer estas tendências, especialmente se estivermos tomando decisões que podem mudar a nossa vida.
Você não quer se enganar sobre os riscosfazer economias no seu trabalho atual, nem sobre a possibilidadesucessouma mudança arriscadacarreira, por exemplo.
Uma boa formacortar todos os tiposvieses é "analisar o oposto" das suas conclusões. Esta técnica é exatamente o que parece: você tenta encontrar todas as razões pelas quais acrença pode estar errada, como se estivesse interrogando a si próprio.
Diversos estudos mostraram que isso nos leva a pensarforma mais analítica sobre uma situação. Em testeslaboratório, este raciocínio sistemático é comprovadamente muito mais eficaz que simplesmente dizer às pessoas que "pensem racionalmente".
É claro que isso só é possível se você conseguir aceitar as suas falhas. O primeiro passo é reconhecer o problema. Mas talvez você ache que não precisa deste conselho — enganar a si próprio é algo que só aflige os demais, pois você é totalmente honesto consigo mesmo. Neste caso, esta pode ser amaior ilusãotodas.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife .
-Este texto foi originalmente publicadohttp://vesser.net/vert-cap-61757413

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