'Geração do diploma' lota faculdades, mas decepciona empresários:blaze l

Estudante (Foto Reuters)

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Númeroblaze linstituiçõesblaze lensino superior mais que dobrou desde 2001

A decepção do mercado com o que já está sendo chamadoblaze l"geração do diploma" é confirmada por especialistas, organizações empresariais e consultoresblaze lrecursos humanos.

"Os empresários não querem canudo. Querem capacidadeblaze ldar respostas eblaze lapreender coisas novas. E quando testam isso nos candidatos, rejeitam a maioria", diz o sociólogo e especialistablaze lrelações do trabalho da Faculdadeblaze lEconomia e Administração da USP, José Pastore.

Entre empresários, já são lugar-comum relatosblaze ladministradores recém-formados que não sabem escrever um relatório ou fazer um orçamento, arquitetos que não conseguem resolver equações simples ou estagiários que ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldadesblaze lse adaptar às regrasblaze lambientes corporativos.

"Cadastramos e avaliamos cercablaze l770 mil jovens e ainda assim não conseguimos encontrar candidatos suficientes com perfis adequados para preencher todas as nossas 5 mil vagas", diz Maíra Habimorad, vice-presidente do DMRH, grupo do qual faz parte a Companhiablaze lTalentos, uma empresablaze lrecrutamento. "Surpreendentemente, terminanos com vagasblaze laberto."

Outro exemploblaze ldescompasso entre as necessidades do mercado e os predicadosblaze lquem consegue um diploma no Brasil é um estudo feito pelo grupoblaze lRecursos Humanos Manpower. De 38 países pesquisados, o Brasil é o segundo mercadoblaze lque as empresas têm mais dificuldade para encontrar talentos, atrás apenas do Japão.

É claro que,blaze lparte, isso se deve ao aquecimento do mercadoblaze ltrabalho brasileiro. Apesar da desaceleração da economia, os níveisblaze ldesemprego já caíram para baixo dos 6% e têm quebrado sucessivos recordesblaze lbaixa.

Linhablaze lmontagem da Ford (Foto BBC)
Legenda da foto, Produtividade da industria aumentou apenas 1,1% na última década, segundo a CNI

Mas segundo um estudo divulgado pelo Institutoblaze lPesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgado nesta semana, os brasileiros com maisblaze l11 anosblaze lestudo formariam 50% desse contingenteblaze ldesempregados.

"Mesmo com essa expansão do ensino e maior acesso ao curso superior, os trabalhadores brasileiros não estão conseguindo oferecer o conhecimento específico que as boas posições requerem", explica Márcia Almstrom, do grupo Manpower.

Causas

Especialistas consultados pela BBC Brasil apontam três causas principais para a decepção com a "geração do diploma".

A principal delas estaria relacionada a qualidade do ensino e habilidades dos alunos que se formamblaze lalgumas faculdades e universidades do país.

Os númerosblaze lnovos estabelecimentos do tipo criadas nos últimos anos mostra como os empresários consideram esse setor promissor. Em 2000, o Brasil tinha pouco maisblaze lmil instituiçõesblaze lensino superior. Hoje são 2.416, sendo 2.112 particulares.

"Ocorre que a explosãoblaze lescolas superiores não foi acompanhada pela melhoria da qualidade. A grande maioria das novas faculdades é ruim", diz Pastore.

Tristan McCowan, professorblaze leducação e desenvolvimento da Universidadeblaze lLondres, concorda. Há maisblaze luma década, McCowan estuda o sistema educacional brasileiro e, para ele, alguns desses cursos universitários talvez nem pudessem ser classificados como tal.

"São mais uma extensão do ensino fundamental", diz McCowan. "E o problema é que trazem muito pouco para a sociedade: não aumentam a capacidadeblaze linovação da economia, não impulsionamblaze lprodutividade e acabam ajudando a perpetuar uma situaçãoblaze ldesigualdade, já que continua a ser vedado à populaçãoblaze lbaixa renda o acesso a cursosblaze lmaior prestígio e qualidade."

Para se ter a medida do desafio que o Brasil têm pela frente para expandir a qualidadeblaze lseu ensino superior, basta lembrar que o índiceblaze lanafalbetismo funcional entre universitários brasileiros chega a 38%, segundo o Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope.

Estudantes (Foto BBC)
Legenda da foto, Especialistas questionam qualidadeblaze lnovas faculdades no Brasil

Na prática, isso significa que quatroblaze lcada dez universitários no país até sabem ler textos simples, mas são incapazesblaze linterpretar e associar informações. Também não conseguem analisar tabelas, mapas e gráficos ou mesmo fazer contas um pouco mais complexas.

De 2001 a 2011, a porcentagemblaze luniversitários plenamente alfabetizados caiu 14 pontos -blaze l76%,blaze l2001, para 62%,blaze l2011. "E os resultados das próximas pesquisas devem confirmar essa tendênciablaze lqueda", prevê Ana Lúcia Lima, diretora-executiva do IPM.

Segundo Lima, tal fenômenoblaze lparte reflete o fato da expansão do ensino superior no Brasil ser um processo relativamente recente e estar levando para bancos universitários jovens que não só tiveram um ensino básicoblaze lmá qualidade como também viveramblaze lum ambiente familiar que contribuiu pouco parablaze laprendizagem.

"Além disso, muitas instituiçõesblaze lensino superior privadas acabaram adotando exigências mais baixas para o ingresso e a aprovaçãoblaze lseus cursos", diz ela. "E como consequência, acabamos criando uma escolaridade no papel que não corresponde ao nível realblaze lescolaridade dos brasileiros."

Postura e experiência

A segunda razão apontada para a decepção com a geraçãoblaze ldiplomados estaria ligada a “problemasblaze lpostura” e faltablaze lexperiênciablaze lparte dos profissionais no mercado.

"Muitos jovens têm vivência acadêmica, mas não conseguem se posicionarblaze luma empresa, respeitar diferenças, lidar com hierarquia ou com uma figurablaze lautoridade", diz Marcus Soares, professor do Insper especialistablaze lgestãoblaze lpessoas.

"Entre os que se formamblaze luniversidades mais renomadas também há certa ansiedade para conseguir um posto que faça jus a seu diploma. Às vezes o estagiário entra na empresa já querendo ser diretor."

As empresas, assim, estão tendoblaze lse adaptar ao desafioblaze llidar com as expectativas e o perfil dos novos profissionais do mercado – eblaze lum contextoblaze lbaixo desemprego, reter bons quadros pode ser complicado.

Para Marcelo Cuellar, da consultoriablaze lrecursos humanos Michael Page, a faltablaze lexperiência é,blaze lcerta forma natural,blaze lfunção do recente cicloblaze lexpansão econômica brasileira.

"Tivemos um boom econômico após um períodoblaze lrelativa estagnação,blaze lque não havia tanta demanda por certos tiposblaze ltrabalhos. Nesse contexto, a escassezblaze lprofissionais experientesblaze ldeterminadas áreas é um problema que não pode ser resolvidoblaze luma hora para outra", diz Cuellar.

Nos últimos anos, muitos engenheiros acabaram trabalhando no setor financeiro, por exemplo.

"Não dá para esperar que, agora, seja fácil encontrar engenheiros com dez ou quinze anosblaze lexperiência emblaze lárea – e éblaze lparte dessa escassez que vem a percepção dos empresáriosblaze lque ‘não tem ninguém bom’ no mercado", acredita o consultor.

'Tradição bacharelesca'

Por fim, a terceira razão apresentada por especialistas para explicar a decepção com a "geração do diploma" estaria ligada a um desalinhamento entre o foco dos cursos mais procurados e as necessidades do mercado.

De um lado, há quem critique o fatoblaze lque a maioria dos estudantes brasileiros tende a seguir carreiras das ciências humanas ou ciências sociais - como administração, direito ou pedagogia - enquanto a proporção dos que estudam ciências exatas é pequena se comparada a países asiáticos ou alguns europeus.

"O Brasil precisablaze lmais engenheiros, matemáticos, químicos ou especialistasblaze lbioquímica, por exemplo, e os esforços para ampliar o númeroblaze lespecialistas nessas áreas ainda são insuficientes", diz o diretor-executivo da Câmara Americanablaze lComércio (Amcham), Gabriel Rico.

Segundo Rico, as consequências dessas deficiências são claras: "Em 2011 o país conseguiu atrair importantes centrosblaze ldesenvolvimento e pesquisasblaze lempresas como a GE a IBM e a Boeing", ele exemplifica. "Mas se não há profissionais para impulsionar esses projetos a tendência é que eles percam relevância dentro das empresas."

Do outro lado, também há críticas ao que alguns vêem como um excessoblaze lvalorização do ensino superiorblaze ldetrimento das carreirasblaze lnível técnico.

"É bastante disseminada no Brasil a ideiablaze lque cargosblaze lgestão pagam bem e cargos técnicos pagam mal. Mas isso está mudando – até porque a demanda por profissionais da área técnica tem impulsionado os seus salários", diz o consultor.

Rafael Lucchesi concorda. "Temos uma tradição cultural baicharelesca, que está sendo vencida aos poucos”, diz o diretor da CNI – que também é o diretor-geral do Senai (Serviço Nacional da Indústria, que oferece cursos técnicos).

Segundo Lucchesi, hoje um operadorblaze linstalação elétrica e um técnico petroquímico chegam a ganhar R$ 8,3 mil por mês. Da mesma forma, um técnicoblaze lmineração com dez anosblaze lcarreira poderia ter um salárioblaze lR$ 9,6 mil - mais do que ganham muitos profissionais com ensino superior.

"Por isso, já há uma procura maior por essas formações, principalmente por parteblaze ljovens da classe C, mas é preciso mais investimentos para suprir as necessidades do país nessa área", acredita.