As crianças sequestradas e adotadas ilegalmente por militares durante a ditadura brasileira:cbet funciona

Certidãocbet funcionanascimentocbet funcionaRosângela Paraná

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Sequestrada assim que nasceu, Rosângela Paraná diz quecbet funcionacertidãocbet funcionanascimento foi falsificada
Capacbet funcionaCativeiro Sem Fim

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Eduardo Reina identificou 19 casoscbet funcionasequestros e apropriaçãocbet funcionabebêscbet funcionaseu livro

Dos 19 casos identificados até agora, 11 são ligados à guerrilha do Araguaia, movimento guerrilheirocbet funcionaoposição ao regime que ocorreu entre o final da décadacbet funciona1960 e o anocbet funciona1974 na Amazônia. "As vítimas são filhoscbet funcionaguerrilheiros ecbet funcionacamponeses que aderiram ao movimento. Era o segredo dentro do segredo", diz Reina.

Esses 11 casos, conforme descobriu o jornalista, foram realizados entre 1972 e 1974. Um dos casos reportados no livro é ocbet funcionaJuracy Bezerracbet funcionaOliveira. Quando ele tinha 6 anos, foi retiradocbet funcionasua família pelos militares. Por engano.

"Pensavam que ele era Giovani, filho do líder guerrilheiro Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão", conta o pesquisador. "Em comum com Giovani, Juracy tinha a pele morena, a idade aproximada e o nome da mãe biológica, Maria."

Juracy Bezerracbet funcionaOliveira

Crédito, Eduardo Reina/Divulgação

Legenda da foto, Juracy foi levadocbet funcionasua família aos seis anos, por engano

Conforme apurou o jornalista, Juracy foi levado para Fortaleza pelo tenente Antônio Essilio Azevedo Costa. Acabou registradocbet funcionacartório com o nome do militar como seu pai biológico. "O nome da mãe, entretanto, foi mantido: Maria Bezerracbet funcionaOliveira", conta Reina.

Ele viveucbet funcionaFortaleza até completar 20 anos. Depois voltou ao Araguaiacbet funcionabusca da mãe verdadeira. "Juracy também teve o irmão mais novo - Miracy - levado por outro militar. O sargento João Lima Filho foi com Miracy para Natal. Anos depois, Juracy e a mãe fizeram buscas pelo menino. Não foi encontrado", relata o autor do livro.

"A mágoa que tenho deles, dos militares, écbet funcionaterem me tirado da minha família biológica. Hojecbet funcionadia meus irmãos têm terra, gado. Eu tenho nada. O Exército tinha prometido me dar meio mundo e fundos. E não deu", desabafa Juracy.

Mas Giovani, o filho do Osvaldão, também teria sido encontrado pelos militares. Na operação que terminou com a morte da mulher do guerrilheiro, Maria Viana, os militares encontraram e levaram Giovani e Ieda, outra filha dela.

"Eu tinha seis anos. Quando cheguei no nosso barraco tinha acontecido isso. Eles tinham matado minha mãe e carregado o irmão meu, mais minha irmã, que sumiu também", relata Antônio Viana da Conceição, filhocbet funcionaMaria e irmãocbet funcionaGiovani e Ieda - que nunca mais foram encontrados.

Eduardo Reina e entrevistados

Crédito, Eduardo Reina/Divulgação

Legenda da foto, Eduardo Reina percorreu maiscbet funciona20 mil quilômetroscbet funcionabusca dos personagens sequestrados pelos militares

Pesquisa

Em entrevista à BBC News Brasil, o jornalista Eduardo Reina conta que estuda o tema há pelo menos 20 anos. "Mas não conseguia deslanchar pela faltacbet funcionaprovas e testemunhos concretos", diz ele. Em 2016, decidiu ir a campocbet funcionabuscacbet funcionarelatos concretos ecbet funcionadocumentos.

"Percorri maiscbet funciona20 mil quilômetroscbet funcionaterritório brasileirocbet funcionabusca dos personagens sequestrados pelos militares ou seus familiares. Acessei milharescbet funcionadocumentos militares, oficiais ou secretos. Tive acesso a muitos documentos considerados secretos no períodocbet funcionaditadura no Brasil", enumera.

"Nesse período, realizei maiscbet funcionauma centenacbet funcionaentrevistas. Li maiscbet funciona150 livros sobre a ditadura, alémcbet funcionatesescbet funcionadoutorado e dissertaçõescbet funcionamestrado, artigos acadêmicos, matériascbet funcionajornais. Pesquisei maiscbet funciona4 mil edições dos jornais O Estadocbet funcionaS.Paulo, Folhacbet funcionaS.Paulo, O Globo e Estadocbet funcionaMinas à procuracbet funcionamatérias sobre o tema, alémcbet funcionaoutras leiturascbet funcionaartigos e documentos."

Depoiscbet funcionamuita checagem e cruzamentocbet funcionainformações, Reina conclui que ao menos os 19 casos relatados no seu livro são reais.

Reina procurou as Forças Armadas mas elas não quiseram se manifestar sobre os casos identificados. "Instituições envolvidas mantêm a posiçãocbet funcionanegação. Assim como se nega a prática da tortura e do assassinato nos porões do DOI-CODI, nas bases militares, nos quartéis e nas prisões", diz o jornalista.

"A divulgação desses 19 crimes hediondos, que não prescrevem, deve ser feita para que a história da ditadura do Brasil seja contada sob o olharcbet funcionatodos os envolvidos. E tomara que a comunicação desses sequestroscbet funcionabebês, crianças e adolescentes pelos militares leve outras pessoas a revelarem o que sabem e novos casos possam ser identificados."

A reportagem da BBC News Brasil também solicitou esclarecimentos às Forças Armadas, por meio da assessoriacbet funcionacomunicação do Ministério da Defesa. Até o fechamento desta reportagem, entretanto, eles não se posicionaram.

Rio Araguaia na cidadecbet funcionaSão Domingos do Araguaia, que à época era chamadacbet funcionaSão Domingos das Latas

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Rio Araguaia na região onde guerrilhacbet funcionamesmo nome se organizou na época da ditadura

Camponeses

Entre novembrocbet funciona1973 e o iníciocbet funciona1974, seis filhoscbet funcionacamponeses aliados aos guerrilheiros do Araguaia teriam sido sequestrados, segundo informações descobertas por Reina. José Vieira, Antônio José da Silva, José Wilsoncbet funcionaBrito Feitosa, Josécbet funcionaRibamar, Osniel Ferreira da Cruz e Sebastiãocbet funcionaSantana. "Eram todos jovens, adolescentes que trabalhavam na roça para o sustentocbet funcionasuas famílias. Foram enviados a quartéis", conta o jornalista.

José Vieira é filhocbet funcionaLuiz Vieira, agricultor que foi morto pelas forças militares durante a guerra no Araguaia. José foi preso junto com o guerrilheiro Piauí, então subcomandante do Destacamento A,cbet funcionaSão Domingos do Araguaia.

"Saicbet funcionalá com o Piauí. Ele era o comandante dos guerrilheiros. Eu fiquei lá e a tropa chegou e me cercou. Soube que eu tinha ido lá para falar com minha mãe. Mas antescbet funcionaminha mãe chegarcbet funcionacasa, a tropa cercou. Aí me pegaram. Eu mais ele, o Piauí", descreve Vieira.

Piauí, apelidocbet funcionaAntôniocbet funcionaPádua Costa, ex-estudantecbet funcionaAstronomia da UFRJ, é listado como um dos guerrilheiros "desaparecidos", após ser capturado no iníniciocbet funciona1974. A essa altura, o Exército havia enviado milharescbet funcionasoldados para caçar os cercacbet funciona80 guerrilheiros que se esconderam na mata no sul do Pará. Segundo o relatório da Comissão da Verdade, setenta deles foram mortos ou executados na selva.

O nomecbet funcionaVieira, nascidocbet funciona1956, está registradocbet funcionadocumentos do Centrocbet funcionaInformações do Exército (CIE) junto com os nomes dos outros cinco filhoscbet funcionacamponeses sequestrados pelos militares entre o fimcbet funciona1973 e o iníciocbet funciona1974. Era a fase mais gravecbet funcionarepressão à guerrilha do Araguaia.

"Inicialmente, Vieira ficou preso e foi torturado na basecbet funcionaBacaba, erguida no km 68 da Transamazônica. Depois foi levado para o quartel general do Exércitocbet funcionaBelém do Pará; onde passou um mês e 12 dias. Depois foi para a 5ª Companhiacbet funcionaGuardas, no bairrocbet funcionaMarambaia, tambémcbet funcionaBelém. Na sequência foi transferido para Altamira", narra Reina.

Certificadocbet funcionareservistacbet funcionaJosé Vieira, que teria sido falsificada pelo Exército

Crédito, Eduardo Reina/Divulgação

Legenda da foto, José Vieira é filhocbet funcionaagricultor morto pelas forças militares durante a guerra no Araguaia; ele foi preso e depois incorporado ao Exército

Foi ali que ele acabou incorporado ao Exército. Tornou-se soldadocbet funciona5cbet funcionamarçocbet funciona1975, serviu no 51º Batalhãocbet funcionaInfantariacbet funcionaSelva, conforme aponta seu certificadocbet funcionareservista.

Um garimpeiro chamado Dejocy Vieira da Silva, que moracbet funcionaSerra Pelada no Pará, conta que foram 11 as crianças sequestradas naquela época. Eram filhascbet funcionaguerrilheiros com camponesas e filhoscbet funcionacamponeses que aderiram à guerrilha do Araguaia. Dejocy esteve inicialmente com os comunistas do PCdoB. Depois, durante combate na selva com militares, levou tiro. Sobreviveu, mas ficou com sequelas. Então se bandeou para o lado do major Sebastião Curió e passou a ajudar o Exército.

Dejocy confirma a existênciacbet funcionaordem para sequestrar e desaparecer com os filhos dos guerrilheiros ecbet funcionacamponeses. Afirma se lembrar da história do sequestrocbet funcionaGiovani, filho do líder dos guerrilheiros, Oswaldão. Não presenciou o crime. Diz que foram realizadascbet funcionasegredo as operaçõescbet funcionasequestro dos filhoscbet funcionaguerrilheiros ecbet funcionalavradores. "Fizeram tudo às caladas", diz o garimpeiro-guerrilheiro.

O sequestrocbet funcionabebês, crianças e adolescentes filhoscbet funcionamilitantes políticos oucbet funcionapessoas ligadas a esse grupo tinha como objetivo difundir o terror entre a população; vingar-se das famílias; interrogar as crianças; quebrar o silênciocbet funcionaseus pais, torturando seus filhos; educar as crianças com uma ideologia contrária à dos seus país, além da apropriação das vítimas.

Em busca dos pais biológicos

Para Eduardo Reina, um "caso emblemático" do modus operandi dos militares é ocbet funcionaRosângela Paraná. "Ela foi pega assim que nasceu, no Rio Grande do Sul ou Riocbet funcionaJaneiro. Acabou entregue a Odyrcbet funcionaPaiva Paraná, ex-soldado do Exército pertencente a tradicional famíliacbet funcionamilitares. Seu pai - Arcy - foi sargento; e seu tio-avô Manoel Hemetério Paraná, médico que chegou ao postocbet funcionamajor e ex-superintendente do Hospital Geral do Exércitocbet funcionaBelém do Pará", conta o jornalista.

"Odyr manteve relaçõescbet funcionatrabalho, atravéscbet funcionaprestaçãocbet funcionaserviços, com o ex-presidente da República e general Ernesto Geisel. Foi seu motorista por algum tempo no Riocbet funcionaJaneiro. Também trabalhou na Petrobras e Ministériocbet funcionaMinas e Energia", prossegue.

Foi somentecbet funciona2013, após uma discussãocbet funcionafamília, que Rosângela descobriu que havia sido sequestrada. "Sua certidãocbet funcionanascimento é falsificada, foi registradacbet funciona1967cbet funcionacartório no bairro do Catete, no Rio. O documento aponta 1963 como anocbet funcionaseu nascimento", conta Reina. "A certidão apresenta como localcbet funcionanascimento um imóvel numa rua no bairro do Flamengo. Mas levantamentocbet funcionacartório demonstra que a casa citada na certidão pertence a autarquiacbet funcionaprevidência dos servidores públicos desde 1958."

Rosângela seguecbet funcionabuscacbet funcionaseus pais biológicos. Debilitada física e emocionalmente, ela conversou com o autor do livro. "Hoje vivo na angústiacbet funcionanão saber quem sou, quantos anos tenho, e sequer saber quem foram ou quem são meus pais. Todos se negam terminantemente a falar sobre esse assunto. Só desejo saber quem sou, e onde está a minha família. Acredito que esse direito eu tenho, depoiscbet funcionasofrer tantos anos. Hoje só sei que sou um ser humano que nada sabe sobre seus pais. Desejo Justiça", diz ela.

Rosângela Paraná, sequestrada na décadacbet funciona1960

Crédito, Reprodução Youtube

Legenda da foto, Rosângela foi sequestrada na décadacbet funciona1960 e hoje buscacbet funcionaverdadeira família

"A família Paraná fez um pactocbet funcionasilêncio para que não se fale o nome dos pais biológicos oucbet funcionaonde a bebê veio", conta Reina. "Odilma, irmãcbet funcionaOdyr, o pai adotivo já falecido, confirma apenas que Rosângela foi adotada e que a mãe 'era uma baderneira'."

Reina comenta que o objetivocbet funcionaseu trabalho "é puramente jornalístico e histórico". "Dar voz àqueles que foram esquecidos à força, invisibilizados pela história e pela mídia. Contar a verdadeira história da ditadura no Brasil, no período entre 1964 e 1985, sem filtros ou pendênciascbet funcionanarrativa."

"É mostrar a verdade. Mostrar a realidade. Mostrar a históriacbet funcionapessoas que foram jogadas no buraco negro da história do Brasil. De pessoas que foram usadas pelas forças militares na ditadura. Mostrar as históriascbet funcionapessoas que vivem num cativeiro sem fim."

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