Tumulto marca abertura da Copa das Confederações:

ProtestoBrasília | Foto: Agência Brasil
Legenda da foto, Polícia Militar atira spraypimenta contra manifestanteBrasília
  • Author, João Fellet
  • Role, Da BBC Brasil,Brasília

Um tumulto causado após policiais lançarem bombasgás lacrimogêneo e dispararem balasborracha durante um protestofrente ao estádio Mané Garrincha marcou a inauguração da Copa das Confederações neste sábado,Brasília.

Ao menos 39 pessoas se feriram e 19 foram detidas quando, por volta das 14h, policiais dispersaram um grupo com cercamil manifestantes, que se aglomeravafrente a duas das seis entradas da arena. Torcedores e turistas estrangeiros que tentavam ingressar no estádio por ali ficaram no meio do fogo cruzado.

O grupo protestava contra as obras da Copa do Mundo eapoio ao movimento que busca a redução nas tarifastransporteSão Paulo e outras capitais. Eram emmaioria estudantes, convocados ao evento pelo Facebook.

A polícia diz ter agido para impedir os manifestantesentrarem no estádio e que a ação ocorreuresposta a agressões.Turistas estrangeiros também foram afetados durante o tumulto. Uma família japonesa que era entrevistada pela BBC Brasil viveu momentospânico.

Também participaram do protesto integrantes do Comitê Popular da Copa e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que na sexta-feira haviam fechado a mesma viaato contra a realização do Mundial.

Barreira policial

Por volta das 11h, a cinco horas da partida entre Brasil e Japão, um grupo com cercamil manifestantes furou uma barreira policial no Eixo Monumental, a mesma via do estádio, e alcançou a lateral do Mané Garrincha. O protesto transcorria pacificamente, e o grupo gritava "Copa do Mundo/eu abro mão/pelo dinheiro para saúde e educação."

Muitos portavam cartazes que diziam "Saímos do Facebook". As irmãs Nuielle e Noeme Medeiros,20 e 18 anos, diziam protestar principalmenteapoio ao movimento que busca a redução das tarifastransporteSão Paulo.

"Mas também estamos aqui para cobrar que o dinheiro público beneficie o povo e não seja desperdiçadoestádios como este", disse Noeme.

Uma das arenas mais caras da Copa, o Mané Garrincha já custou ao menos R$ 1,2 bilhão, segundo o TribunalContas do Distrito Federal, e foi erguido inteiramente com verbas públicas.

Enquanto o protesto se desenrolava, milharestorcedores ingressavam pelos portões tranquilamente. Muitos pareciam nem notar os manifestantes, cujos gritos eram abafados pela música eletrônica ecoada por alto-falantes nas entradas.

A polícia tentava cercá-los com a tropachoque, a cavalaria, um blindado e ao menos 40 carros. Mesmo assim, o grupo – que, a exemplo dos manifestantesSão Paulo, pedia aos gritos que a polícia agisse "sem violência" – conseguiu driblar o cerco e se posicionar dianteum portão.

Confronto

Torcedores enfileirados para entrar no estádio tiveramrecuar e buscar outra entrada. "A causa deles é justa, mas já tiveram muito tempo para protestar. Agora não é hora", disse o ourives José Rodrigues, que veioFormosa (MG) para o jogo.

A estudantesociologia da UniversidadeBrasília Juliana Emiliana,20 anos, tentava chamar a atenção dos torcedores. "Vocês estão sendo roubados, vocês são uma vergonha para o país". Outros manifestantes gritavamcoro para os torcedores: "Ser brasileiro não é só vestir camisa".

A maioria ignorava os gritos, mas alguns se irritaram. Um homem tentava instigar os policiais a agir: "Estão esperando o que para sentar borracha neles?"

Outro, com a camisa do Brasil, comentouvoz alta entre outros torcedores: "É um bandovagabundos, desocupados." Um jovem manifestante ouviu a fala e retrucou: "Você nunca precisou entrar num hospital público, seu playboy."

O rapaz, um estudante com 20 e poucos anos, caminhou na direção do ofensor, mas outros torcedores o intimidaram. "Fica aí na tua, 'mermão'", disse-lhe um homem musculoso. O jovem desistiu.

Ação

Os manifestantes passaram cercaduas horas se deslocandoum portão ao outro. Por volta das 14h, a tropachoque lançou as primeiras bombasgás lacrimogêneo para dispersar a multidão. A fumaça gerada por dezenasexplosivos se espalhou por um amplo raiovolta do estádio, provocando gritaria e corre-corre.

Centenastorcedores se viram no meio do fogo cruzado. Famílias com crianças pequenas fugiam das bombas e da cavalaria. Alguns poucos manifestantes respondiam atirando pedras, paus e garrafas d'água.

Meia hora depois, cerca200 pessoas se reagruparam e sentaram no chãofrente ao estádio. Desta vez, não bloqueavam nenhuma das entradas nem interagiam com torcedores. A polícia, porém, atirou novas bombasgás lacrimogêneo na direção do grupo e passou a perseguir manifestantesvolta do estádio.

Policiais também passaram a atirar balasborracha e a usar spraypimenta contra os manifestantes.

Pânico

Após a dispersão, um turista japonês caminhava rumo ao estádio comesposa e o filho, um bebêcolo, enquanto era entrevistado pela BBC Brasil. A entrevista ocorria a 300 metrosum pequeno grupomanifestantes, até que a polícia lançou nova ofensiva.

A família fugiu apavorada das bombas e das balasborracha, enquanto viaturas policiais seguiam pequenos grupos pelo gramado.

Na fuga, a japonesa caiu. Alertadaque havia turistas no fogo cruzado, a polícia resgatou a família e a pôs numa viatura. O grupo desistiuentrar no jogo e voltou ao hotel.

Enquanto isso, helicópteros da polícia davam voos rasantes no entorno do estádio. O sitenotícias G1 publicou um vídeo mostrando dois manifestantes sendo atropelados pela polícia.

A estudantepublicidade Isadora Cristina RibeiroAlencar,18 anos, levou nove pontos após ser atingida perto da nuca por uma balaborracha.

Depois do jogo, cerca100 manifestantes foram para a 5ª DelegaciaPolíciaBrasília para exigir a soltura dos colegas. O grupo permanecia no local até as 20h30.

Em nota, o governo do Distrito Federal afirmou que a Polícia Militar "fez uso progressivo da força desde as primeiras horas da manifestação, garantindo atuação pacífica e o controle absoluto do movimento".

O governo disse que as ações buscavam evitar "a perturbação da ordem pública e qualquer tipoameaça à realização do jogo e ao público participante dessa grande festa para o Distrito Federal".

Problemasorganização

Mesmo alguns estrangeiros que escaparam do tumulto disseram ter enfrentado dificuldadesBrasília. "Ninguém fala inglês, é difícil comprar qualquer coisa", afirmou à BBC Brasil o turista japonês Ryo Nakahara, 31 anos.

"Caminhamos dois quilômetros desde a barreiraisolamento e não vimos um banheiro, uma barraca para comprar água", afirmou a costa-riquenha Shirley Campbell, que moraBrasília há quatro anos.

Ela se disse solidária aos manifestantes. "O Brasil é colocado com uma das economias mais importantes do mundo, mas não investe no que realmente interessa. Constrói este estádio, mas e a saúde e a educação?"

"Há muito trabalho a fazer no ano que falta para a Copa".