Obesidade: 'Meus genes são programados para acumular gordura':

Sarah

Crédito, Joanne Crawford / BBC

Legenda da foto, Profissionaissaúde dizem que obesidade deve ser vista como uma doença complexa e que pessoas que sofrem com excessopeso não devem ser culpadas por isso; Sarah tem características genéticas que favorecem o acúmulogordura

"As pessoas acham que você não é inteligente, que você é preguiçosa, que come demais, que fez isso consigo mesma. Acham que é uma escolha", diz ela. "Só quero gritar e dizer que nada disso é verdade."

Sarah passou grande parte da vida tentando controlar o peso com dietas e exercícios, e diz que pensa naobesidade todos os dias.

CrescendoJersey, no Reino Unido, Sarah era uma "meninatamanho normal", até que, na escola primária, começou a desenvolver corpoadolescente mais cedo do que muitas colegassala. Quando estava na escola secundária, num colégio só para meninas, as mudanças da puberdade a faziam se sentir diferente da maioria das amigas.

Sarah
Legenda da foto, Sarah aos 12 anos

No início da adolescência, ela já sabia quemãe tinha dificuldades com a balança e que havia tentado diferentes dietas ao longo da vida. Por isso, quando começou a engordar, Sarah fez o mesmo.

Aos 16 anos, ela decidiu iniciar uma dieta800 calorias que consistiabeber um tipomilkshake o dia todo. No verão, antescomeçar as provasconclusão do Ensino Médio, ela havia passado do tamanho 42 para 38. Na época, o resultado a fez se sentir "ótima". Mas, internamente, sabia que isso também significava o inícioanos e anosdietas-sanfona.

Sarah estava usando tamanho 40 quando começou a universidade. Mas quando se formou, três anos depois, tinha aumentado oito tamanhos. Seu estilovida, que consistiabeber e comer tarde da noite, a impediumanter o peso sob controle.

Sarah

Crédito, Joanne Crawford / BBC

Legenda da foto, Na faculdade, Sarah aumentou oito tamanhosmanequim. Seu estilovida dificultou o controle do peso

Mas, diferentementequando tinha 16 anos, as dietas não pareciam funcionar. Foi o iníciouma batalha para controlar o peso.

Cientistas descobriram que o peso mudamaneira diferente para cada pessoa, conforme suas características genéticas, ainda que elas comam a mesma quantidadecalorias.

Genes da obesidade

Depois da universidade, Sarah começou a trabalhar na indústria farmacêutica. Ela estava tendo um bom desempenho na áreavendas, vendendo remédios para diabetes, mas ficou abalada com um comentário que o chefe fez.

Ele disse que, quando conheceu Sarah pela primeira vez, pensou: "É bom que você seja uma representantevendas incrível, já que está tentando vender remédio contra diabetes com essa aparência."

Sarah agora diz que deveria ser ilegal fazer comentários sobre o tamanho e o formato do corpoalguém. Na época, aos 30 anos, ela tinha obesidade mórbida e estava desesperada para fazer algo a respeito disso,prol dasaúde fisica e mental.

Ela embarcou num projetoum ano com um personal trainer e completou uma provatriatlon — nadando 1,5 km, pedalando 40km e correndo 10km. Perdeu 55kg.

Sarah
Legenda da foto, Aos 30 anos, Sarah fez um anoginástica com personal trainer e perdeu 55kg

Nesse período, Sarah fez alguns testes para investigar suas características genéticas. Dois resultados importantes apareceram.

  • Ela possui uma variante do gene FTO, que é associado a ganhopeso e maior riscoobesidade
  • Ela tem a mutação do receptor MC4, que causa obesidade

Shaw Somers, médico especializadocirurgiaperdapeso, trata pessoas com obesidade mórbida há muitos anos. Ele diz que pessoas como Sarah, que herdaram certos genes, têm muito mais chancesdesenvolver obesidade.

Mas obesidade não é só produto da genética, diz ele. Envolve também psicologia, desigualdades e o ambiente alimentarque vivemos. Historicamente, diz Somers, as pessoas com essa genética lidariam bem num ambientefaltacomida, mas com a alta ofertaalimentos calóricos da atualidade, elas vão engordar "se não tiverem forte apoio e determinação".

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Denise Ratcliffe, psicóloga clínica que acompanha pacientes que fazem cirurgia bariátrica, diz que as experiências passadas também desempenham um papel nisso. Ela conta que muitos dos seus pacientes tiveram traumas, passaram por abusos ou negligência, por exemplo. E isso pode levar a uma relação desfuncional com a comida.

"Acho que há algo nas experiências psicológicas das pessoas e nos relacionamentos que elas desenvolvem com alimentos que provoca quase que uma tempestade perfeita."

Tanto os componentes genéticos quanto psicológicos da obesidade podem ser amplificados diante do acesso fácil a comidas gordurosas e com muito açúcar, que costumam ser baratas e convenientes.

Jed, amigoSarah, também tem obesidade. Ele diz que a cidade onde mora na Inglaterra tem grande efeito emsaúde. No lado oposto àcasa, há uma rua com cerca20 restaurantesfast-food.

Jed
Legenda da foto, De frente para a casaJed, há uma rua com cerca20 restaurantesfast-food

"Tem fast-foodfrango,hambúrguer,peixe frito,kebab, um outrokebab, umbatata frita, um chinês...", elenca.

Jed diz que recentemente assinou uma petição para tentar impedir outro fast-foodabrir.

"Se você olha para qualquer área dacidade que sejabaixo poder econômico, garanto que vai ter mais lojasfast-food. Não precisamos disso."

Short presentational grey line

Depoistreinar para a provatriatlon e perder 55 kg, Sarah continuou se exercitando regularmente e seguindo uma alimentação saudável. Mas percebeu que começou a ganhar peso. Não importava o que fizesse, nada fazia diferença.

Abd Tahrani, professorMedicina para Obesidade na UniversidadeBirmingham, diz que há muitas pessoas "biologicamente programadas para conservar energia", ou seja, para acumular e armazenar gordura. Ele explica que sinais do hipotálamo, a parte do cérebro que controla o apetite, bombardeia para a pessoa sensaçõesfome e desejocomer que são praticamente impossíveiscombater.

Portanto, mesmo que uma pessoa consiga perder vários quilos fazendo dieta, o corpo tem a memória do peso anterior e luta para voltar a ele.

Pesquisas usando a basedados do sistema públicosaúde do Reino Unido mostram que a chance anualuma pessoa com obesidade mórbida atingir o peso normal varia1700 a 1mil.

Após muitos anos se culpando por estar acima do peso, Sarah começou a pesquisar sobre obesidade e percebeu que o próprio corpo estava "agindo contra ela".

Obesidade é uma doença

Uma nova pesquisa feita por especialistas da UniversidadeBirmingham, University Hospitals Birmingham e EscolaMedicinaWarwick, no Reino Unido, descobriu que pessoas com obesidade têm risco 66% maiordesenvolver doença crônica nos rins, mesmo que não tenham outras condiçõessaúde, como diabetes e pressão alta.

O estudo acabaser publicado na revista científica American Journal of Kidney Disease, e envolveu dados4,5 milhõespacientes tratados no Reino Unido ao longo20 anos.

Esses achados reforçam o corpopesquisas científicas que demonstram que "obesidade saudável não existe", diz o professor Indranil Dasgupta, nefrologista da University Hospitals Birmingham e um dos autores da pesquisa.

Estudos anteriores do mesmo timepesquisadores mostraram que pessoas com obesidade também têm risco maiordesenvolver doenças cardiovasculares e derrames, mesmo sem outros problemassaúde crônicos.

Muitos profissionais com conhecimento sobre obesidade acreditam ser necessária uma mudança significativa na forma como essa condição é vista pela sociedade médica e o públicogeral.

"A percepção pública não entendeu bem que se tratauma doença real", diz Shaw Somers. "A cada ano que falhamoscontrolar a epidemiaobesidade, ela fica exponencialmente pior."

É quase impossível alcançar peso normal só com dieta

Também precisa haver mudanças na compreensão sobre tratamentos, segundo Somers. Muitos programasperdapeso para pessoas com obesidade começam com "se mexer mais e comer menos", o que é a prevenção da obesidade, não a cura.

"O númeropessoas que encontrei nos meus 30 anoscarreira que conseguiram ir da obesidade mórbida para um peso normal, e manter isso apenas com dieta... Bom, acho que não conheci nenhuma. É muito difícilalcançar isso", diz o cirurgião.

Evidências indicam que pessoas como Sarah, cujos organismos são programados para ganhar e reter gordura, podem se esforçar ao máximo e mesmo assim não obter os resultados desejados. Isso pode se tornar um grande fardo psicológico.

"Tive momentos muito difíceis, porque me sentia um fracasso", diz Sarah. A psicóloga Denise Ratcliffe diz que muitas pessoas aceitam a narrativaque são culpadas pela obesidade. Isso e o julgamento da sociedade podem levar a situaçõesque a angústia mental e o ganho físicopeso se retroalimentam.

"Obesidade é uma causaproblemassaúde mental. Então, se você tem problemassaúde mental, é mais provável que tenha obesidade. Mas, se você é obeso, isso também cria dificuldadessaúde mental."

Qual é o tratamento?

O sistemasaúde público britânico, o NHS (equivale ao SUS no Brasil), tem quatro estágiosrecomendação para o tratamento do processoobesidade. O primeiro promove a alimentação saudável e estilovida ativo, enquanto o segundo envolve financiamento para programasemagrecimento. No terceiro, profissionaissaúde dão medicação e orientam mudanças no estilovida. O quarto e último estágio ocorre quando os pacientes passam por cirurgia bariátrica para perdapeso.

No Brasil, o SUS também oferece cirurgia bariátrica e acompanhamento psicológico e medicamentoso para quem se enquadrar nos critérios para essa cirurgia, como ter mais16 anos e IMCmais40 ( ou IMCmais35 com doenças associadas).

Sarah decidiu que não quer fazer cirurgia bariátrica. Ela argumenta que se fizer a operação e vier a ganhar peso no futuro, vai se sentir muito frustrada.

A cirurgia bariátrica resultauma grande perdapeso. Embora pacientes tenham que fazer mudanças permanentesseus estilosvida após a operação para evitar ganhopeso, ela também acarreta mudanças hormonais que podem reduzir o apetite. E as evidênciascusto-benefício e melhora da saúde têm sido mostradasdiferentes estudos pelo mundo.

Doctors carrying out surgery
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Shaw Somers fez cirurgias pelo NHS (SUS britânico) no Hospital Portsmouth. Ele também faz essa cirurgia particularLondres,pacientes que podem arcar com o serviço.

"Muitas pessoas que lutam contra a obersidade mórbida têm uma sériecondiçõessaúde que são mais difíceisserem tratadas por causa da obesidade", diz ele. "Elas ficam presas num ciclo vicioso, no qual suas doenças favorecem o ganhopeso e a obesidade agrava as doenças."

Umasuas mais recentes cirurgias foi num paciente com doença crônica nos rins. Ele explica que a operação não foi apenas para melhorar a qualidadevida, mas para salvar a vida daquele homem.

A equipeSomers conta com nutricionista, psicólogo, enfermeiras e anestesistas. Eles oferecem amplos cuidados pré e pós-operatórios. Todos os seus pacientes passaram por anosdietas fracassadas, angústia psicológica ou doenças como diabetes e pressão alta, comuns entre quem tem obesidade.

Para Sarah, a esperança está na ciência médica. Pesquisas sobre drogas que suprimem o apetite estão avançando, diz Abd Tahrani.

Também há estudos para produçãodrogas para pessoas que, como Sarah, têm mutação no receptor MC4. Tahrani diz que uma droga recentemente aprovada nos Estados Unidos pode alcançar15 a 17%perdapeso. No futuro, ele espera ver remédios que resultemperdapeso20 a 25%, que é o mesmo percentual alcançado com cirurgia bariátrica.

Sarah está se esforçando para se manter o mais saudável possível e para aproveitar da melhor maneira a vida que tem. Ela é uma profissional bem-sucedida que vive num bonito vilarejoYorkshire, no norte da Inglaterra.

Solteira e mãeuma menina, ela diz queauto-confiança é boatodas as áreas, menos na questão do peso. Apesartodo o seu conhecimento sobre obesidade, Sarah ainda quer ser mais magra. E,uma vez por todas, deixarser julgada por seus quilos a mais.

Ser obesa significa pensar no que pode dar errado. Mesmo um encontro com um amigo num bar traz ansiedade. "Como serão as cadeiras? Será que podem quebrar se eu sentar nelas?".

Mas, para algumas pessoas com obesidade, a confissãoSarahque não é feliz com o corpo que tem colide com o argumentoque é preciso rejeitar o estigma e a vergonhaser obeso. É o que chamam"positividade corporal".

Sarah respeita esse pensamento, mas diz que não funciona para ela.

"Tenho certa inveja do amor-próprio da comunidade da positividade corporal. Mas é uma comunidade pequena. A grande maioria se sente muito diferente disso."

Sarah and her daughter

Levandoconta que os problemaspesoSarah são principalmente genéticos, ela não sabe qual será o impacto nafilhadois anos, Emily.

"Quero que ela saiba que temos diferentes tamanhos e formas, diferentes corescabelo, altura e não importa nossa aparência. Só quero que ela seja ela mesma. Vou me esforçar para passar essa mensagem para ela", diz.

Sarah está abrindo uma ONG para apoiar aqueles com obesidade que se sentem estigmatizados e incompreendidos. Ela quer ser a vozuma comunidade que raramente é ouvida.

Para vários cientistas e médicos que desenvolveram um conhecimento profundo sobre obesidade, trata-seuma doença complexa, influenciada por diferentes fatores.

Culpar uma pessoa por sofrer dessa doença vai contra as evidências científicas. "Se culpabilizar funcionasse, já teríamos uma sociedade magra. Todos que sofremobesidade foram culpabilizados diversas vezes, seja pelos médicos, pelos vizinhos, a família ou a sociedadegeral. Isso não funciona. Por favor, parem", diz Abd Tahrani.

No Brasil, segundo dados do IBGE, seiscada dez brasileiros estão acima do peso. A parcelaadultos com obesidade é26,8%, o dobro da taxa registrada2003.

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