A cidade que transformou escadas rolantesmeiotransporte público:
É nesse horário que a escada rolante mistura trabalhadoresescritório terminando a longa jornada do dia com a turma que se prepara para a noitada.
Colina acima
Cidades com colinas sempre encontraram maneiras criativastransportar seus cidadãos por terrenos mais acidentados.
São Francisco, por exemplo, tem os bondes. Lyon e Barcelona, os funiculares. E o RioJaneiro acena com os teleféricos. Mas Hong Kong foi a primeira a usar a escada rolante como transporte.
Quando o território se tornou uma colônia britânica,1842, o então governador-geral, Henry Pottinger, idealizou uma cidade grandiosa, localizadauma parte mais plana da ilha, e com canais ao estiloVeneza para transportar pessoas e produtos.
Os planos, porém, foram frustrados pelos militaresSua Majestade, que ocuparam uma larga extensão das terras baixas e forçaram a construção da cidade entre as colinas íngremes do lado ocidental.
Os ricosHong Kong se habituaram a construir mansões e casarões nos Mid-Levels, um cinturãoterra plana no Monte Vitória, a montanha553 metros que domina a ilha.
Isso começou a mudar apenas na década70, quando um boom na construção civil se aproveitouuma legislaçãoplanejamento urbano leniente e cobriu as encostas com arranha-céus.
Em meados da década seguinte, a área estava superlotada, com uma população45 mil pessoas prevista para dobrar nos 20 anos seguintes. Diariamente, o esgotocanos sobrecarregados vazava para as galerias pluviais. As ruas do distrito estavam entupidascarros, táxis e ônibus.
A solução apresentada pelo governo da ilha foi idealizar uma redeescadas rolantes e esteiras que poderiam carregar os pedestres ladeira acima.
"Traçamos os planos1984, e a ideia era que as pessoas usassem o sistemavezdirigir ou pegar táxis para ir ao trabalho, o que reduziria os congestionamentos", explica o arquiteto Remo Riva, diretor da P&T, empresaarquitetura e urbanismo que prestou consultoria para Hong Kong.
O projeto-piloto aprovado envolvia 20 escadas rolantes e três esteiras, que se espalhariam por 800 metrosextensão e subiriam 150 metros. De manhã, elas funcionariam no sentidodescida para a hora do rush - e passariam a subir a partir10h30.
Controvérsias
À época, lojistas ao longo da rota odiaram o plano e pediram indenizações pela perdapotenciais clientes.
O jornal South China Post fez um trocadilho com a famosa canção do gruporock britânico Led Zeppelin e descreveu o projeto como uma "escadaria para o inferno".
Outro apelido jocoso para o sistema foi "lagarta hightech",alusão aos atrasos na construção. E, para alguns moradores, a inauguração da escada rolante,15outubro1993, foi sinônimoum eterno zumbido à noite.
A obra custou US$ 28 milhões (R$ 89 milhões), estourandomaisseis vezes o orçamento original.
Mas hordaspassageiros quase provocaram tumultos no primeiro diaoperação. E mais20 mil pessoas passaram a usar o serviço por dia.
O problema é que logo ficou claro o efeito absolutamente insignificante do sistema nos engarrafamentos.
"Talvez tenha um pouco irrealista esperar que a escada rolante reduzisse substancialmente o fluxo nas ruas", disse, durante uma audiência na Câmara Legislativa, o então secretárioTransportesHong Kong, Haider Barma.
Mas ela tornou a rotinamuita gente mais conveniente. Mesmo judeus ortodoxos se dirigindo à sinagogaRobinson Road receberam autorização para usá-la aos sábados - o dia sagradoque não é permitido dirigir,acordo com a Lei Judaica.
E o sistema foi bastante bem-sucedidoum aspecto: valorizou o mercado imobiliário. Bairrosseu percurso hoje são alguns dos mais carosHong Kong.
Se motoristas não mudaram seus hábitos, usuários do transporte coletivo adotaram a escada rolante, que virou também uma atração local e internacional, o que alavancou a transformaçãoMid Levelsuma região boêmia.
Isso ajuda a explicar o porquê de, apesar da Escada Rolante Central-Mid Levels, autoridadesHong Kong aprovarem a construçãoum novo sistemaCentre Street.
Quando esse link finalmente ficou pronto,2013, os preçosaluguéis comerciais na região dobraram. E embora a escada rolante tenha apenas 200 metrosextensão, mas27 mil pessoas a usam diariamente para "escalar" uma das ruas mais íngremes da ilha.
Porém, quando outro projeto foi proposto para Pound Lane, moradores resistiram à ideia, temendo que a construção fosse trazer multidões e arranha-céus para uma área ainda marcada por estreitas ruas para pedestres.
E há uma má notícia para as dezenasmilharespessoas que usam diariamente a Central-Mid Levels: elas terãobuscar uma alternativa no ano que vem, quando o sistema passará por uma rigorosa manutenção para a substituiçãopeças desgastadas por 25 anosuso diário.
- Leia a versão original dessa reportagem (em inglês) no site BBC Autos .