Com rosto ainda desconhecido, primeira escritora negra do Brasil é redescoberta após décadasbet163.com.branonimato:bet163.com.br
Em um busto esculpido embet163.com.brhomenagem, hoje exposto na Praça do Pantheon, no centrobet163.com.brSão Luís, pouco transparece da descrição feita por ex-alunos e conhecidosbet163.com.brMaria Firmina: uma mulherbet163.com.brrosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, cortado curto e amarrado na altura da nuca, com nariz curto e grosso.
Na estátua "o nariz é afilado, os lábios finos, cabelos lisos, amarradosbet163.com.brcoque,bet163.com.brnada se parecendo a uma mulher negra ou mulata", constata Agostinho.
Para ela, o escultor Flory Gama se preocupou antesbet163.com.brrepresentar a artista como a única mulher,bet163.com.brmeio aos bustosbet163.com.brtantos homens maranhenses ilustres, do que como negra. Daí os seios avantajados, ainda mais marcantesbet163.com.brcontraste com a magreza das feições da estátua.
As confusões com a imagembet163.com.brMaria Firmina espelhambet163.com.brprópria obra, que teve boa aceitação da crítica quando publicada, mas acabou caindo no esquecimento apósbet163.com.brmorte. Só seria redescobertabet163.com.br1962, quando o historiador paraibano Horáciobet163.com.brAlmeida (1896-1983) encontrou,bet163.com.brum sebo do Riobet163.com.brJaneiro, uma ediçãobet163.com.brÚrsula, único romance da escritora e hoje considerado o primeiro livro brasileiro a se posicionar explicitamente contra a escravidão, antecedendobet163.com.brmaisbet163.com.brdez anos obras como O Navio Negreiro (1870) e A Escrava Isaura (1875).
A biografia que se sabe
Maria Firmina nasceu no dia 11bet163.com.brmarçobet163.com.br1822, na cidadebet163.com.brSão Luís do Maranhão, filhabet163.com.bruma escrava alforriada ebet163.com.brum pai negro. Até 2017, acreditava-se que tivesse nascidobet163.com.br11bet163.com.broutubrobet163.com.br1825 — na realidade a databet163.com.brseu batismo —,bet163.com.brmãe branca com origem portuguesa, segundo a primeira biografia da autora, Maria Firmina - Fragmentosbet163.com.bruma Vida (1975), escrita pelo poeta e jornalista maranhense José Nascimento Morais Filho (1922-2009).
A descoberta da nova databet163.com.brnascimento foi feita por Mundinhabet163.com.brAraújo e Dilercy Adler, professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão que hoje ocupa a cadeirabet163.com.brMaria Firmina na Academia Ludovicensebet163.com.brLetras.
O caso é um exemplo do pouco que se conhece sobre a vida da autora. Do nascimento até a publicaçãobet163.com.brÚrsula,bet163.com.br1859, há várias lacunas. Sabe-se que ficou órfã e se mudoubet163.com.br1830 para a casa da tiabet163.com.brGuimarães, onde viveu até o fim da vida. Com a parente, que tinha melhores condições financeiras, teve a oportunidadebet163.com.brestudar, algo raro para mulheres negras no período.
Em 1847, foi aprovadabet163.com.brconcurso público para professorabet163.com.brprimário, cargo que exerceu até se aposentarbet163.com.br1881. No momentobet163.com.brreceber o título, Maria Firmina se recusou a ser levadabet163.com.brum palanquim sobre o ombrobet163.com.brescravos, uma tradição na época. "Negro não é animal para se andar montado nele", teria dito. Em vez disso, foi a pé.
Durante 50 anos, a escritora colaborou com vários jornais maranhenses, onde publicou poesias, contos e crônicas. Entre eles, os contos Gupeva (1861) e A Escrava (1887), doisbet163.com.brseus textos mais famosos.
Um ano antesbet163.com.brse aposentar, Maria Firmina fundoubet163.com.brGuimarães a primeira escola mista do Maranhão, que recebia gratuitamente meninos e meninas pobres. Morreubet163.com.br1917, aos 95 anosbet163.com.bridade, deixando 11 filhos adotivos.
Além da imagem, Adler lembra que faltam detalhes importantes da biografia da escritora, como os anosbet163.com.brsua juventude, a vida do pai, João Pedro Esteves, e onde ela teria realizado seus estudos.
"Guimarães era uma vila pequena naquela época, então onde ela pode ter estudado? Ainda existe uma longa jornada pela frente, e todas essas dúvidas só nos instigam a buscar mais respostas", diz a pesquisadora.
O escravo humanizado
Maria Firmina esteve entre os primeiros escritores abet163.com.brfato dar voz a personagens negros no Brasil, afirma o professorbet163.com.brliteratura brasileira da Universidadebet163.com.brBrasília Dangleibet163.com.brCastro.
"O enfoque dado aos problemas da escravidão, como a situação da criança negra, a perdabet163.com.bridentidade dos escravosbet163.com.brseu deslocamento da África para o Brasil e o alcoolismo são formasbet163.com.brrepresentar o lugar dos negros na sociedade brasileira do século 19", explica.
Para Agostinho, da Universidade Federal do Maranhão, a autora humanizava os personagens cativos, colocando-osbet163.com.brpébet163.com.brigualdade com os brancos da trama — a Úrsula do título do romance é uma mulher branca.
"Ele escuta a nênia plangentebet163.com.brseu pai, escuta a canção sentida que cai dos lábiosbet163.com.brsua mãe, e sente como eles, que é livre; porque a razão lho diz, e a alma o compreende. Oh! A mente! Isso sim ninguém a pode escravizar!" O trechobet163.com.brÚrsula retrata uma reflexão do escravo Túlio sobrebet163.com.brcondição. Também no livro, a negra Susana descreve as dificuldades do traslado entre África e Brasil anos antes da publicação de O Navio Negreiro,bet163.com.brCastro Alves.
De acordo com a pesquisadora, exemplos como esses mostram que Maria Firmina apresentava personagens escravos "com uma positividade que não foi feita nem depois dela, mesmo por escritores abolicionistas".
Isso porque livros posteriores, como As Vítimas-Algozes (1869),bet163.com.brJoaquim Manuelbet163.com.brMacedo, e A Escrava Isaura (1875),bet163.com.brBernardo Guimarães, teriam sido escritos para sensibilizar leitores brancos, mostrando como a escravidão poderia ser um problema para eles, mas deixandobet163.com.brsegundo plano o sofrimento dos negros.
Décadas mais tarde, com o avanço da causa na sociedade brasileira, a autora chegou a criarbet163.com.brcontos como A Escrava personagens negras abertamente abolicionistas.
A questão da mulher
O caso da escritora foi atípico para a sociedade profundamente machista da época. Segundo a professora da Universidade Estadual do Piauí Algemirabet163.com.brMacêdo, ela foi a única mulher com presença tão marcada na imprensa maranhense ao longobet163.com.brtodo o século 19.
Esse descompasso não passava despercebido à própria autora, que, no prólogobet163.com.brÚrsula, dizia ter consciênciabet163.com.brque "pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira,bet163.com.breducação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem".
Nabet163.com.brescrita, destaca-se uma pluralidade do retrato das mulheres, com exemplos que vão desde o ideal feminino do período até personagens que desafiam fortemente as convenções.
"No conto A Escrava, encontramos gruposbet163.com.brmulheres que se sujeitam aos ditames dos maridos ou apoiam a escravidão, mas também outras da sociedade burguesa que lutam contra ela", explica Macêdo.
A pesquisadora também aponta a personagem da negra Susana,bet163.com.brÚrsula, como uma quebra no estereótipo da mulher negra sexualizada, interessadabet163.com.brseduzir, muito presente na literatura do período.
"Ela é descrita como uma mulher não atraente, magra, seca. A autora não se preocupoubet163.com.brincluir esse aspecto que a cultura brasileira costuma dar para mulheres negras."
Reconstruindo vida e obra
Na cidadebet163.com.brGuimarães, da casa onde Maria Firmina viveu e lecionou a única memória que resta é uma placa com seu nome, sobre a fachadabet163.com.bruma lojabet163.com.brmóveis construída no mesmo lugar. Quando visitou o local,bet163.com.br2012, Agostinho não encontrou nas bibliotecas públicas nenhum exemplar da obra da autora. Nem mesmo seu túmulo estava identificado — na ocasião, a placa tinha sido roubada por vândalos.
Apesar do descaso com a memória físicabet163.com.brMaria Firmina, a pesquisadora relatou embet163.com.brtese que os moradores conheciam a autora, concluindo que "a memória socialbet163.com.brMaria Firmina dos Reis está viva entre os habitantes da cidadebet163.com.brGuimarães".
Desde então, o reconhecimento da escritora no país se expandiu. Entre os anosbet163.com.br2017 e 2018, Úrsula ganhou 13 novas edições. Além disso, vários estudos foram dedicados abet163.com.brvida e obra e,bet163.com.br2019, a escritora foi homenageada com um Doodle do Google —bet163.com.broutubro, ainda na data erradabet163.com.brseu nascimento.
Para Dangleibet163.com.brCastro, o lugar da autorabet163.com.brnossa literatura vem sendo progressivamente recuperado. "A obrabet163.com.brFirmina é atual, mesmo distante no tempo histórico. É uma autorabet163.com.brgrande força expressiva e, por isso,bet163.com.brleitura é importante para compreender a complexidade da sociedade brasileira."
"Algumas pessoas têm publicado trabalhos sobre o livro Úrsula, mas ainda é pouco para a grandiosidadebet163.com.brMaria Firmina, considerando que foi a primeira romancista brasileira", afirma Dilercy Adler. "Nós brasileiros não valorizamos a nossa cultura. Por isso, é importante continuar consolidando essa visibilidade."
Desde 1976, o Maranhão comemorabet163.com.brhomenagem à autora o Dia da Mulher Maranhense, que mudoubet163.com.broutubro para março com a descobertabet163.com.br2017 da databet163.com.brnascimento realbet163.com.brMaria Firmina. Em 2018, a escritora foi uma das artistas homenageadas na Flup (Festa Literária das Periferias), no Riobet163.com.brJaneiro, que organizou um concurso visando recriar o rosto dela.
"Ainda estamos reconstruindo a históriabet163.com.brMaria Firmina", diz Algemirabet163.com.brMacêdo. "Quando comecei a pesquisar sobre ela,bet163.com.br2011, me sentia praticamente sozinha. Hoje fico felizbet163.com.brver minha voz ecoada."
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