Como a crise na Argentina mudou a vida na favela mais antigaslot 777 gratisBuenos Aires:slot 777 gratis

Villa 31

Crédito, Movimiento Evita

Legenda da foto, Favela mais antigaslot 777 gratisBuenos Aires, Villa 31 tem quase 80 anos e está encravadaslot 777 gratisárea nobre da cidade

Apesarslot 777 gratisa produçãoslot 777 gratiscarne bovina na Argentina ter avançado 7,4% entre 2017 e 2018, o consumo interno diminuiu, ainda que levemente (0,1%),slot 777 gratisacordo com as estatísticas do Foreign Agricultural Service, ligado ao Ministério da Agricultura dos EUA.

A projeção para 2019 éslot 777 gratisum recuo bem mais forte,slot 777 gratis4,7%.

Pessoas assistem a partidaslot 777 gratisum dos camposslot 777 gratisfutebol da Villa 31

Crédito, Movimiento Evita

Legenda da foto, Comunidade reúne 40 mil moradores,slot 777 gratisacordo com dados oficiais

Isso porque,slot 777 gratisum ano para cá, os preços dos alimentos no país dispararam. Desde maioslot 777 gratis2018, o peso sofreu forte desvalorização frente ao dólar, com impacto direto na inflação, que chegou a 55% no acumuladoslot 777 gratis12 meses até abril.

A disparada no índiceslot 777 gratispreços também reflete a retiradaslot 777 gratissubsídios que barateavam uma sérieslot 777 gratisserviços essenciais, entre eles gás, energia elétrica e transporte público.

Tudo ficou mais caro na Argentina. Como os salários não acompanharam, a pobreza cresceuslot 777 gratis25,7% da populaçãoslot 777 gratis2017 para 32% no fim do ano passado, um aumentoslot 777 gratisquase 3 milhõesslot 777 gratispessoas.

A Villa 31 é um desses lugaresslot 777 gratisque as estatísticas têm nome e sobrenome.

A favela mais simbólicaslot 777 gratisBuenos Aires

Ao contrário da maioria das favelas do Rio, ela é plana. Ao contrário da maioria das favelasslot 777 gratisSão Paulo, está encravada no centro da cidade.

Mais especificamente ao ladoslot 777 gratisPuerto Madero, o porto gentrificadoslot 777 gratisBuenos Aires, que reúne alguns dos restaurantes mais caros da cidade.

Apesar da proximidade, a comunidade é quase invisível para o pedestre que caminha pela região, "escondida" atrás das linhasslot 777 gratistrem que atravessam a estação Retiro Mitre, um prédio histórico do início do século 20, guardada por um muro que se estende por metros a perderslot 777 gratisvista na avenida del Libertador.

Ela se descortina, entretanto, para quem entra ou sai da cidade pela autopista Presidente Arturo Umberto Illia, que rasga a favela ao meio. Do elevado se veem os varais com roupa estendida, as paredesslot 777 gratistijolos sem reboco, as lajes improvisadas e as ruas sem calçamento.

Nos últimos anos apareceram caminhões e betoneiras, agentesslot 777 gratisum projeto controversoslot 777 gratisreurbanização que é mais um capítulo da históriaslot 777 gratisuma favela se transformou muitas vezes nas últimas décadas.

A comunidade surgiu nos anos 1940slot 777 gratiscima do que sobrou da "Villa Desocupación", uma favelaslot 777 gratishabitações muito precárias erguida por imigrantes europeus fugindo da fome e da Grande Depressão - que foi violentamente destruída pelo poder públicoslot 777 gratis1935.

Registro da 'Villa Desocupación'

Crédito, Cortesia Valeria Snitcofsky

Legenda da foto, Registro da 'Villa Desocupación': favela foi destruída pelo poder público na décadaslot 777 gratis1930

Nesse primeiro momento, a Villa 31 reuniu estrangeiros, especialmente italianos, e migrantes internos, desempregadosslot 777 gratisuma Argentina ruralslot 777 gratiscrise dianteslot 777 gratisuma política econômica que privilegiava a construção da indústria nacional, explica Valeria Snitcofsky, professora do departamentoslot 777 gratisHistória da Universidadeslot 777 gratisBuenos Aires, que há 15 anos estuda as "villas" da cidade.

Nos anos da ditadura, entre 1976 e 1983, ela quase foi erradicada. A política higienista dos anosslot 777 gratischumbo reduziram as populaçõesslot 777 gratisfavelas na capitalslot 777 gratis213,8 milslot 777 gratis1976 a apenas 12,6 milslot 777 gratis1983, conta a historiadora.

A comunidade foi uma das poucas que resistiu. Madgalena chegou à 31 no primeiro ano da redemocratização, quando ela voltou a ser ocupada.

Nessa época, as favelasslot 777 gratisBuenos Aires ainda eram chamadasslot 777 gratis"villas misérias", terminologia que caiuslot 777 gratisdesuso nas últimas décadas diante do processoslot 777 gratisurbanização - ainda que desordenado e precário - desses espaços.

Registro da 'Villa Desocupación'

Crédito, Cortesia Valeria Snitcofsky

Legenda da foto, 'Villa Desocupación': comunidade que antecedeu Villa 31 abrigou especialmente imigrantes estrangeiros fugindo da Grande Depressão

Não havia água encanada. Os moradores recorriam a uma fonte e se abasteciam com baldes. A energia vinhaslot 777 gratisum gato engenhoso desenvolvido por um grupo que trazia cabos das linhasslot 777 gratistensão por debaixo da terra.

"A gente tomava cuidado pra não ostentar. Deixava a luz ligada poucas horas por dia, fechava as cortinas."

Da ditadura chilena à Argentina

Magdalena tem 57 anos, mas parece pelo menos 15 anos mais jovem. Baixa estatura, magra, o rosto emoldurado pelo cabelo cacheado farto, na altura dos ombros.

Em volta da mesa na pequena cozinha do sobradoslot 777 gratisque mora, ela aponta para o fundo do corredor: "Foi aqui que criei meus sete filhos, naquele quartinho, com as camas enfileiradas".

Chilena, ela se mudou para a Argentinaslot 777 gratis1975. A família fugia da ditaduraslot 777 gratisPinochet, que havia sequestrado seu pai e o torturado por três meses.

Esse foi um períodoslot 777 gratisque ela e mãe sobreviveram comendo cascasslot 777 gratislaranja que encontravam no lixo, enquanto procuravam pelo paislot 777 gratistoda a cidadeslot 777 gratisSantiago.

"Ele era técnico-eletricista, não fazia sentido ter sido preso", conta.

Escapou com a ajudaslot 777 gratisum militar que o reconhecera entre os detidos.

"Ele sentiu uma mão no ombro e pensou que iam levá-lo, que era o fim. O homem falou: 'Você fez um serviço láslot 777 gratiscasa, não lembra? O que você tá fazendo aqui?' E providenciou a saída dele. Meu pai sempre contava essa história e brincava: 'Eu não lembrava, mas devo ter feito um trabalho decente, né?'."

No ano seguinte à chegada a Buenos Aires,slot 777 gratis24slot 777 gratismarçoslot 777 gratis1976, os militares deram o golpe que inaugurou um dos regimes mais repressores da história do país, com 30 mil mortos e desaparecidos.

"Minha mãe não conseguia acreditar, ela chorava todo dia."

Mais drogas e mais violência

Magdalena viu a villa crescer e,slot 777 gratisquase 30 anos, somar 40 mil habitantes - o dado oficial do censoslot 777 gratis2010, que ela diz estar subestimado.

"Hoje aqui tem pelo menos 70 mil pessoas. Nos últimos anos apareceram viviendas muito mais precárias, muito boliviano, paraguaio, peruano."

Parte dessa expansão se deu nos entornosslot 777 gratisSan Martín, área mais pobre da favela, com uma "entrada" própria e um fluxo intensoslot 777 gratisusuáriosslot 777 gratisdrogaslot 777 gratisfora do bairro que, muitas vezes, acabam dormindo pelas ruas da comunidade.

A droga que hoje se fuma a céu abertoslot 777 gratispraticamente todas as favelasslot 777 gratisBuenos Aires é o paco, parecida com o crack.

O avanço do paco na Argentina "não tem 20 anos", diz a historiadora Valeria Snitcofsky, e é um problema que tende a piorarslot 777 gratismomentosslot 777 gratiscrise como o atual,slot 777 gratisque a pobreza aumenta e o horizonteslot 777 gratisperspectivas para os jovens diminui, acrescenta Maria Cristina Cravino, antropóloga, pesquisadora do Consejo Nacionalslot 777 gratisInvestigaciones Científicas y Técnicas (Conicet) com sede na Universidade Nacionalslot 777 gratisRio Negro.

Placa oferece serviçoslot 777 gratisfreteslot 777 gratisfrente a casa na Villa 31

Crédito, Movimento Evita

Legenda da foto, Placa oferece serviçoslot 777 gratisfrete: renda da maioria das famílias vem do trabalho informal ou do benefício pago aos trabalhadores da 'economia solidária', que atuam nos refeitórios ou na coletaslot 777 gratislixo na comunidade

"Antes os pibes (jovens) eram mais respeitosos. Costumavam fumar maconha, mas não assim, esse tiposlot 777 gratiscoisa e no meio da rua", diz Angelica Regules,slot 777 gratis29 anos, que nasceu e cresceu na Villa 31.

Com o aumento do usoslot 777 gratisdrogas, também cresceram os roubos, que eram raros entre os moradores do bairro.

Os roubos na cidadeslot 777 gratisBuenos Aires avançaram 13% entre 2015 e 2016, para 2.328,3 por 100 mil habitantes. Em outubroslot 777 gratis2016, a insegurança estava entre as maiores preocupações dos argentinos (18,4%), quase empatada com a corrupção (18,9%) e a inflação (18,7%),slot 777 gratisacordo com uma pesquisa realizada pela consultoria Management and Fit, ainda não atualizada.

Parte da alta foi devolvidaslot 777 gratis2017, quando o indicador cedeu para 2.226,7 (-4,4%), mas esse recuo ainda não é percebido entre os moradores do bairro.

O cotidianoslot 777 gratisviolência não competeslot 777 gratisnúmeros com as favelas das grandes capitais brasileiras - a taxaslot 777 gratishomicídios por 100 mil habitantes da capital éslot 777 gratis4,8, contra 30,3 na média do Brasil -, mas todo morador da Villa 31 tem alguma história recente para contar - alémslot 777 gratis"acertosslot 777 gratiscontas" do tráfico, casos macabrosslot 777 gratisfeminicídio, como o da paraguaia Liliana González, morta a facadas e esquartejada pelo maridoslot 777 gratismarço.

Ambulâncias e carrosslot 777 gratisbombeiro só entram na comunidade com escolta policial.

Mais fome

Os usuáriosslot 777 gratisdrogas que andam errantes pelo bairro às vezes chegam a bater na portaslot 777 gratisMagdalena para pedir comida - a casa dela é uma das "merenderas" do bairro.

As "merenderas" e os "comedores comunitários" são uma "experiência muito arraigada" nas villas da capital, explica a antropóloga Maria Cristina Cravino.

Elas surgiram na época da criseslot 777 gratishiperinflaçãoslot 777 gratis89 na Argentina, reunindo voluntários dispostos a cozinhar para os vizinhos que, diante dos aumentos sucessivosslot 777 gratispreços, não conseguiam mais fazer todas as refeições.

Crianças e jovens brincam na Villa 31

Crédito, Movimiento Evita

Legenda da foto, Númeroslot 777 gratis'merenderas' e refeitórios na comunidade cresceu nos últimos anos na esteira da crise

Nos últimos quatro anos, Magdalena e outros membros da Confederaciónslot 777 gratisTrabajadoresslot 777 gratisla Economía Popular (CTEP) na comunidade abriram quatro refeitórios. A ideia inicial era atender crianças -slot 777 gratisfato, hoje eles servem duas refeições por dia para 250 "pibes" do bairro.

Nos últimos meses, contudo, cada vez mais adultos têm pedido às voluntárias para serem atendidos.

"As pessoas chegam dizendo que estão com fome e me perguntam se eu tenho qualquer coisa. O que eu vou fazer?"

O governo envia os alimentos e paga por parte da infraestrutura. Quando os recursos não são suficientes, os moradores muitas vezes colocam do próprio bolso.

Magdalena e outras dezenasslot 777 gratisvolutários recebem pelo trabalho no refeitório o chamado "salario social complementário".

O benefício foi criadoslot 777 gratis2017 depois da realizaçãoslot 777 gratismarchasslot 777 gratistodo o país pedindo a aprovaçãoslot 777 gratisuma "leislot 777 gratisemergência alimentar" e é pago a todos aqueles envolvidos na "economia popular" - "toda atividade associada à melhora dos meiosslot 777 gratisvidaslot 777 gratisatoresslot 777 gratisalta vulnerabilidade social",slot 777 gratisacordo com a Resolución E 201/2017.

Essa é uma particularidade das favelas da capital portenha: os moradores muitas vezes se organizamslot 777 gratiscooperativas para prestar os serviços queslot 777 gratisteoria são função do Estado, praticamente ausente nessas regiões. No caso da Villa 31, além dos refeitórios, a coletaslot 777 gratislixo e limpeza do bairro são feitas pelos "vecinos".

A remuneração paga pelo governo equivale a cercaslot 777 gratismetadeslot 777 gratisum salário mínimo argentino, R$ 450. Nos últimos meses, diante do avançoslot 777 gratisdesemprego e da crise, o que era "complementário" se tornou a única fonteslot 777 gratisrendaslot 777 gratismuitas famílias.

Magdalena consegue tirar um extra vendendo roupas doadas na feira que toma a entrada da favela, um enorme comércio a céu aberto.

Angelica, porslot 777 gratisvez, conta com o que ganha como "merendera" e com o benefício recebido marido, que trabalha na cooperativaslot 777 gratiscoletaslot 777 gratislixo.

Sai a 'parrilla', entra o 'puchero'

A crise com inflação alta como a que a Argentina vive hoje tem impacto negativo sobre praticamente todas as classes sociais, mas é mais perversa entre os mais pobres.

Isso porque transportes e alimentos são itens que têm um peso grande na cestaslot 777 gratisbens e serviços consumida pelas famíliasslot 777 gratisbaixa renda, diz Maria Mercedes Di Virgilio, pesquisadora do Conicet com sede no Institutoslot 777 gratisInvestigaciones Gino Germani.

Eles já ocupam a maior parte do orçamento doméstico quando a economia vai bem. Sobra pouco para gastar com lazer, por exemplo, ou com bensslot 777 gratisconsumo duráveis. Quando chega a crise, como não há onde cortar, essas famílias perdem acesso inclusive a gêneros básicos.

"A perdaslot 777 gratispoder aquisitivo diminui a capacidade das famíliasslot 777 gratisconsumir no próprio bairro - as barraquinhasslot 777 gratischoripán, as feiras, os comércios", acrescenta a cientista social.

"E também tem impacto sobre a dieta. A carne é um alimento muito importante entre as famílias das classes populares na Argentina e foi um dos itens que registrou maior altaslot 777 gratispreços", conclui.

'Tarifaço' está entre as razões por trás das greves gerais realizadas na Argentina nos últimos meses

Crédito, JUAN MABROMATA/AFP

Legenda da foto, 'Tarifaço' está entre as razões por trás das greves gerais realizadas na Argentina nos últimos meses

Na casaslot 777 gratisCésar Luciano Sanabria, morador da Villa 31 praticamente desde que nasceu, há cercaslot 777 gratis33 anos, a parrilla foi substituída por pratos como "puchero" (cozido) e "guiso" (guisado)slot 777 gratisarroz,slot 777 gratisfideo (um macarrão fininho) ouslot 777 gratispapas (batatas).

Estudanteslot 777 gratisarquitetura, ele comanda uma das cooperativasslot 777 gratisconstrução do bairro. Começou a trabalhar ainda garoto, acompanhando o pai, que também era pedreiro,slot 777 gratisobras pela cidade. Hoje acumula funções para sustentar a esposa e a filhaslot 777 gratistrês anos.

"A carne está muito cara. Pra não cortar completamente a gente mistura com outras coisas, faz render mais."

A crise dificultou a vida nas favelasslot 777 gratisBuenos Aires. Mais que isso, porém, ela forjou um exércitoslot 777 gratisexcluídos que hoje dormem pelas ruas da capital, diz a antropóloga Maria Cristina Cravino.

"Essa é uma diferençaslot 777 gratisrelação a outras crises na Argentina. Os números oficiais ainda não saíram, mas para qualquer pessoa que ande pela rua é evidente. São família inteiras, crianças. Gente que não consegue mais pagar aluguel, nem mesmo nas favelas."

Magdalena, que há quase 40 anos engrossa as fileiras dos protestos que fizeram a fama dos argentinos no continente - "somos milhares nas ruas", diz, orgulhosa -, resume a sensaçãoslot 777 gratisimpotênciaslot 777 gratisuma vida dedicada a buscar condições mínimasslot 777 gratissobrevivência:

"Por que siempre tenemos que pelear por el pán?"

Rayita

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