'Não temos lugar aqui': a rotinamedo da minoria cristã no Egito:
No antigo MosteiroSão Menas, nas areias do deserto do Egito, uma tumbaconcreto guarda os restos mortaiscristãos massacrados porfé — não na época do Império Romano, masabril2017.
Eles estavam entre quase 50 pessoas mortasataques coordenados contra duas igrejas. O grupo extremista autodenominado Estado Islâmico (EI) reivindicou a autoria dos atentados — realizados no DomingoRamos.
Padres que vivem no mosteiro dizem que a perseguição é tão antiga quanto a fé cristã.
"A história dos cristãos é assim", disse o padre Elijah Ava Mina,túnica preta que contrasta com a longa barba branca. "Jesus disse: 'Estreita é a porta e difícil o caminho'."
A cripta tem agora sete caixões, mas há espaço para mais. Ataques futuros são praticamente certos. O braço egípcio do EI já afirmou que cristãos são suas "vítimas favoritas".
Estima-se que essa minoria sitiada corresponda a 10% da população egípcia, país90 milhõespessoasmaioria muçulmana.
A maior parte dos cristãos no país pertence à Igreja Ortodoxa Copta, cuja origem é traçada desde o apóstolo São Marcos. O EI atacou o coração histórico dessa fé. Umseus alvos foi a igreja mais antiga do Egito — a CatedralSão Marcos, no portoAlexandria.
'Meu filho'
Quando o autor do atentado chegou aos portõesferro da catedral, Gergis Bakhoom tinha acabadosair. De volta apequena alfaiataria, o senhor82 anos soube da explosão.
Ele correu ao hospitaltempotestemunhar seu filho mais velho, Ibrahim, dar seu último suspiro.
"Ele estava ofegante, tentando respirar", disse Gergis, imitando o que viu. "Depois disso, pegaram um lençol, cobriram o corpo e o enviaram ao necrotério. Vi com os meus próprios olhos, ele que deveria ter me enterrado", afirmou o alfaiate, aos prantos. "Em vez disso, eu que o enterrei."
Pai e filho trabalhavam juntos, dividindo uma máquinacostura. "Ele tinha um objetivo na vida", disse Gergis. "Nós trabalhavamos duro, ponto a ponto, para sustentar os filhos dele."
A dor dessas pessoas se mistura com a raiva. Após o primeiro ataque naquele dia,uma igreja na cidadeTanta, cristãos espancaram um policialalta patente na rua — enfurecidos diante da possibilidadeum novo ataque do EI. Em dezembro2016, um ataque suicida deixou cerca30 pessoas mortas durante uma missa no Cairo.
'Não temos valor'
Os atentados mais recentes tiraramMarian Abdel Malak trêsseus entes queridos, incluindo seu irmão18 anos, Bishoy. O rapaz vinha frequentando a igreja com regularidade e havia dito à família que desejava morrer como um mártir cristão.
De algum modo, os sobreviventes esperam o mesmo destino, diz Malak.
"Se coisas continuarem assim e não tivermos nossos direitos assegurados, definitivamente não teremos futuro", disse a jovem26 anos. "Nós estaríamos melhor se estivessemos mortos, por não temos lugar nesse país — nas escolas, no governo. Não temos nenhum valor."
Sandro George, um amigo do jovem morto, afirma que as autoridades deveriam ter reforçado a segurança ainda2011, quando cerca25 pessoas morreramum atentado contra uma igrejaAlexandria.
"Se tivessem realmente a intençãodar segurança às igrejas e afastar qualquer perigo, teriam feito isso naquela ocasião", afirma. "Depois daquela explosão, apenas dois policiais foram enviados para fazer a segurança da igreja."
A segurança aumentou após os ataques recentes. O presidente do Egito, Abdul Fattah al-Sisi, decretou estadoemergência por três meses e enviou o Exército para imediaçõesigrejas.
Mas alguns cristãos alertam que, conforme o assunto for deixando os jornais a forçasegurança também desaparecerá.
Visita do Papa
Enquanto fieis se concentravam na CatedralSão Marcos para uma missa recente, tropasum veículo blindado marcavam posiçãouma esquina próxima.
Algumas horas depois — com multidões ainda chegando para o serviço religioso — o veículo já não estava mais lá.
Sitiados, os coptas dizem quecomunidade está sob ameaça, não só pelo EI, mas também por tensões sectárias e um longo históricodiscriminação.
Uma lei do ano passado dificultou a construçãonovas igrejas cristãs,acordo com Ishak Ibrahim, um pesquisador que estuda liberdade religiosa.
E se cristãos tentarem se reunircasa para rezar podem ser alvoataques, afirma ele.
Enquanto ainda praticam o luto pelas últimas vítimas, os cristãos do Egito se preparam para a visita do papa Francisco, que chegou nesta sexta-feira ao país para uma visita históricadois dias.
No primeiro discursosolo egípcio, o papa disse que não pode haver violêncianomeDeus. "A paz por si só... é sagrada, e nenhum atoviolência pode ser perpetradonomeDeus, o que profanaria Seu nome", disse o pontífice.
Em meio a uma das comunidades cristãs mais antigas do Oriente Médio, o papa deverá se deparar com uma nova ondamedo diante do futuro.
Mas há quem tire força do sofrimento.
"Não tenho medo", disse Nadia Nazeem, a mãeBishoy, com a voz embargada.
"Coisas ruins aconteceram, estão acontecendo e acontecerão no futuro, mas não vou pararir à igreja. Irei a todas as igrejas."