'Meu pai, o genocida': as filhas7games app para maiorestorturadores na Argentina que romperam silêncio sobre 'segredo familiar':7games app para maiores

Paula e o pai

Crédito, Paula / HISTORIAS DESOBEDIENTES

Legenda da foto, 'Somos filhas biológicas desses genocidas, mas repudiamos o que nossos pais fizeram', diz Paula, cujo pai trabalhava para a polícia secreta
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O temido Doutor K

Analía Kalinec dançando com o pai

Crédito, Analía Kalinec

Legenda da foto, Analía com seu pai, Eduardo Emilio Kalinec

Analía Kalinec,7games app para maiores40 anos, tem olhos claros, grandes e silenciosos. Ela se apresenta e conta7games app para maioreshistória: "Sou professora, psicóloga, mãe7games app para maioresdois filhos... e também filha7games app para maioresum genocida.

Meu pai nasceu7games app para maiores1952, no seio7games app para maioresuma família7games app para maioresclasse média que tinha dificuldades econômicas. Ele abandonou os estudos no terceiro ano do ensino médio e decidiu entrar na Polícia Federal por volta7games app para maiores1973, muito jovem.

Nasci na ditadura e sempre soube que meu pai era policial, não nos perguntávamos o que ele fazia ou deixava7games app para maioresfazer. Em casa, ele era um pai muito presente, mas nunca perguntei nada a ele.

Éramos uma 'família típica', que se reunia para comer churrasco, ir ao clube da polícia e pescar... Meu pai era o pai provedor, muito querido, muito respeitado dentro7games app para maiorescasa.

Nós éramos quatro irmãs e vivíamos na nossa bolha. Depois, fomos nos casando e tendo filhos, como esperavam7games app para maioresnós. Fui a última das quatro, casei com apenas 22 anos... imagine!

E a vida era assim. Até o ano7games app para maiores2005.

Analía Kalinec com a família nos anos 1980

Crédito, Analía Kalinec

Legenda da foto, Os Kalinec eram uma 'família típica', que se reunia para comer churrasco, ir ao clube da polícia e pescar

Era o último dia7games app para maioresagosto. Eu estava7games app para maiorescasa quando recebi uma ligação. Era minha mãe. 'Olha, não entre7games app para maiorespânico, seu pai está preso. Mas fique tranquila, ele vai sair (de lá)'.

Até essa ligação, eu nunca havia relacionado meu pai à ditadura, nem7games app para maioreslonge... nem7games app para maioreslonge."

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7games app para maiores O comissário Eduardo Emilio Kalinec foi mantido7games app para maioresprisão preventiva. Ele havia sido mencionado no depoimento7games app para maiorestestemunhas e denunciado por crimes graves: 181 vítimas, acusações7games app para maioressequestro, tortura e assassinato. E tranquilizou a família dizendo que se tratava7games app para maioresuma jogada política contra ele.

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"No dia seguinte àquela ligação, visitamos meu pai na prisão. E ele nos disse que não precisávamos acreditar7games app para maioresnada, que muitas mentiras seriam ditas, mas que ele não tinha nada a se arrepender. Que ele tinha saído para lutar7games app para maioresuma guerra e que isso estava acontecendo agora porque 'revanchistas7games app para maioresesquerda' chegaram ao poder (uma alusão ao governo do então presidente Néstor Kirchner).

Não entendi nada, para mim a ditadura era algo do passado. Eu estava totalmente alheia ao que estava acontecendo no país. Eu trabalhava7games app para maioresuma escola particular, costumava encontrar minhas irmãs no fim7games app para maioressemana, circulávamos entre famílias7games app para maiorescolegas policiais do meu pai — e esse era meu círculo.

Eu não tinha acesso a muitas informações e tampouco tinha interesse. Meus pais também procuraram manter uma postura7games app para maioresneutralidade, 'não nos metemos7games app para maiorespolítica, somos apolíticos'.

Tanques e soldados7games app para maioresfrente à Casa Rosada

Crédito, AFP

Legenda da foto, Tanques e soldados7games app para maioresfrente à Casa Rosada,7games app para maioresBuenos Aires,7games app para maiores247games app para maioresmarço7games app para maiores1976

Quando meu pai foi preso, comecei com muita dificuldade a colocar tudo dentro7games app para maioresum contexto. Os três primeiros anos foram7games app para maioresnegação absoluta. De entender a ditadura, entender a luta das Mães e Avós (da Praça7games app para maioresMaio) e sentir empatia com elas, mas7games app para maioresdizer que meu pai não teve nada a ver com isso. Que foi um erro, que os julgamentos estavam indo bem, mas que estavam errados7games app para maioresrelação a meu pai.

Até que,7games app para maiores2008, eles levaram o caso dele a julgamento. E comecei a pensar que o que meu pai estava me dizendo não era bem verdade... "

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7games app para maiores Kalinec foi um dos 15 réus no primeiro julgamento do chamado Circuito ABO — sigla para os centros clandestinos7games app para maioresdetenção Atlético, Banco e Olimpo, que operaram sucessivamente entre 1976 e 1979. Tanto os acusados quanto muitos presos foram transferidos7games app para maioresum centro para outro.

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"Eu li o processo, que até aquele momento eu não tinha lido. Li com muita velocidade e pedindo para 'que o nome dele não apareça, por favor, que o nome dele não apareça'. Não queria pular nenhuma linha para ter certeza7games app para maioresque não havia perdido nada, e7games app para maioresrepente apareceu... Kalinec. Lembro claramente daquele momento.

Eu li os relatos das testemunhas, as descrições do que havia sido um campo7games app para maioresconcentração. Criar todo esse mapa na minha cabeça e colocar meu pai dentro dele tornou tudo inaceitável e difícil."

Eduardo Kalinec jovem

Crédito, Analía Kalinec

Legenda da foto, Eduardo Kalinec, então um policial jovem, era conhecido como o temido Doutor K
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7games app para maiores Para os sobreviventes que testemunharam, o pai7games app para maioresAnalía era o "Doutor K". Muitos torturadores usavam um pseudônimo para esconder7games app para maioresverdadeira identidade.

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"Eu sabia que chamavam ele7games app para maioresDoutor K porque ele havia me contado, mas depois negou. Uma vez perguntei por que, e ele me disse que era chamado7games app para maioresdoutor porque sempre foi muito correto e parecia um advogado.

Para meu marido, ele deu outra explicação, disse que era por causa7games app para maioresum produto7games app para maioreslimpeza que havia na época, a marca Doutor K: era ele quem fazia a limpeza. Terrível. E depois (eu descobri) outro fato não menos importante: ele era o doutor, e a sala7games app para maiorestortura era chamada7games app para maioressala7games app para maiorescirurgia.

Em seguida, procurei respostas no único lugar que podia: dentro da minha própria família. E deparei com um pai que queria justificar o injustificável e que, quando o repreendi, dizendo 'como você não fez nada, se há todos esses depoimentos no processo?', ele acabou confirmando o que eu temia.

E admitiu7games app para maioresparticipação.

Meu pai, hoje com 67 anos, fazia parte dos grupos que sequestravam e levavam as pessoas aos centros7games app para maioresdetenção clandestinos. Ele tinha 24 ou 25 anos na ditadura. Não dava ordens, apenas executava.

E, mesmo assim,7games app para maioresalguns trechos dos depoimentos, os sobreviventes dizem que era conhecido como alguém muito cruel dentro dos campos7games app para maioresconcentração. Eles temiam mais alguns repressores do que outros. E meu pai era um daqueles que metiam medo."

Operação nas ruas7games app para maioresBuenos Aires durante o regime militar

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Quando a junta militar assumiu o controle do país, as forças7games app para maioressegurança perseguiram aqueles que consideravam 'subversivos'
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As vozes das vítimas

Dezenas7games app para maiorestestemunhas,7games app para maioresdiferentes instâncias judiciais, apontaram Eduardo Kalinec como participante7games app para maioresinterrogatórios e sessões7games app para maiorestortura nos centros clandestinos.

Oito delas durante o julgamento do circuito ABO, que o levou a ser condenado à prisão perpétua. Ele foi descrito como um jovem7games app para maiorescabelos escuros, atarracado, com pescoço grosso e voz aguda.

"Muito temido" e "muito cruel" com os presos, segundo os relatos.

Ana María Careaga tinha 16 anos e estava grávida7games app para maiorestrês meses quando foi levada. O Doutor K a chutava toda vez que a via no banheiro. Em uma ocasião, ele a repreendeu aos gritos por não dizer que estava grávida. "Você quer que eu abra suas pernas e te faça abortar?"

Miguel D'Agostino o identificou como um dos três homens que o submeteram a cinco dias7games app para maioresinterrogatório com choque elétrico na "sala7games app para maioresoperações".

O ex-centro clandestino El Olimpo

Crédito, Valeria Perasso

Legenda da foto, O centro clandestino7games app para maioresdetenção El Olimpo, onde Kalinec torturava, funcionou por 17 meses

Delia Barrera também foi vítima7games app para maiorestortura durante os 92 dias7games app para maioresque ficou detida7games app para maioresEl Atlético. Era 1977, e ela tinha 22 anos.

"Estava encapuzada, havia muitas vozes ao meu redor. Até que uma voz diz 'comecem', e começaram a me bater. Me arrastaram pelo cabelo para o que chamavam7games app para maioressala7games app para maioresoperações. Havia três salas, e se ouvia quando torturavam outras pessoas na sala ao lado", contou Barrera à BBC News Mundo, serviço7games app para maioresespanhol da BBC.

"Eles me obrigaram a me despir. Me amarraram a uma cama7games app para maioresmetal, abriram minhas pernas, prenderam um cabo no polegar do meu pé esquerdo e me fizeram ouvir um barulho: 'shhhhh'. E me disseram: 'Você já conhece? Bem, agora vocês vão se conhecer'. E começaram os choques elétricos."

"Me acusaram7games app para maiorescolocar bombas no departamento7games app para maiorespolícia, o que eu nunca fiz. Me pediram nomes7games app para maiorescolegas7games app para maioresmilitância. E a tortura não parava... "

El Olimpo

Crédito, ARQUIVO CONADEP

Legenda da foto, Estima-se que cerca7games app para maiores500 presos tenham passado pelo centro7games app para maioresdetenção clandestino El Olimpo, localizado no bairro7games app para maioresFlores

Após uma sessão7games app para maiorestortura, ela conheceu Kalinec.

"Eles me bateram muito e me levaram para a enfermaria, um repressor a quem chamavam7games app para maioresDoutor K me interrogou, então pensei: 'Ah, um médico'."

"Ele disse que eu tinha quebrado as costelas, mas que não iria me enfaixar porque eu podia me enforcar com as ataduras. Consegui dar uma espiada, o capuz estava meio levantado e nunca esqueci o rosto7games app para maioresKalinec. No julgamento, estava com gel no cabelo, mas ainda tinha o bigode. Quando os juízes me perguntaram se eu reconhecia alguém, eu disse: 'Aí está o Doutor K, Kalinec'. Eu não poderia esquecer Kalinec."

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7games app para maiores Delia foi libertada e viveu para contar esta história, com sequelas físicas e mentais. Traumas do choque elétrico, uma costela mal cicatrizada, repetidas tentativas7games app para maioressuicídio.

7games app para maiores Outros não tiveram a mesma sorte. Entre eles, seu marido Hugo Alberto Scutari. Ela não voltou a vê-lo desde que dividiram uma cela por algumas semanas no El Atlético. Hoje, ele é um dos presos políticos do regime desaparecidos: as organizações7games app para maioresdireitos humanos estimam que são cerca7games app para maiores30 mil, embora não haja um consenso sobre o número exato.

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Desaparecidos do circuito ABO

Crédito, ARQUIVO CONADEP

Legenda da foto, A maioria dos presos que passaram pelo circuito ABO ainda está desaparecida
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As cartas

Analía confrontou o pai com as evidências apresentadas no processo judicial.

"Depois7games app para maioresuma conversa na prisão, onde ele ficou muito desconfortável e nervoso, senti uma espécie7games app para maioreslibertação. Voltei para casa e escrevi Carta aberta a um repressor. Na minha família, sempre escrevíamos cartas. E usei o nome 'repressor'. Agora é completamente naturalizado, mas essa palavra precisou ser colocada... E como eu não podia dizer na cara, eu escrevi."

Aquele dia na prisão foi, sem que eu soubesse, a última vez que vi meu pai.

Não imaginava nem7games app para maioreslonge a dimensão que a rebeldia7games app para maioresme atrever a duvidar dele tomaria. Além disso, havia toda a censura da minha mãe e das minhas irmãs: 'Como você vai dizer isso a ele, justo neste momento7games app para maioresque ele mais precisa7games app para maioresnós, temos que estar unidos, e você vem com isso!'.

Minhas irmãs, que também são policiais, sempre ficaram do lado do meu pai. Hoje, não me relaciono com elas.

Kalinec

Crédito, CIJ

Legenda da foto, Eduardo Emilio Kalinec durante o julgamento — ele foi condenado à prisão perpétua

Naquela época, também comecei, além das cartas, a fazer um registro narrativo pessoal pensando nos meus filhos — e7games app para maiorescomo explicar a eles que,7games app para maioresrepente, ficaram sem avós, sem primos, sem tias.

E a coisa começou meio verborrágica, contei a eles toda a verdade. Ao ponto7games app para maioresum dia me ligarem da creche: 'Olha, precisamos marcar uma reunião, porque Gino (filho mais velho, então com 4 anos) disse aos colegas7games app para maioresturma que o avô dele estava na prisão porque havia matado muitas pessoas'. E os colegas começaram a perguntar se ele tinha metralhadoras, se tinha tanques... A professora ficou chocada.

É um exercício constante conciliar essa imagem do Doutor K com a do pai amável. No que se refere à vida7games app para maioresfamília, lembro dele fazendo cócegas, nos abraçando...

Em um primeiro momento, a dissociação foi mais forte. Me lembro7games app para maioresdizer 'de um lado está meu pai, e do outro lado, o genocida'. Mas ao trabalhar isso na terapia, acabei reconhecendo que não, que é sempre a mesma pessoa, uma única pessoa com uma parte que mantém oculta, mas que faz parte dela e que não me engana mais."

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7games app para maiores Kalinec foi condenado à prisão perpétua7games app para maioresdezembro7games app para maiores2010 por homicídio qualificado, tortura e privação ilegítima7games app para maioresliberdade, crimes agravados por terem sido cometidos por um funcionário público. Ele nega as acusações.

7games app para maiores Dos quase 3,3 mil investigados por crimes contra a humanidade desde que os julgamentos foram reabertos,7games app para maiores2007, 962 pessoas foram condenadas7games app para maiores238 processos, segundo o último relatório da Procuradoria7games app para maioresCrimes contra a Humanidade. Ainda há mais7games app para maiores350 processos7games app para maiorestramitação.

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Primeiro julgamento do circuito ABO, com leitura da sentença7games app para maioresdezembro7games app para maiores2010

Crédito, CIJ

Legenda da foto, Quinze acusados no primeiro julgamento do circuito ABO — na foto, Kalinec olha suas anotações na segunda fileira, o segundo a partir da esquerda
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Agente da polícia infiltrado

Mas nem todos os ex-membros das forças7games app para maioressegurança chegam ao banco dos réus. O pai7games app para maioresPaula* é um deles.

"Nasci7games app para maioresBuenos Aires7games app para maiores1980, quando a ditadura estava7games app para maiorespleno apogeu.

Desde que me dei conta7games app para maioresque o que havia acontecido na ditadura era responsabilidade do meu pai, que ele havia trabalhado para eles, esse sentimento7games app para maioresvergonha e culpa me acompanha, como se eu fosse cúmplice. Porque eu sei tudo isso e não há nada que eu possa fazer. Guardo um segredo que não quero guardar.

Paula e o pai

Crédito, Paula / HISTORIAS DESOBEDIENTES

Legenda da foto, Paula soube que o pai trabalhava para serviços7games app para maioresinteligência quando tinha 14 anos

Meu pai nunca foi levado à justiça. Como tenho certeza7games app para maioresque ele é culpado? Bom, porque ele me disse. Eu sei que ele fez parte da repressão, porque ele me disse. Meu pai trabalhava para os serviços7games app para maioresinteligência, provavelmente como espião.

Quando eu tinha 14 anos, meu pai levou meu irmão e eu para tomar um café e nos disse que era policial. Não tínhamos ideia. Ele contou que havia participado da "guerra contra a subversão", como ele chamava. E estava orgulhoso, se sentindo um herói. Naquela época, eu não entendi. Demorou um tempo, levei uns dois meses para digerir a informação.

Soldados revistam um civil7games app para maioresBuenos Aires,7games app para maiores1977

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Soldados revistam um civil7games app para maioresBuenos Aires,7games app para maiores1977

Ele costumava se infiltrar7games app para maioresdiferentes grupos7games app para maioresestudantes,7games app para maioresassistentes sociais ou7games app para maioresqualquer perfil que os militares não gostassem. E 'marcava' os militantes, passando o nome deles aos seus superiores.

Ele era muito jovem, tinha 20 e poucos anos e, pelas fotos que havia7games app para maiorescasa, não parecia um policial. Ele tinha cabelos compridos e usava camisas largas, como qualquer cara nos anos 1970. O que eu sabia é que ele era advogado.

Não socializávamos com outros policiais,7games app para maiorescasa ouvíamos música 'proibida' como (Joan Manuel) Serrat... Se você visse meu pai, não diria 'olha, um policial'. Na minha casa, nunca vimos um uniforme. Nunca.

Quando ele nos contou tudo, eu o confrontei. E disse: 'Não importa se eles fizeram algo ou não. Você não pode sequestrá-los e torturá-los! Não pode matar porque são, segundo você, subversivos! É simples, ninguém pode fazer isso, e muito menos o Estado poderia fazer'.

Eu tive essa conversa com ele muitas vezes. 'Eles eram terroristas', repetia ele. E daí? Digamos que fossem: você precisa agir dentro da lei. 'Você não entende, a ameaça comunista estava chegando', ele me repreendia. 'Não importa, pai. Não é razão para matar, torturar, estuprar e sequestrar crianças. De maneira nenhuma'.

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7games app para maiores Dez anos depois7games app para maioresdescobrir o segredo da família, Paula cortou relações com o pai.

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"Família é família... Então, eu tive7games app para maiorescontinuar convivendo com ele, depois fiquei sem vê-lo por um tempo porque estava com muita raiva. E era assim, idas e vindas,7games app para maioresparte porque minha mãe insistia: 'É seu pai, como você não vai vê-lo?' Mas quando minha mãe morreu, me senti mais livre e decidi dar um ponto final. Cortei relações com ele. E isso foi há 15 anos.

Paula e o pai

Crédito, Paula / HISTORIAS DESOBEDIENTES

Legenda da foto, Paula, quando era criança, com o pai: 'Nunca o vi7games app para maioresuniforme'

Não havia mais volta. Ele é uma pessoa horrível, e eu não quero alguém assim na minha vida. Ele sempre repetiu para mim que havia feito o que precisava ser feito, que agiu corretamente, que os crimes foram necessários. Ah, e ele não chamava7games app para maiorescrimes, é claro. Ele chamava7games app para maiores'ações'.

Então, a certa altura, já não me importava mais se ele havia sido condenado ou não, eu sabia o que ele tinha feito porque ele se vangloria disso. Ele fez parte deste mecanismo7games app para maioresviolência que defende até hoje.

Mães da Praça7games app para maioresMaio7games app para maiorespasseata7games app para maiores1986

Crédito, Eduardo Longoni / Getty Images

Legenda da foto, Protesto das Mães da Praça7games app para maioresMaio7games app para maiores1986

Eu não tenho boas lembranças,7games app para maioresqualquer maneira. Faço terapia há 15 anos e voltamos com frequência a esse tema: como é possível que não tenha nenhuma lembrança? Sei que há fotos7games app para maioresque somos uma família feliz, mas não tenho esse registro.

Se eu tiver7games app para maiorespensar7games app para maioresuma recordação boa... Deixa eu pensar... Acho que tenho uma... Poderia dizer que meu pai desenhava muito bem. Uma vez, ele desenhou uma Cinderela muito linda. Ele era um bom desenhista.

De resto, me dava medo. Ele tinha uma aura assustadora, digamos. Ele sabia como botar medo. Há um tempo atrás, me encontrei com amigos7games app para maioresinfância, estávamos lembrando daquela época e um dos meus amigos me confessou: 'Seu pai era muito assustador'. E eu pensei: 'Sim, eu também tinha medo dele'.

Não era violento, no sentido7games app para maioresque não nos submetia à violência física. Mas era um jogo psicológico."

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Histórias Desobedientes7games app para maioresmanifestação

Crédito, HISTORIAS DESOBEDIENTES

Legenda da foto, Analía (ao centro), junto a outros familiares7games app para maioresgenocidas, decidiu formar a organização Histórias Desobedientes

Histórias Desobedientes

Paula e Analía se encontraram não faz muito tempo com a ajuda das redes sociais. Elas decidiram que queriam se manifestar, sair às ruas, enfrentar a família e repudiar o que seus pais haviam feito aos olhos7games app para maiorestodos.

7games app para maiores Analía: "Começamos a ver que havia outras filhas e filhos7games app para maioresgenocidas que viviam silenciosamente7games app para maioresrejeição. Nos encontramos. Foi algo espontâneo dizer: 'Temos que fazer alguma coisa, isso é intolerável'. E nos perguntamos como nos apresentaríamos...

Decidimos deixar este lugar7games app para maioresparentes7games app para maioresgenocidas, repudiamos os crimes e abraçamos as bandeiras da memória, verdade e justiça. Decidimos nos chamar7games app para maioresHistórias Desobedientes. Fizemos uma bandeira e saímos marchando para a praça. Na primeira vez, éramos quatro, todas mulheres, cheias7games app para maioresenergia e alegria..."

7games app para maiores Paula: "Quando descobri (o grupo), foi um despertar: 'Meu Deus, eu sabia que não poderia ser a única!' Sinto que as pessoas no grupo me entendem como ninguém. Imagina, eu sei quem é meu pai desde os 14 anos e nunca conversei com ninguém.

A primeira pessoa para quem eu contei foi minha psicóloga, mas depois guardei esse segredo por 23 anos até encontrar com elas (há menos7games app para maioresdois anos). É uma loucura... tenho 39 anos e vivi 23 anos7games app para maioressilêncio."

Paula lê a introdução do livro 'Escritos desobedientes'

Crédito, VALERIA PERASSO

Legenda da foto, O grupo publicou um livro coletivo, chamado 'Escritos desobedientes' — na imagem, Paula na apresentação da publicação

7games app para maiores Analía: "Sim, sim. Temos uma necessidade7games app para maioresexpressão muito forte. Estamos sempre fazendo manifestos, redigimos um livro coletivo, um projeto7games app para maioreslei que tenta mudar a legislação argentina que hoje impede que um filho testemunhe contra os pais.

Queremos garantir que isso não se aplique7games app para maiorescasos7games app para maiorescrimes contra a humanidade — e possamos falar se soubermos7games app para maioresalgo que pode contribuir com os processos judiciais."

Analía Kalinec com o filho Bruno

Crédito, VALERIA PERASSO

Legenda da foto, Bruno,7games app para maiores12 anos, é o filho mais novo7games app para maioresAnalía — ele acompanha a militância da mãe

7games app para maiores Paula: "Quando você guarda um segredo por tanto tempo, conversar ajuda a lidar com a vergonha, um sentimento que muitos7games app para maioresnós compartilhamos no coletivo. Vergonha porque você sabe o que sabe, porque precisa se calar, porque tem medo do que as pessoas vão pensar.

É por isso que é importante 'sair do armário'. E sair coletivamente é muito mais poderoso. Porque podemos desafiar esses repressores7games app para maioresum lugar que ninguém pode: o lugar7games app para maioresfilhas ou filhos. Sabemos que eles não se arrependeram, sabemos que guardam segredos7games app para maioresum pacto inabalável7games app para maioressilêncio, segundo o qual ninguém conta o que fez na ditadura."

7games app para maiores Analía: "Ainda estou esperando meu pai falar. Eu sei que ele tem informações confidenciais. Sobre os desaparecidos, talvez sobre algum bebê que foi sequestrado e entregue a famílias que apoiavam o governo militar.

Ao contrário7games app para maioresoutros agentes da repressão que estão senis, meu pai está lúcido, tem uma memória prodigiosa. E saber o dano que continua provocando com seu silêncio cúmplice e criminoso me machuca muito."

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Acabou o amor?

A presença dos "desobedientes" nas manifestações por direitos humanos nas ruas7games app para maioresBuenos Aires ainda surpreende muita gente. Eles são um interlocutor novo — e nem todo mundo conhece o coletivo que os une.

Olham para eles com surpresa, com perplexidade. E os aplaudem quando passam, elogiam7games app para maiorescoragem.

Marcha do Dia da Memória, 2019

Crédito, VALERIA PERASSO

Legenda da foto, Argentinos vão às ruas todos os anos7games app para maioresmemória das vítimas do regime militar
Marcha do Dia da Memória, 2019

Crédito, VALERIA PERASSO

Legenda da foto, E pedem com cartezes: 'Nunca Mais'

Mas a presença deles também incomoda alguns sobreviventes e parentes7games app para maioresvítimas — vários, na verdade, se recusaram a participar desta reportagem.

"Sou uma pessoa muito dura diante7games app para maioresalgumas coisas. Os filhos desobedientes tiveram a oportunidade7games app para maioresdenunciar seus pais e não fizeram. Por que não fizeram isso antes?", critica a sobrevivente Delia Barrera.

"Porque quando você fala 'meu pai é isso' e depois diz que o ama, eu escuto e penso: 'Estamos na direção errada. Você não pode amar um repressor genocida. Me diz que você não o ama, e é outra história'."

É possível deixar7games app para maioresamar o pai que você já amou uma vez?

"Olha, eu me pergunto isso o tempo todo", admite Analía Kalinec.

Delia Barrera, sobreviviente do circuito ABO

Crédito, VALERIA PERASSO

Legenda da foto, Barrera testemunhou7games app para maioresvários processos: 'Para mim, contar o que aconteceu é uma missão7games app para maioresvida'

"Primeiro, porque foi um relacionamento7games app para maioresenorme afeto mútuo durante minha infância, minha adolescência e parte da minha vida adulta. Mas depois comecei a repensar tudo. Que tanto amor poderia haver ali, se quando começo a discordar dele ou a fazer perguntas, ele quer me deserdar?

Me recuso a renunciar ao pai que tanto amei. Eu sei que há uma parte7games app para maioresmim que quer conservá-lo e eu não quero ser tão cruel comigo mesma.

No coletivo, muitas vezes pensamos sobre isso, consideramos que não podemos amar nossos pais. Quem pode decidir amar ou não amar? Como se apaga o afeto? Como são apagadas as memórias? Então, por enquanto, vivemos com essas contradições."

Liliana Furió e Analía Kalinec na Marcha do Dia da Memória, 2019

Crédito, VALERIA PERASSO

Legenda da foto, Liliana Furió (à esquerda) é filha7games app para maioresum militar condenado, atualmente senil e7games app para maioresprisão domiciliar. Com Analía, ela fundou o coletivo Histórias Desobedientes
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Embora as filhas tenham cortado relações com seus respectivos pais há muitos anos, faz muito pouco tempo que quebraram o silêncio publicamente. A história — pessoal, social — delas ainda está sendo escrita.

Em 2019, Kalinec entrou com um processo7games app para maioresdentro da prisão para que Analía seja excluída da herança da mãe, que morreu7games app para maiores2015. E fez isso "por razões7games app para maioresindignidade": ele considera que a filha o difama e não deve se beneficiar do dinheiro da família, conforme registrado7games app para maioresuma carta assinada também por suas duas irmãs mais novas.

Em resposta ao processo, Analía indicou que aceitará o que seu pai quer se ele admitir7games app para maioresculpa e fornecer informações sobre o destino7games app para maioressuas vítimas.

"É cínico o que está acontecendo, mas me parece que o interessante desse julgamento contra mim é que, depois7games app para maiores12 anos sem nos ver, o diálogo que meu pai me negou agora se transformou7games app para maioresuma conversa por meio7games app para maioresmemorandos e advogados,7games app para maioresque ele tem7games app para maioresler o que tenho a dizer, e7games app para maioresque sigo exigindo que ele diga o que sabe", aponta a filha.

Marcha do Dia da Memória, 2019

Crédito, VALERIA PERASSO

Legenda da foto, Muitos aplaudem quando o grupo marcha para pedir justiça. Mas, para outros, eles são uma presença incômoda

Paula já não tem mais essa opção. Ela recebeu uma ligação do irmão recentemente. Ele contou que seu pai teve um derrame, chegou a ser operado, mas não recuperou a consciência.

"Não fui vê-lo no hospital. Tampouco fui ao funeral", diz Paula à BBC News Mundo.

"Decidi não ir porque pensei que seria desrespeitoso com aqueles que tinham uma relação com ele. E também porque, honestamente, uma parte7games app para maioresmim já estava7games app para maioresluto pelo meu pai."

"Mas vivo ou morto, eu, como filha, ainda me sinto responsável por falar, por dizer que condeno suas ações. Talvez encoraje outros a se manifestarem, para além do vínculo7games app para maioressangue que tenham com o agressor. Nada disso muda com a morte do meu pai."

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7games app para maiores *Paula pediu que não publicássemos seu sobrenome, para proteger a identidade7games app para maioresoutros membros7games app para maioressua família.

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