O legado sangrentoRodrigo Duterte após guerra às drogas nas Filipinas:

Rodrigo Duterte posa para foto na cidadeDavao, no sul das Filipinas

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Rodrigo Duterte começouascensão na política na década1980

Mas recentemente ela recebeu a ofertauma sepultura diferente para Patricio — gratuita — como parteum programa da igreja local.

O programa apoia as famílias daqueles que foram mortos na guerra feroz contra as drogas que colocou as Filipinas nas manchetes globais nos últimos anos.

Patricio, um segurança47 anos, foi morto a tiros9julho2017.

Ele havia desaparecido no dia anterior. Um vizinho ouviu três tiros, mas não viu os assassinos. A polícia diz que o corpoPatricio foi encontrado ao ladouma arma e um bilhete que dizia: "traficante e estuprador".

O padre católico Flavie VillanuevaManila

Crédito, Reuters/Eloisa Lopez

Legenda da foto, Padre Villanueva, visto aqui na exumaçãouma vítima da guerra às drogas, tenta ajudar as famílias dos mortos

Mas a famíliaPatricio nega que isso seja verdade e afirma que ele nunca vendeu ou usou drogas. Gemma diz que ele se envolveuuma disputaterras nas semanas anteriores àmorte.

Gemma diz que, desde que Patricio foi morto, ela sofre para conseguir pagar o aluguel e sustentar seus três filhos. Ela trabalha como faxineira e também conta com as doaçõescomidasua igreja: "Estou realmente sofrendo. Não sei o que fazer pelos meus filhos".

Naquela manhã ensolaradajunho, o padre Flavie Villanueva rezava pelos restos mortaisPatricio enquanto a bolsacadáver era fechada e levada para outro localdescanso.

"Nós decidimos iniciar este programa para ajudar as famílias enlutadas das vítimas a reconstruir suas vidas novamente", disse o padre Villanueva, um padre católico que há muito faz campanha contra o governo do presidente Rodrigo Duterte.

"A ordem'matar, matar, matar'Duterte é um comando deliberado patrocinado pelo Estado que gerou milharesviúvas e órfãos. Este é o legado mais trágico do presidente."

A guerraDuterte contra as drogas

A brutal repressãoDuterte às drogas tem apoiadores.

A política fez cair o número"maus elementos", diz Ofelia, mãequatro filhos que vivePinyahan, norteManila, uma comunidade que já sofreu com altos índicescrimes relacionados às drogas.

Em 2020, no auge da pandemia, dois homens armados e mascarados atravessaram postosquarentena da polícia para matar um suposto usuáriodrogas conhecido como Bulldog, a apenas 30 metros da casaOfelia.

Ofélia, que votouDuterte, ficou triste com a morteBulldog porque o conhecia e gostava dele.

"É doloroso. Uma segunda chance deveria ter sido dada a ele para mudar, não algo tão repentino."

Mas ela também endossa a campanha do presidente, acrescentando que o usodrogas não é mais visívelseu bairro — embora ela diga quevida não melhorou nem piorou desde que Duterte assumiu o cargo.

Rodrigo "Digong" Duterte,77 anos, foi eleitojunho2016 com uma campanha dura defendendo repressão ao crime.

A política que virou a marcaseu governo — a "guerra às drogas" — levou às mortesmilharessuspeitosutilizar ou traficar drogas,polêmicas operações policiais.

Milharesoutros foram mortos a tiros por homens armados e mascarados não identificados, apelidados"vigilantes" pela imprensa local.

Mae chora pela morte do filho nas Filipinas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A guerraDuterte contra as drogas fez um número enormevítimas fatais

Muitos também dizem que há indícios da crescente impunidade policial como consequência da guerra às drogas —2020, um policialfolga foi flagrado atirandoseu vizinho após uma discussão, provocando uma enorme comoção pública. Ele foi condenado à prisão perpétua.

Pouco depoisminha chegada a Manila2017, 32 supostos traficantesdrogas foram mortosuma única noiteuma operação policial rotulada "Guerra às drogas, armacano duplo recarregada".

Muitas das famílias das vítimas insistiram que seus entes queridos eram inocentes. Gruposdireitos humanos e a comunidade internacional denunciaram a violência.

Mas Duterte não se abalou. Ele chegou a dizer que ficaria "felizmatar" três milhõesusuáriosdrogas nas Filipinas, fazendo falsas comparações entrecampanha antidrogas e o Holocausto — despertando críticas da Alemanha egrupos judaicos.

O governoDuterte tem consistentemente desumanizado usuários e traficantesdrogas. Os apoiadores do presidente muitas vezes se referem a eles nas redes sociais como "estupradores e assassinos" que merecem ser mortos.

O ministro das Relações Exteriores das Filipinas, Teodoro Locsin Junior, provocou indignação global com uma sérietuítes invocando o Holocausto, incluindo um que dizia que "a ameaça das drogas é tão grande que precisauma solução final, como os nazistas adotaram".

Recentemente, perguntei a Locsin se ele via semelhanças entre o Holocausto e o assassinatosupostos usuários ou traficantesdrogas nas Filipinas.

"Não", foi aresposta. Mas ele admitiu que há problemas no policiamento: "Estamos tentando consertar isso. Mas não vamos permitir que o tráficodrogas tome tal controle sobre nossa vida política que não possamos reverter isso, para que acabemos como a América Central".

O verdadeiro preço da guerra às drogas nunca poderá ser calculado.

No início, a contagem oficial — que somou as mortes confirmadas durante as operações policiais e os assassinatos por homens mascarados (o governo os chamoumortes sob investigação) — chegou a dezenasmilhares. Mas depois o governo abandonou essa métrica e o número caiu.

Presidente filipino Rodrigo Duterte

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Duterte adotou medidas que foram alvorepúdiodiversas ocasiões, mas ainda têm apoio interno amplo no país

O número oficial mais recente — sobre supostos traficantes e usuáriosdrogas mortos entre julho2016 e abril2022 — é 6.248. Mas gruposdireitos humanos acreditam que o número pode chegar a 30.000.

A polícia sempre alegou que só matalegítima defesa. Mas imagenscâmerassegurança, fotosvítimas aparentemente incapacitadas e relatosdelatores pintam um quadro mais sinistro. Um capitão da políciaManila foi registrado secretamenteum documentário2019 — On the President's Orders — dizendo que os assassinos mascarados são policiais.

Duterte declarouum evento com agentes da lei: "Pode ser que você leve um tiro. Atire nele primeiro, porque ele realmente apontaráarma para você e você morrerá. Para mim, eu não me importo com direitos humanos (...) Eu que vou assumir total responsabilidade legal. Vou enfrentar esses [advogados de] direitos humanos, não vocês."

Tudo isso afetou pouco apopularidade. Sua aprovação seguealta apesar das críticas internacionais euma investigaçãoandamento sobre supostos crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional.

Alguns atribuem isso ao seu populismo agressivoum país pobre onde a confiança pública no sistema judicial sempre foi baixa. Outros dizem que Duterte, apesarsua longa carreira política, se projetou como uma espécieoutsider —oposição às famílias Aquino e Marcos que governam as Filipinas há décadas.

Ao longo dos anos, ele forjou uma imagem"repressor" que "quebrou as regras". Sua escolhapalavras contundente e muitas vezes grosseira ressoou com os filipinos comuns, com alguns até se referindo a ele como "tatay Digong" ou "Pai Duterte". Seus comentários misóginos sobre mulheres e estupro são tratados por seus apoiadores como "apenas piadas".

Mas nempersonalidade explosiva nem seu apoio aberto à violência são novos.

Duterte chegou ao poder na década1980, quando as Filipinas ainda estavam mergulhadas na política da Guerra Fria.

Davao, uma importante cidade do sul onde ele se elegeu prefeito1988, foi o centro da resistência contra rebeldes comunistas armados que tinham como alvo policiais, oficiais e outros que viam como seus inimigos.

Grande parte dessa resistência — chamada Alsa Masa (As Massas Se Levantam) — foi feita dando armas a civis e, segundo alguns relatos, até os obrigando a lutar contra os comunistas.

Alguns especialistas acreditam que os EUA também tiveram um papel na resistência, já que, recém-saídosuma derrota na Guerra do Vietnã, os americanos estavam ajudando a armar gruposcombatentes anticomunistastodo o mundo.

Quando perguntado se os EUA já estiveram envolvidos no apoio a Alsa Masa, Locsin disse: "Se eles estivessem, eu basicamente teria que me matar se eu dissesse a você. Era um mundo difícil. Era um mundoque as coisas eram feitasverdade. Isso é inimaginável agora. Não somos as mesmas pessoas agora".

Duterte (esquerda) posa com uma metralhadora na cidadeDavao

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Rodrigo Duterte (esquerda) posa com uma metralhadora na cidadeDavao

Muitos acreditam que a Alsa Masa é a origem dos gruposvigilantes e dos chamados "esquadrões da morte" que surgiramDavao sob Duterte. As vítimas eram muitas vezes esquerdistas, opositores e supostos criminosos, incluindo usuáriosdrogas e traficantes.

Uma investigação sobre maismil desses assassinatos e desaparecimentosDavao pela ONU concluiu que houve envolvimentoDuterte. Em uma audiência no Senado2016 sobre os assassinatos, delatores da polícia descreveram como um "esquadrão da morteDavao" plantou armas e drogas nas vítimas para incriminá-los.

Duterte sempre insistiu que nunca deu ordens diretas para matar. Mas2018 ele disse: "Meu único pecado são as execuções extrajudiciais".

Espaço democrático reduzido

Na economia, Duterte prometeu grandes gastos com infraestrutura e flexibilização das restrições ao investimento estrangeiro direto, mas a pandemia e a recessão prejudicaram seu plano econômico.

Ele fez um "bom trabalho"lidar com a economia,acordo com April Tan, estrategista-chefeações da COL FinancialManila.

"Ele permitiu que seus tecnocratas pudessem trabalhar. O sistema tributário foi reformado com sucesso. Muitas medidas foram aprovadas para melhorar o incentivo para se fazer negócios aqui."

Os ministros do governo também elogiaram a maneira como ele lidou com um acordopaz que ofereceu maior autonomia política para milhõesfilipinos muçulmanos na ilhaMindanao, no sul do país,troca da entregaarmas.

Ele também proibiu o fumopúblico e prometeu educação universitária gratuita e melhorias na saúde, Mas ainda é cedo para se medir o sucesso dessas iniciativas.

Umasuas maiores promessas — reduzir a corrupção — incluiu o lançamentoum disque denúncia onde as pessoas podem denunciar corrupção. Mas2021, seu próprio governo enfrentou alegaçõescorrupçãocontratos bilionários concedidos a um fornecedorserviçossaúde.

Duterte reagiu proibindo seu gabinetecomparecer às audiências do Senado que investigavam o assunto. A investigação não levou a nenhum processo. Críticos disseram que a impunidade para os ricos e poderosos continua nas Filipinas.

Outra vítima da presidênciaDuterte foi a liberdadeexpressão. Líderes da oposição foram presos. Muitos críticos foram alvosprocessos, incluindo o padre Villanueva, o padre católico que orou pelo maridoGemma, Patricio. Ele foi indiciado por sedição.

A imprensa foi censurada. Maria Ressa, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz e cofundadora do sitenotícias Rappler, foi condenada por difamação cibernética. Ela negou as acusações e recorreu contra o veredicto. Muitos acreditam que as acusações contra ela são politicamente motivadas pela cobertura contundente do Rappler sobre as políticasDuterte.

Ressa também enfrenta uma enxurrada diáriaataques na internet, feitos, segundo ela, para "silenciá-la". Na vésperaDuterte deixar o cargo, o site Rappler foi fechado pelas autoridades.

Sara Duterte

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Sara Duterte (centro) é a nova vice-presidente das Filipinas

Duterte pode não pertencer a uma dinastia política, mas pode se afirmar com certeza que ele deu início a uma. Ele deixou o cargo efilha Sara Duterte-Carpio está assumindo como vice-presidente. Ela venceu com ampla margem o pleito e pode estar se preparando para liderar uma chapa presidencial2028.

Os apoiadoresDuterte insistem que seu histórico é positivo: "O senhor Duterte deixou tantos legados, você levará vários dias para enumerá-los", disse seu ex-porta-voz Salvador Panelo.

Ele minimizou a investigação do Tribunal Penal Internacional sobre os assassinatos dos vigilantes, dizendo que "são os grupos organizadosdrogas que estão se matando".

Mas os críticosDuterte dizem que seu legado é marcado pela violência. "Quando você está no governo, você pode fazer o bem [como presidente], apenas sentado lá, porque as coisas acontecem", disse Karen Gomez-Dumpit, a diretora da comissãodireitos humanos do país.

"Você tem todo o aparato do governo àdisposição. Ele poderia ter se saído muito bem, se não tivesse esse tipopolítica. É um legadomortes. Segurança à custa dos direitos humanos? Isso é segurançaverdade?"

Línea

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