Veto a burquíni gera debate sobre 'secularismo extremista' na França:

Reportagem do Le Monde

Crédito, Reprodução/Le Monde

Legenda da foto, Sequênciafotosveto a burquínipraias gerou amplo debate

A polêmica atravessou fronteiras. A decisãocerca20 municípios da Françaproibir o burquíni - maiô que tapa todo o corpo e cabeçamulheres muçulmanas -praias fez esquentar o debate sobre direitos e liberdade individual mundo afora.

A discussão na imprensa e nas redes sociais foi intensificada depoisuma sequênciafotos acabar gerando controvérsia.

As imagens capturadasuma praiaNice mostram três policiais uniformizados e armados questionando uma mulher que usa um véu que cobrecabeça e braços, alémcamisa calça legging. Eles a obrigam a desfazer das roupas, e a última das imagens mostra a mulher levantando o manto.

Fontes ligadas à prefeituraNice disseram ao jornal francês Le Monde que a mulher tirou o manto para mostrar aos policiais que vestia uma camiseta. Ainda assim, os oficiais disseram que ela tinha que usar um maiô convencional ou sair da praia. Ela acabou indo embora.

A cena ocorreuum local perto da Promenade des Anglais, onde,julho, um extremista jogou um caminhão contra uma multidão e matou mais80 pessoas que comemoravam o Dia da Bastilha.

O vice-prefeitoNice, Rudy Salles, disse à BBC que a proibição dos burquínis se tornou uma necessidade por razõessegurança,especial depois dos ataques.

Mulher usa biquinipraia francesa

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Legenda da foto, Depois do ataqueNice, cerca20 munícipios francês proibiram o usoburquini nas praias

Ainda que a mulçumana que aparece na foto não tenha sido obrigada a tirar toda a roupa que tapava o corpo inteiro, como observou o Le Monde, a ação policial na praia provocou "indignação" na imprensa internacional, especialmente nos veículos anglo-saxônicos. Gerou ainda muitas críticas do chamado "secularismo francês" - a separação rígida entre religião e Estado.

'Secularismo extremista?'

Nas redes sociais, popularizou-se a hashtag #WTFFrance (algo como "que porcaria é essa, França?").

O diretormídia para a Europa da ONG Human Rights Watch, Andrew Stroehlein, escreveu emconta no Twitter: "Pergunta do dia: quantos policiais armados são necessários para forçar uma mulher a se despirpúblico?".

"É esse o secularismo? É isso o que significa ser liberal: homens que forçam as mulheres a se despir?", escreveu um repórter do Buzzfeed.

Alguns dos que estavam na praia na horaque as imagens foram registradas também reagiram desaprovando a ação policial. Mathilde Cousin, que presenciou a cena, disse à BBC que a ação da polícia foi "intimidante".

Mas houve quem aprovasse a abordagem policial. "Algumas pessoas aplaudiram a polícia. Outras gritaram para a mulher sair da praia, sair da França, que ela não era bem-vinda na França", disse Cousin, observando que a reação reflete o clima no sul da França.

"Desde os ataques terroristas, as pessoas estão com medo dos muçulmanos", acrescentou.

Ministro do Interior da França, Bernard Cazeneuve (à esq)encontro com Anouar Kbibech, presidente do Conselho Francês da Fé Muçulmana

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Legenda da foto, O ministro do Interior da França, Bernard Cazeneuve (à esq), se encontrou com Anouar Kbibech, presidente do Conselho Francês da Fé Islâmica, para debater a crescente estigmatização dos mulçulmanos

O presidente do Conselho Francês da Fé Islâmica, Anouar Kbibech, se disse "preocupado com o rumo que está tomando o debate público" e expressou receio por uma crescente estigmatização dos muçulmanos na França. Kbibech se reuniu com o ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, para discutir o assunto.

AutoridadesNice também reagiram à controvérsia, e muitos saíramdefesa da polícia.

Christian Estrosi, representante da região Provence-Alpes-Côte d'Azur, divulgou nota na qual fala da manipulação das imagens que acabaram "denegrindo a polícia municipal e colocandoperigo os seus agentes".

Estrosi disse que pensaprocessar os que estão divulgando fotografias dos policiais, bem como os que fazem ameaças contra a polícia nas redes sociais.

Mulher usa burquinipraia na França

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Mulher usa burquinipraia na França

'Provocação'

O vice-prefeitoNice, Rudy Salles, disseentrevista à BBC que a proibição do usoburquini é uma "necessidade".

"Depois do que temos vivido na Promenade des Anglais (Passeio dos Ingleses), não podemos seguir permitindo esse tipoprovocação dos islâmicos porque é uma manifestação política dos islamitas. Não é costume dos muçulmanosNice estarem vestidos assim na praia", disse.

Questionado sobre como o jeitouma mulher se vestir pode ser considerado uma provocação, Salles afirmou que "quando você vai a um país árabe e quer usar um biquíni, você não pode. Se você estiver na Europa, você tem que se vestir como todos os outros na praia. Não somos uma república religiosa. Precisamos dar prioridade à segurança. A segurança é como você viveum país, assim como temos que respeitar e viver com as leis do país".

Segundo ele, "não é algo confortável para as mulheres, é apenas uma declaração política dos islamitas. Se não querem respeitar (a norma francesa), então que não vá para a praia. Sinto muito".

Diante do argumento da BBCque as mulheres muçulmanas podem ser livres e escolher se vestir dessa maneira - assim como uma freira cristã poderia escolher vestir um hábito na praia -, Salles afirmou que "é muito diferente. As freiras querem se entregar à religião. Elas vivemconventos fechados, não é exatamente o mesmo. Já estas mulheres são obrigadas a usar roupas assim. Falo como mulheres como essas e eles me dizem que são obrigadas".

Policial francêsfaz segurançapraia

Crédito, EPA

Legenda da foto, Autoridades francesas disseram cena foi uma tentativadenegrir a guarda municipal

Para muitos observadores, porém, a medida pode ter o efeito adversofomentar o radicalismo e os conflitos na França, ao ser visto como uma provocação aos muçulmanos.

Uma articulista do jornal britânico The Telegraph chamou o veto ao burquínium "ato tolofanatismo".

"É compreensível a tensão na França, especialmente no sul, (...) mas não há nenhum indícioque mulheres que usem burquíni estejamqualquer forma ligadas ao terrorismo", escreveu Juliet Samuel. "(A proibição) tem chancesafastar e chatear os muçulmanos moderados."

Salles discordou do raciocínio. "O que é provocativo são esses extremistas. Eles provocam a população e os cidadãos não querem ver isso. (O veto) não é contra o islã, é exatamente o contrário. Eu trabalho com muitos muçulmanos e todos eles condenam estas posições, e temos que ajudar essas pessoas que querem ser integradas na sociedade e não ajudar aqueles que não querem ser integrados na sociedade e apenas provocar toda a sociedade francesa e leis francesas."