O papa que decretou 'lockdown'betpagRoma para salvar populaçãobetpagpeste no século 17:betpag
Em Roma, contudo, foram 9,5 mil mortosbetpagum universobetpag120 mil pessoas — menosbetpag8%. Essas conclusões foram publicadasbetpaguma revista científica italianabetpag2017.
Calcula-se que a peste tenha dizimado cercabetpagmetade da população europeia,betpagdiversas ondas. Fazia um ano que Alexandre VII havia sido eleito papa quando começaram a chegar relatosbetpagmortes pela doença no então reinobetpagNápoles.
Alexandre 7º não era somente o líder do catolicismo. Se hoje o papa é soberanobetpagum estado diminuto encravadobetpagRoma, o Vaticano, na época comandava os chamados Estados Pontifícios que compreendiam Roma e boa parte dos arredores — praticamente todo o centro da Itália atual.
A fascinante história a seguir mostra como medidas que geram controvérsia no Brasil da pandemiabetpagcovid-19, como proibiçãobetpagcirculaçãobetpagpessoas, fechamentobetpagfronteiras ebetpagtemplos, rastreamentobetpagcasos, auxílio emergencial, debates sobre jejuns religiosos e outras, foram aplicadas há maisbetpag400 anos — e tiveram bons resultados.
Quais foram as medidas do papa?
Nos domínios papais, esse surto ocorreubetpagmaiobetpag1656 a agostobetpag1657.
Assim que as primeiras notícias da peste chegaram a Roma, Alexandre 7º colocoubetpagalerta a então Congregação da Saúde, que havia sido criadabetpagum surto anterior.
As medidasbetpagcontenção foram implementadas gradualmente, conforme a situação se tornava mais perigosa.
Em 20betpagmaio, foi promulgado um decreto que suspendia toda atividade comercial com o reinobetpagNápoles — já fortemente afetado. Na semana seguinte, o bloqueio se estendeu: ficava proibido também o acesso a Romabetpagqualquer viajante vindobetpaglá.
No dia 29, a cidadebetpagCivitavecchia, dentro dos domínios dos Estados Pontifícios, registrou a chegada da peste e foi imediatamente colocadabetpagquarentena.
"Nos dias e meses seguintes, muitas outras localidades dos Estados Papais foram colocadasbetpagisolamento", detalha o historiador Topi,betpagseu artigo. Em Roma, a decisão foi radical: quase todos os portões que então davam acesso à cidade foram fechados. Apenas oito permaneceram abertos, mas eles eram protegidos 24 horas por dia por soldados, supervisionados por "um nobre e um cardeal".
A partirbetpagentão, qualquer entrada tinhabetpagser justificada e registrada.
Em 15betpagjunho, Roma teve o primeiro caso: um soldado napolitano que morreubetpagum hospital. As normas passaram a endurecer cada vez mais. Em 20betpagjunho, uma lei passou a obrigar que todo aquele que soubessebetpagum doente informasse autoridades.
Na sequência, um novo dispositivo papal passou a obrigar que todo pároco e seus ajudantes visitassem, a cada três dias, todas as casasbetpagsuas circunscrições para identificar e registrar os doentes.
Era a maneira, na época,betpagrastrear os infectados.
Aí veio a notíciabetpagmais uma morte, um pescador que estava hospedado na regiãobetpagTrastevere. "Toda a família que teve contato com essa vítima também se infectou e muitos foram a óbito", conta Raylson Araujo, membro do NúcleobetpagDiálogo Católico-Pentecostal e estudantebetpagteologia da Pontifícia Universidade CatólicabetpagSão Paulo (PUC-SP), que também pesquisou o assunto.
A primeira ideia foi tentar isolar a região. Na noite do dia 22 para o dia 23betpagjunho, sob as ordensbetpagtrês cardeais, trabalhadores ergueram um murobetpagcontenção após nove horasbetpagtrabalho.
"O papa era também a autoridade civil. Conforme a doença começou a se espalhar, ele passou a implementar medidasbetpagisolamento. Depois que proibiu o comércio com Nápoles, passou a decretar outros meiosbetpagdistanciamento social: foi proibindo encontros, procissões, todo o devocional mais popular", pontua Araujo.
O endurecimento das regras foi gradual até o lockdown completo.
"Conforme o tempo foi passando, ele [o papa] foi adotando novas proibições. Congregações [da Igreja] foram suspensas, todas as visitas diplomáticas também, encontros religiosos e reuniões públicas… Estradas foram vigiadas", enumera Araujo. "Todas as aglomerações civis acabaram suspensas."
"Foram banidas várias atividades econômicas e sociais. Festas e cerimônias públicas, civis e religiosas foram canceladas", diz o seminarista Gustavo Catania, filósofo pelo MosteirobetpagSão BentobetpagSão Paulo. "Mercados foram suspensos e algumas pessoas que moravam na rua foram retiradas, porque podiam ser causasbetpagcontágio. A travessia noturna do Rio Tibre foi proibida."
"Com quase toda a cidade fechada, os cultos inevitavelmente se transformarambetpagprivados. Quase todos tinham alguém da família com a doença", completa Catania.
O papa também determinou que naquele período ninguém deveria fazer jejum, numa tentativabetpagque as pessoas não se privassembetpagalimentos e, assim, se mantivessem mais saudáveis para o casobetpagserem infectadas.
Todos aqueles que tinham pelo menos um contaminado na família eram proibidosbetpagsairbetpagcasa. Para garantir a assistência, Alexandre 7º separou os padres e os médicosbetpagdois grupos — aqueles que teriam contato com os doentes e os que não teriam, encarregando-sebetpagzelar pelo restante da população.
"Havia uma preocupação que os padres não se transformassembetpagvetores da doença", diz Araujo.
"Os médicos foram proibidos [por lei]betpagfugirbetpagRoma", atenta Catania, lembrando que muitos tinham receiobetpagse contaminarem com a peste. Como os doentes eram isolados, foi montada uma redebetpagapoio assistencialista. "Houve a previsãobetpagajuda financeira às famílias que não podiam sairbetpagcasa e algumas pessoas recebiam comida pela janela", diz o seminarista.
Nos mesesbetpagoutubro e novembro, quando a incidência da doença foi maior, chegou-se a prever penabetpagmorte para quem descumprisse as regras.
Negacionistas e fake news
Mas nem todos acreditavam na gravidade da situação.
Havia quem desdenhasse e até as hoje chamadas fake news foram espalhadas. "O papa chegou a ser acusadobetpagter inventado a doençabetpagbenefício próprio, para ganhar popularidade", conta a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadorabetpaghistória do catolicismo na Pontifícia Universidade GregorianabetpagRoma.
"[Muitos] não queriam que o pontífice adotasse tais medidas [de restrição] para não alarmar a população", complementa. "Até seus colaboradores mais próximos o aconselharam a não fazê-lo. Temiam que, a partir do momentobetpagque ele levasse a público a gravidade da situação, por meiobetpagdecretos e divulgação, a economia passasse a sentir os efeitos desse tipobetpagpostura. No entanto, ele [o papa] foi firme e seguiu combetpagpolítica sanitária."
Talvez Alexandre 7º possa ser considerado uma espéciebetpagpadroeiro do lockdown.
Araújo compara o acontecido no século 17 com o "movimentobetpaghoje, com a resistência das pessoas" a aceitarem a gravidade da pandemiabetpagcovid-19. "[Na época,] primeiro os comerciantes quiseram aconselhar o papa para que ele não adotasse as medidas, pois [o fechamento] iria prejudicar o comércio, a colheita", comenta o pesquisador. "Parte do povo foi murmurar contra as decisões do papa."
"Grupos procuraram o papa, aconselhando-o para não decretar medidasbetpagisolamento. Queriam que ele acobertasse, maquiasse um pouco a doença para que o pânico não se espalhasse e o comércio não fosse fechado", prossegue.
Há relatosbetpagque um médico teria divulgado fake news acerca das reais motivações do lockdown. "Ele espalhou que essas decisões do papa escondiam interesses políticos", diz o historiador Victor Missiato, professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília, membro do GrupobetpagEstudos e Pesquisas Psicossociais sobre o Desenvolvimento Humano da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Brasília) e pesquisador na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
"Foi acusadobetpagcalúnia e acabou condenado a trabalharbetpagum hospital voltado para a cura da peste."
Outro caso emblemático foi o do religioso Gregorio Barbarigo (1625-1697). Quando foi eleito, o papa Alexandre VII nomeou-o prelado da Casa Pontifícia, conselheiro e,betpagseguida, referendário do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica. Isso tudobetpag1655, mesmo anobetpagque Barbarigo havia se tornado sacerdote.
Mas o conselheiro acabou sendo uma voz contrária ao lockdownbetpagAlexandre 7º. "Ele questionava as medidas, dizia que elas provocavam mais mortes do que a peste, porque causavam mortes pela fome e pelo medo. Mesmo próximo ao papa, ele tinha um olhar crítico", frisa Araujo.
Alexandre 7º não parece ter guardado rancor. Tanto que, anos mais tarde,betpagconsistóriobetpagabrilbetpag1660, fezbetpagBarbarigo cardeal.
Vitória contra a doença
Quando esse surto foi vencidobetpagagostobetpag1657, a celebração foi à altura.
Alexandre 7º demonstrou o renascimento da Igreja com monumentos que marcam o Vaticano até hoje, como o conjuntobetpagcolunas da PraçabetpagSão Pedro, obra do escultor e arquiteto Gian Lorenzo Bernini (1598-1660).
"Era muito comum, nesse período, que os papas tornassem visíveis abetpagsoberania e o seu poder. Os grandes monumentosbetpagRoma, nesse período, foram construídos a partir dessa motivação", contextualiza Medeiros.
"É o caso das Quattro Fontane da Piazza Navona, Fontana di Trevi, entre outros."
A embaixada brasileirabetpagRoma ficabetpagfrente às esculturas da famosa Piazza Navona.
"Alessandro 7º era apaixonado pela arte, amigobetpagBernini. O iníciobetpagseu pontificado foi marcado, justamente, pela peste", explica.
"A forma que ele encontrou,betpagcerta forma,betpagapagar aquele período sombrio, foi investindobetpagobras colossais. As colunatas que ele mandou construir representam os braços abertos da Igreja. A catedral do apóstolo Pedro foi restaurada, o símbolo do poder temporal, não só espiritual."
Outros casos
Não foi este o único momento históricobetpagque a Igreja, no passado, fechou suas portas por contabetpagsurtos e epidemias. Mas, como destaca Medeiros, foi o únicobetpagforma oficial "e contando com uma estruturabetpagEstado para tal".
"Ocorreram [em outros momentos] casos isoladosbetpagalgumas dioceses da Itália, sobretudo no século 19 durante a epidemiabetpagcólera", lembra ela. "Nesses lugares, adotaram-se medidas restritivas semelhantes."
Por outro lado, Medeiros lembra que no surtobetpagpeste do século 14, ocorreu "totalmente o contrário".
"O papa Clemente 6º, isolado no palácio pontifíciobetpagAvignon, na França, não parecia muito preocupado com o que ocorria fora dos muros dabetpagcasa", aponta a vaticanista. "Como na mentalidade do homem da época a doença nada mais era do que um castigo divino, procissões e outras formasbetpagaglomeração aconteciam, na tentativa, segundo a mentalidade religiosa da época,betpagextirpar aquele mal."
"Mas já nessa época, assim como na épocabetpagAlexandre 7º, existiam os dormitórios para isolar os infectados. Esses 'lazarettos', como eram chamados, estavam sob a responsabilidade dos [religiosos] franciscanos", contextualiza. "Os viajantes, seguindo as normas sanitáriasbetpagalguns lugares, deveriam evitar o convívio com outras pessoas por 40 dias — daí que surge o termo quarentena."
No século anterior, a regiãobetpagMilão foi fortemente acometida pela peste. O cardeal arcebispobetpaglá, Carlo Borromeo (1538-1584), também estabeleceu medidas sanitárias rígidas embetpagcircunscrição.
"Ele fez a propostabetpaguma quarentena geral, que foi adotada [pela região]", diz Araujo. "Foi publicado um decreto que determinava que as pessoas se mantivessembetpagcasa até que a situação fosse controlada. Só podiam sair os que estavam cuidando espiritual e materialmente da população."
O pesquisador conta que até as missas foram realizadasbetpagum formato "à distância", conforme as possibilidades da época. "Um padre ia para a esquina e celebrava na rua. Os fiéis assistiambetpagsuas janelas,betpagdentrobetpagcasa", explica ele.
Fé e ciência
Ao analisar esses episódios do passado — muitas vezes semelhantes ao vivenciados hoje — dois pontos precisam ser levadosbetpagconta.
Este era um mundobetpagque a ciência ainda não era valorizada como hoje. E no qual religião e política estavam intrinsecamente mesclados.
"No século 17, absolutismo era muito forte na Europa e estava ligado ao poder da Igreja. Poder político e poder religioso, naquela época, ainda estavam muito misturados", explica Missiato.
"Naquele período, a Revolução Científica ainda não havia sido difundida nas diversas sociedades do mundo europeu. A crença no divino enquanto ente definidor da paz e do caos ainda era vista como o caminho para a salvação."
Por isso, o lockdown imposto por Alexandre 7º se torna ainda mais interessante.
"[O ocorrido] mostra um alinhamento entre fé e ciência", diz Araujo. "Uma fé que tem os pés no chão. Com base no que Roma já havia sofrido com a pestebetpagoutros momentos, [a experiência faz com que] eles passam a saber que essas medidas são importantes. Existem pastores sensíveis."
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