Lições do Japão ao Brasil na Educação incluem mestres valorizados, pais voluntários e alunos 'faxineiros':
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Há outras razões para preferir o modelo educacional japonês. "Para se dar bemuma empresa, você precisa entender, por exemplo, como é a relação entre um veterano e um novato (sempai-kohai). Isso se aprende no dia a dia da escola", afirma.
A filha Lisa,13 anos, vivencia isso atualmente. Como parte da equipevôlei da escola, ela precisa treinardomingo a domingo - mas não entraquadra nos campeonatos, porque a função dos alunos do primeiro ano é apanhar a bola jogada para fora da quadra e dar suporte às demais jogadoras.
Dependendo do esporte, há tarefas como repor a água e carregar o material esportivo dos veteranos.
Embora não seja obrigatório, os alunos participam dessas atividades extracurriculares por temerem ser excluídos do grupo. Os treinos tomam praticamente todo o tempoquem estuda e tambémquem ensina.
Além das aulas e da responsabilidade com os times e banda da escola, a rotinaum professor no Japão inclui aconselhamento, serviços administrativos e visitas às casas dos alunos.
De acordo com relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), os professores japoneses são os que mais trabalham entre os países desenvolvidos.
Eles cumprem 1.883 horas por ano, contra a média mundial1.640, mas o tempo que passam efetivamente dando aulas é menor do queoutros países industrializados.
Nos seis primeiros anos do Ensino Fundamental, são 610 horas, quando a média da OCDE é701, e nos últimos três anos chega a 511 horas anuais, contra 655 na OCDE.
Os pais também têm muitas tarefas a cumprir, principalmente se o filho estiver no Ensino Fundamental.
Por exemplo, eles são orientados a se inscrever na AssociaçãoPais e Mestres para participar do cotidiano escolar e ajudar professores. Tem ainda limpeza da escola, patrulhamentotrânsito e ajuda na gincana esportiva.
Choquescultura
Embora a educação no Japão seja compulsória até os 15 anos, essa obrigatoriedade não é cobrada dos estrangeiros.
Com isso, uma parcela dos brasileiros prefere colocar os filhosescolas administradas por conterrâneos, pensandoretornar à terra natal, por desconhecer o sistemaensino do Japão ou por medo das crianças virarem "japonesinhas" no linguajar e no comportamento.
Em uma tentativaamenizar o choque cultural, o cartunista MaurícioSousa criou a cartilha Turma da Mônica e a Escola no Japão, distribuídaescolas japonesas com alunos brasileiros e entre pessoas que se preparam para morar no arquipélago.
"As escolas do Brasil e do Japão são muito diferentes nos hábitos e costumes, por isso é bom que as pessoas já saibam o que vão encontrar lá, para que a adaptação seja facilitada e a criança consiga se enturmar mais rápido", diz.
Até a listamateriais pedidos no Japão é diferente. Inclui, por exemplo, capaprevençãoacidentes (bosai zukin) e uma espéciesapatilha (uwabaki) que deve ser calçada sempre que a criança entra na escola. Ela fica guardadauma sapateira com divisão por série colocada na portaentrada.
Os pais também precisam providenciar a máscara cirúrgica usada pelos alunos encarregados no dia por servir a merenda aos colegas, além do panopó (zokin) para a limpeza da classe, feitarodízio ao final da aula.
Aprendendo cuidados com a limpeza
Segundo o professor Toshinori Saito, essas tarefas ajudam a criança a desenvolver o conceitocidadania e a respeitar o que é público. Outras tarefas simples, como lavar e secar as caixinhas do leite servido na merenda, despertam a consciência para o meio ambiente.
Saito leciona há maisuma década e foi para o Brasil como voluntário da AgênciaCooperação Internacional do Japão (Jica) ensinar japonêsum colégio particularSão Paulo por dois anos. Lá, estranhou o baixo númerohomens dando aulas, principalmente no ensino básico.
No Japão, eles representam 37,7% do corpo docente dos primeiros anos e 57,7% dos anos finais do Ensino Fundamental, enquanto nas escolas brasileiras apenas 11,1% dos professores do primeiro ciclo e 31,1% do segundo ciclo são do sexo masculino.
"Aqui, o magistério é uma carreira bem respeitada", afirma.
Atualmente, Saito acumula funçõesuma escola pública da provínciaKanagawa, onde é professor do primeiro ano do ensino fundamental e responsável pela sala internacional voltada a estrangeiros com dificuldades no aprendizado.
Ele faz a ponte entre a escola e o aluno. "O envolvimento da família na educação é essencial para se obter resultados", diz.
No Japão, há um apoio mútuo entre escola e comunidade.
Nas portascasas e estabelecimentos comerciais é muito comum encontrar um selo escrito "Kodomo 110ban", usado para identificar os locais que as crianças podem usar como refúgio sempre que sentirem algum tipoameaça.
Também muitos pais costumam colar, no cesto da bicicleta, uma placa que diz "em patrulhamento".
O governo quer manter essa relação próxima com a comunidade e também se voltar para o mundo.
É por isso que rascunha mudançasseu sistemaensino. A percepção é que o atual modelo com ênfase na reproduçãoconteúdo, disciplinagrupo e obediência - que tão bem serviu nos séculos 19 e 20 para transformar o paísuma grande potência mundial - parece menos eficiente no cenário atual, que busca pessoas criativas e participativas.
"O problema do Japão é que os japoneses ficaram presos ao seu próprio sucesso", diz o professor Daisuke Onuki, do DepartamentoEstudos Internacionais da Universidade Tokai, que diz que o fatoos japoneses claramente reconhecerem a educação como caminho para a prosperidadeseus filhos também contribuiu para os bons resultados que o país acumula.
Mastemposque é preciso formar profissionais globalizados e criativos, o governo japonês tem feito uma sériemudanças.
A próxima está prevista para entrarvigor2020, com a valorização da aprendizagem ativa (onde o aluno é estimulado a buscar a resposta) e do ensino do idioma inglês na rede pública. A reforma prevê, ainda, mudar as regras no vestibular para ingresso nas universidades.
No novo tipoexame, o candidato que tiver mais facilidade para analisar dados e informações contidas nas questões poderá se sair melhor, acredita o estudante brasileiro Victor Keini Kaetsu,17 anos, filhopai japonês e mãe brasileira.
Ele vai prestar a provaadmissão para o cursoLicenciaturaPedagogia na UniversidadeSaitama no ano que vem, ainda pelo modelo atualque todos os vestibulandos fazem o exame nacional (Centa Shiken) com mais questõesmemorização.
Só por curiosidade, Victor fez um simulado do novo vestibular e diz que não gostou das questões apresentadas.
Mas não está preocupado com isso. Seu desafio é ser aprovado na provaadmissão à moda antiga, como fez seu irmão Leonardo, 20, um dos raros estrangeiros a cursar Direito na UniversidadeTóquio, considerada a melhor do Japão. Ele prestou o vestibular três anos atrás e acha que, embora não seja perfeito, o atual exame é imparcial.
Construindo educaçãoqualidade
Os japoneses sempre estiveram nas melhores posições nos rankings mundiaisavaliação.
No mais recente Programa InternacionalAvaliaçãoEstudantes (Pisa), a famosa prova trienal da OCDE para estudantes15 anos, o Japão ficou2ºciências e 5ºmatemática, com Cingapura no topo do ranking e o Brasil na 63ª e 65ª posições, respectivamente.
Nas provascompreensãotexto, porém, o Japão caiu da 4ª posição2012 para a 8ª no Pisa 2015. O Ministério da Educação atribuiu essa queda no desempenho ao declínio no vocabulário, com mais jovens usando smartphones e lendo menos.
Os resultados do Pisa sempre tiveram impacto na política educacional do Japão, e já incomodaram mais, como ocorreu no chamado Choque Pisa 2003.
Naquela edição do programa, os japoneses saíram da lista dos dez melhoresuma das matérias, o que gerou críticas à política "yutori kyouiku" (educação sem pressão) que tinha entradovigor, com o fim das aulas aos sábados e enxugamento do conteúdo curricular30%.
Depois do choque, algumas escolas conseguiram autorização do Ministério da Educação para retomar o calendárioseis diasaula. E o governo decidiu resgatar parte do conteúdo curricular quando fez a primeira revisão da história da Lei Fundamental da Educação1947, incluindo medidas para estimular o respeito à cultura e o patriotismo.
Encontrar o pontoequilíbrio nessas reformas é o grande desafio enfrentado pelo Japão. "Os professores foram formados para dar aulas seguindo orientações básicas repassadas pelo governo. E agora, com as reformas2020, estão pedindo para eles serem diferentes, mandando que sejam livres para montar suas próprias aulas", observa Onuki.
O modelo japonês vem do período Meiji (1868 a 1878), quando a educação foi fundamental para o desenvolvimentouma identidade nacional.
"Incentivou a educação para todos e ajudou a formar a nação e um povo disciplinado e trabalhador para servir o país. Tudo isso contribuiu para a industrialização. Porém, o mundo já passou dessa fase", lembra o professor Onuki.
Ele foi responsável pela aulaJapanologia do cursoPedagogia para brasileiros residentes no Japão, ministrado à distância entre 2009 e 2012 atravésacordo entre a Universidade Federal do Mato Grosso e a Tokai.
A maioria das pessoas formadas já atuavauma das 72 escolas brasileiras existentes na época e o restante trabalhavaredes públicas japonesas como mediadoras culturais.
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