O Brasil é o país do futebol?:
- Author, Rogerio Wassermann
- Role, Da BBC BrasilLondres
Estádios cada vez mais vazios, audiência baixa na TV, clubes endividados, seleçãomá fase. Por outro lado, cotasTV epatrocínioalta, jogadoresalto nível mantidos ou repatriados e expectativaalta com a realização da Copa do Mundo e com a inauguraçãonovos e modernos estádios.
Este é o retrato do momento atual do esporte mais popular do mundo no chamado "País do Futebol". Mas será que o Brasil é realmente o País do Futebol? A BBC Brasil ouviu especialistas e coletou dados para tentar responder à pergunta e traçar os desafios que o esporte enfrenta para manter o título"paixão nacional".
Um dos principais problemas do futebol brasileiro é a crônica ausênciapúblico nos estádios, acentuada nos últimos anos. No ano passado, a médiapúblico do campeonato brasileiro da série A (a primeira divisão nacional) foi12.983 pagantes por jogo, 13% inferior à do ano anterior.
Chamado no passado"esporte das multidões", o futebol no Brasil já não consegue atrair o mesmo interesse dos torcedores. Segundo levantamento recente da consultoria Pluri, com dados2011, a médiapúblico do brasileirão foi apenas a 13ª do mundo, atráscampeonatos nacionaispaíses sem tradição no esporte, como Estados Unidos, Japão e China, e até mesmo dos campeonatos da segunda divisão da Inglaterra e da Alemanha.
Nos campeonatos regionais, a situação é ainda pior. Nas décadas60 e 70 eram comuns jogos dos campeonatos regionais que reuniam mais100 mil pessoas no estádio. Entre os 10 maiores públicos da história do futebol brasileiro, cinco foram registradosclássicos do campeonato carioca.
Mas o público vem caindo a cada ano. Um outro levantamento da Pluri indica que o público médio dos 25 principais campeonatos estaduais do país teve uma queda9% neste anorelação ao ano anterior.
O maior e mais rico campeonato estadual,São Paulo, teve uma médiapúblicoapenas 6.217 pagantes por jogo, levemente inferior à do campeonato mineiro, omaior público, com 6.451 pagantesmédia por jogo. Dos 25 campeonatos analisados, 11 tiveram média inferior a mil pagantes por jogo – os jogos do campeonato acriano foram vistosmédia por 245 torcedores por jogo.
Em um ranking dos cem clubes com maior médiapúblico no mundo, compilado pela Pluri, há apenas três equipes brasileiras -menor número que os quatro clubes da China ou os dez do México, por exemplo, e muito aquém dos 22 times da Alemanha e 20 da Inglaterra, países que dominam os rankingspúblico.
O Santa Cruz,Pernambuco, com médiapúblico36.916seu estádio, no Recife, é o clube brasileiro mais bem colocado no ranking, na 39ª posição, mesmo disputando a série C do campeonato brasileiro (quarta divisão). Os outros clubes brasileiros no top 100 são Corinthians (65ª posição no ranking, com médiapúblico29.424 ) e Bahia (100º, com média22.741).
Os líderes do ranking são o alemão Borussia Dortmund, com média80.552público e 100%ocupação do estádio, e o Manchester United, com público médio75.387 e 99%ocupação.
"Estádios catedrais"
"O Brasil não é nem nunca foi o país do futebol", afirma o jornalista esportivo Juca Kfouri. "A Inglaterra pode ser o país do futebol, com a reverência com que tratam o esporte e os jogadores, com estádios que parecem catedrais. Até a Argentina é mais país do futebol do que o Brasil", diz.
Ele comenta que a maioria das pesquisasopinião pública no Brasil indicam que cercaum quarto dos brasileiros não se interessa por futebol. "No Brasil, o maior contingente é o dos que não se interessam, depois vêm as torcidas do Flamengo e a do Corinthians. Na Argentina, primeiro vem a torcida do Boca Juniors, depois a do River Plate e só depois vêm os sem-time", diz.
Kfouri observa que a média histórica do campeonato brasileiro nunca foi superior a 15 ou 20 mil torcedores e que o público vem caindo por contaquestões como diversificaçãoopçõesentretenimento e o temorviolência nos estádios.
O consultorgestão esportiva Amir Somoggi também considera que o Brasil está longepoder ser chamadopaís do futebol. "Temos 145 milhõestorcedores, mas quantidade não significa qualidade", observa.
Segundo ele, o futebol é certamente o principal esporte do Brasil, sem rivais na capacidadeatingir um público tão grande quanto os cerca80% que dizem se informaralguma maneira sobre futebol na mídia. Mas ainda assim, os estádios continuam vazios e as audiências dos jogos,queda.
Somoggi vê um paradoxo na atual situação do futebol brasileiro – apesar da perdapúblico, os clubes nunca geraram tanta receita, principalmente com aumentocotaspatrocínio eTV. "Não há como indicar causa e efeito, como no caso do futebol europeu", comenta.
Para Fernando Ferreira, diretor da Pluri Consultoria, o futebol brasileiro sofre com os problemasgestão que afetam o esporte dentro e fora do campo. "O futebol brasileiro está perdendo público, com menos interesse sobre campeonatos e clubes e menos interesse sobre a seleção brasileira", observa. "O futebol no Brasil atrai hoje menos público que os rodeios", comenta.
Para ele, mais do que pessoas que não gostamfutebol, o Brasil tem um grande contingente"indiferentes", que apesargostar do esporte, não frequenta estádios ou não acompanha o futebolmaneira mais intensa. "Esse é o contingenteconsumidores que o futebol está perdendo".
Ferreira elenca uma sériefatores que ajudam a explicar o problema, como excessojogos com qualidade ruim, diversificação das oportunidadesentretenimento, concorrência da TV, violência nos estádios, popularização dos campeonatos europeus e, principalmente, o alto preço dos ingressos.
"Cobrar R$ 160 para um jogo entre Santos x Flamengo na primeira rodada do campeonato brasileiro é um escândalo. Estão cobrando o preço do showuma banda que talvez se apresente a cada cinco anos para um jogo inexpressivo. Isso deixa o torcedor decepcionado", afirma.
Uma comparação feita por ele com o preço médio dos ingressos para o futebolrelação à renda per capitacada país levou à conclusãoque o Brasil tem os ingressos mais caros do mundo. "Querem transformar o futebolnegócio, mas não querem adequar o produto. Cobram preçosEuropa, mas mantêm a bagunça do futebol brasileiro", comenta.
Pedro Daniel, consultorgestão esportiva da BDO Brazil, concorda com a avaliação do sintoma – estádios vazios -, mas considera que a procura pelo futebol não diminuiu, apenas vem migrando, cada vez mais, para a TV.
Ele cita como argumento o crescimento acentuado nas assinaturaspacotesfutebol na TV por assinatura, no chamado sistema pay-per-view. Os assinantes já ultrapassam 1 milhão no EstadoSão Paulo , mas ainda ficam abaixo10% do totalpessoas com acesso à TV fechada.
Um levantamento feito pela empresapesquisas esportivas Informídia indica que o espaço ocupado pelo futebol na TV brasileira vem aumentando nos últimos anos, passando19.739 horastransmissão e noticiário2007 para 28.901 no ano passado.
No entanto, apenas 1.588 horaspartidasfutebol foram transmitidas na TV aberta. O restante – 12.746 horas – foram transmitidas na TV fechada, com alcance mais reduzido.
Para muitos analistas, essas tendências, alémafastar o torcedor dos estádios, também tendem a elitizar o público do futebol, mesmo diante da TV.
Seleçãomá fase
O momento difícil do futebol brasileiro coincide, no campo esportivo, com a seleção brasileira empior posição da história no ranking da Fifa – 22º lugar, atrásseleçõesmuito menos tradição, como Suíça, Grécia, Gana, Costa do Marfim ou Bósnia.
A posição do Brasil no ranking é influenciada negativamente pela ausência do país nas eliminatórias para a Copa do Mundo, já que como país-sede tem lugar assegurado, mas ainda com essa ressalva, o desempenho da equipe vem decepcionando os torcedores.
Desde que o técnico Luís Felipe Scolari assumiu o time,novembro, a seleção fez sete partidas. Perdeu a primeira, contra a Inglaterra,fevereiro, empatou quatro e venceu apenas duas – contra a Bolívia,abril, e contra a França, no último domingo.
Além dos questionamentos técnicos, os especialistas apontam ainda um afastamento da seleçãorelação aos torcedores brasileiros.
"A seleção brasileira ainda gera as maiores audiências do futebol na TV, mas vem perdendo muito da ligação com o público", comenta Amir Somoggi. "Há vários fatores que contribuem para isso, mas é essencialmente um problemagestãoimagem. A CBF (Confederação BrasileiraFutebol) tem uma péssima imagem, com envolvimentovários escândalos. A seleção tem um técnico bronco, que maltrata jornalistas. São erros clarosgestãoimagem", diz.
Para ele, a CBF peca por não ter um plano claropromoção do esporte. "Vemos com frequência propagandas que tocam no tema da paixão do brasileiro pelo futebol, mas são todasempresas privadas,patrocinadores do futebol. Nada da CBF", diz.
Para Pedro Daniel, da BDO Brazil, um dos maiores desafios da CBF neste ano que antecede a Copa do Mundo será justamente recuperar o interesse dos torcedores na seleção. "Até o ano passado, a seleção jogava pouco no Brasil e enfrentava adversários pouco importantes. Isso afasta o público", observa.
Para Juca Kfouri, a perda do vínculo do torcedor brasileiro com a seleção foi resultadouma política deliberada da CBF para "internacionalizar" a seleção, com jogos fora do país e uma equipe composta por jogadoresequipes europeias, acostumados ao estilojogo e até ao frio local.
"Durante um tempo, nos últimos anos, o estádio do Arsenal,Londres, se tornou a ‘casa’ da seleção brasileira. Há uma perdavínculo óbvia, com jogadores que não jogam no Brasil", diz.
Ele comenta que hojedia os torcedores dos clubes brasileiros não têm mais a oportunidadever seus ídolos locais com a camisa da seleção. Ou, quando há jogadoresnívelseleção atuando no Brasil, o torcedor prefere até que ele não seja convocado para não atrapalhar o time.
A perdapopularidade da seleção brasileira pode ter um efeito financeiro negativo também. Segundo um levantamento da consultoria alemã PR Marketing, o Brasil tem apenas o quarto maior contrato para fornecimentouniformes para a equipe nacional, atrásFrança, Inglaterra e Alemanha, e com um valor apenas ligeiramente superior ao da Espanha, atual campeã mundial.
"O Brasil perdeu muito da exposição e do interesse com o futebol por conta dos maus resultados no campo e da má gestão fora dele", observa Peter Rohlmann, diretor da PR Marketing. Para ele, a Copa do Mundo é uma "janelaoportunidade" para mudar esse quadro. "É a chancemostrar ao mundo o futebol brasileiro elevantar a torcida local", diz.
A reportagem da BBC Brasil solicitou à CBF uma entrevista para comentar algumas das questões levantadas pelos especialistas, mas não obteve resposta após três semanastentativas.