O chocante caso do 'serial killer' confesso que, na verdade, nunca matou ninguém:bet 67

Thomas Quick

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Thomas Quick foi condenado por oito dos 39 assassinatos que confessou, apesarbet 67ser inocente

Mas, na verdade, ele era inocente — não havia matado ninguém. Todas as suas confissões eram falsas.

Sua imagem rodou o mundo — ele chegou a ser chamadobet 67monstro pela imprensa internacional, que o comparava ao personagem Hannibal Lecter, o sádico serial killer do filme O Silêncio dos Inocentes.

A verdade só foi descobertabet 672013, graças ao minucioso trabalhobet 67investigação do já falecido jornalista sueco Hannes Råstam, com a ajudabet 67sua assistente Jenny Küttim.

Depois disso, todas suas condenações por assassinato foram revistas e anuladas.

Prestes a completar 70 anos, Thomas Quick estábet 67liberdade. Vivebet 67um lugar sigiloso, fora da Suécia, e tenta recomeçarbet 67vida.

Hannes Råstam junto a Thomas Quick

Crédito, SVT/Lars Granstrand

Legenda da foto, A verdade foi descoberta pelo jornalista sueco Hannes Råstam, à esquerdabet 67Thomas Quick na foto, com a ajudabet 67sua assistente Jenny Küttim

Neste mês, foi lançado na Suécia e na Noruega o filme Quick, dirigido pelo cineasta Mikael Håfström, que conta a história do que é considerado o maior erro jurídico da história da Suécia.

Mas por que Quick mentiu? Por que confessou crimes terríveis que não havia cometido?

A BBC News Mundo, serviçobet 67espanhol da BBC, conversou com Jenny Küttim para tentar entender.

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bet 67 BBC News Mundo - Vamos começar do princípio. Quem era Thomas Quick? Que tipobet 67pessoa seria capazbet 67confessar maisbet 6730 assassinatos que não cometeu?

bet 67 Jenny Küttim - Quick era um perdedor, foi a ovelha negra da família a vida toda. Usava drogas e foi alguém que mentiu a vida toda.

Entre outras coisas, ele era homossexual, mas, como cresceubet 67uma família profundamente cristã que rejeitava a homossexualidade, ele se reprimia, não aceitava ser gay. E começou a molestar crianças quando estava drogado ou bêbado.

bet 67 BBC News Mundo - Em 1991, ele tentou roubar um banco vestidobet 67Papai Noel, armado com uma faca, para conseguir dinheiro para comprar drogas. Ele foi detido e foi parar na cadeia, é verdade?

bet 67 Küttim - Sim. Quick cometeu esse roubo e, por causabet 67seu depoimento, seu melhor amigo acabou na prisão. Então todos seus outros amigos deram as costas para ele. E ele se sentiu muito sozinho.

bet 67 BBC News Mundo - Pouco depoisbet 67ser preso, ele pediu para ser internado, por vontade própria, na clínica psiquiátricabet 67segurança máximabet 67Säter, a cercabet 67200 quilômetrosbet 67Estocolmo. Por quê?

bet 67 Küttim - Quick tinha 40 anos quando deu entrada na prisão psiquiátrica. Ele queria entender a si mesmo e a homossexualidade.

bet 67 BBC News Mundo - Como era a clínicabet 67Säter? Que tipobet 67tratamento ele recebeu lá?

bet 67 Küttim - Quando Quick chegou a Säter nos anos 1990, havia um grupobet 67psiquiatras e psicoterapeutas liderados por Margit Norell, uma psicanalista célebre na Suécia.

Norell queria entender como funcionava a mentebet 67um criminoso e, para isso, usou uma terapia baseada nos primeiros ensinamentosbet 67Sigmund Freud, segundo os quais mulheres com histeria reprimiam memórias e, portanto, desenvolviam essa doença nervosa.

Então eles tentaram tirar essas memóriasbet 67Quick. Mas Quick não tinha nenhuma história incrível para contar.

bet 67 BBC News Mundo - Quick começou a mentir para agradar psiquiatras e psicoterapeutas?

bet 67 Küttim - Quick queria continuar fazendo terapia, queria entender a si mesmo. E, além disso, na prisão psiquiátrica, davam drogas a ele, davam benzodiazepínicos (medicamentos psicotrópicos que são frequentemente receitados a viciadosbet 67drogas para ajudá-los a se acalmar).

E Quick era um viciado, queria drogas. Então ele começou a mentir para chamar a atenção dos psiquiatras.

Era fácil para ele, estava acostumado a mentir, tinha feito isso a vida toda. E começou a confessar crimes.

Ele sempre foi um leitor voraz, lia sempre os jornais. Por isso, conhecia os principais casosbet 67assassinato que abalaram a Suécia e que não haviam sido resolvidos, e alegou ser responsável por esses crimes.

bet 67 BBC News Mundo - Como os psiquiatrasbet 67Säter reagiram diante das confissõesbet 67Quick?

bet 67 Küttim - Os terapeutas ficaram bastante entusiasmados com o fatobet 67Quick ter confessado os crimes, crimesbet 67que ele "não se lembrava" até chegar à clínica.

Para ajudá-lo a "lembrar", davam a ele livros sobre serial killers, como Psicopata Americano, artigosbet 67jornal... Além disso, nos primeiros anos, Quick teve permissão para deixar Säter e ir até as bibliotecas públicasbet 67Estocolmo, onde lia nos jornais notícias sobre assassinatos.

bet 67 BBC News Mundo - E suponho que os terapeutasbet 67Säter tenham comunicado as confissõesbet 67Quick à polícia...

bet 67 Küttim - Quick nunca pensou que seria julgado, muito menos condenado pelos assassinatos que confessara para chamar a atenção dos terapeutas.

Mas os psicoterapeutas estavam convencidosbet 67que as confissões dele eram verídicas, que as coisas poderiam realmente ter ocorrido como Thomas Quick disse que aconteceram. Então convenceram a polícia que investigava os casos a acreditarbet 67suas memórias reprimidas.

Hannes Råstam,bet 67costas na foto, com Thomas Quick

Crédito, SVT/Lars Granstrand

Legenda da foto, A imagembet 67Thomas Quick rodou o mundo — ele chegou a ser chamadobet 67monstro pela imprensa internacional

Todos ficaram fascinados com Quick: os psiquiatras, a polícia... Acreditaram nele e realizaram buscas por toda a Suécia pelos corpos das pessoas que Quick disse ter matado.

Quando Quick falava que havia enterrado os restos mortaisbet 67umabet 67suas vítimas aqui ou ali, a polícia ia às pressas para o local investigar.

Quick tinha um poder enorme, qualquer coisa que ele dissesse mobilizava a polícia e os psiquiatras.

bet 67 BBC News Mundo - Seis tribunais suecos distintos condenaram Quick por oito assassinatos. No entanto, nunca encontraram nenhum corpo, tampouco conseguiram achar evidências materiais contra ele, é verdade?

bet 67 Küttim - Se for olhar para as provas, realmente não havia nada contra Quick. Os veredictos contra ele foram baseadosbet 67suas próprias confissões e supostas memórias reprimidas.

Apenas no julgamento pelo assassinatobet 67Therese Johannesen (uma meninabet 679 anos mortabet 671988bet 67Drammen, na Noruega) havia evidências que iam além da confissãobet 67Quick: a polícia encontrou um pedaçobet 67osso que, segundo um especialista, pertenceria a uma criança com menosbet 6714 anos.

Essa prova se encaixava perfeitamente na história que Quick havia contado sobre o assassinato.

bet 67 BBC News Mundo - Quando Hannes Råstam e você começaram a investigar o caso Thomas Quick?

bet 67 Küttim - Em 2007, 2008. Eu tinha 24 anos. Já havíamos feito um documentário sobre Thomas Quick e quatro assassinatos que ele confessara.

Depoisbet 67fazer esse documentário, nos perguntamos quantas pessoas poderiam estar na prisão por terem confessado crimes que, na verdade, não haviam cometido.

E uma dessas pessoas era Thomas Quick. A Suécia estava dividida: havia uma parte da sociedade que estava satisfeitabet 67saber que ele era o culpado por essas mortes. Mas também havia pessoas que não acreditavam que ele tivesse cometido os crimes que confessara.

Decidimos então estudar todo o material sobre ele para tentar entender o que realmente havia acontecido e por que havia pessoas que estavam absolutamente convencidas dabet 67culpa. E foi assim que tudo começou.

Cartaz do filme 'Quick'

Crédito, Nordisk film

Legenda da foto, O filme 'Quick', dirigido pelo cineasta sueco Mikael Håfström, conta a história do falso serial killer

bet 67 BBC News Mundo - Que método vocês usaram?

bet 67 Küttim - Revisamos tudo, tudo, inclusive o histórico médico completo dele que,bet 67acordo com a investigação policial, deixava absolutamente clarabet 67culpa. Mas obviamente não era bem assim.

bet 67 BBC News Mundo - Como era Hannes Råstam como jornalista?

bet 67 Küttim - Ele era um jornalista obsessivo com detalhes, e o segredo quase sempre está nos detalhes. Ele era um grande jornalista investigativo, um jornalistabet 67raça.

Quando via algo que não se encaixava, não parava até entender o que estava acontecendo. E ele também era alguém que acreditava nas pessoas, que acreditavabet 67segunda chance.

E, no casobet 67Thomas Quick, ele percebeu que poderia ser uma vítima. Mas, acimabet 67tudo, se empenhoubet 67entender o que estava acontecendo.

O casobet 67Thomas Quick foi o auge do seu trabalho, mas foi frutobet 67todas as investigações jornalísticas que havia feito antes.

bet 67 BBC News Mundo - Quick colaborou com vocês?

bet 67 Küttim - Sim. Depoisbet 67seis meses trabalhando com ele, Quick retirou as confissões. Um dia, nos disse: 'O que posso fazer se não cometi esses assassinatos? Ser preso?'

E Hannes Råstam falou: 'Agora você tembet 67grande oportunidade: me dizer a verdade'.

Tudo o que sabíamos era que Quick era um mentiroso, um grande mentiroso, um mentiroso magistral. Mas quando retirou suas confissões, nos convencemosbet 67que ele não estava mentindo.

bet 67 BBC News Mundo - Mas ainda havia aquele pedaçobet 67osso que, segundo um especialista, pertencia a uma criança com menosbet 6714 anos e foi encontrado no lago onde Quick alegou ter jogado o corpo da menina Therese Johannesen...

bet 67 Küttim - Sim. Esse osso era uma prova contundente contra Quick e por vários meses nos confundiu bastante. Masbet 672010, foi revelado que esse suposto osso era, na verdade, um pedaçobet 67plástico.

bet 67 BBC News Mundo - A partir daí, todas as sentenças contra Quick foram revisadas e caíram uma após a outra... Como é possível que tantos erros tenham sido cometidos pelos terapeutas, pela polícia e pelos tribunais?

bet 67 Küttim - Os terapeutas que cuidarambet 67Quick, os policiais responsáveis pela investigação, eram como uma seita, como um culto.

Se alguém manifestasse algum tipobet 67objeção, era excluído do grupo. Houve, por exemplo, agentes que questionaram como era possível que Quick tivesse usado 13 maneiras diferentesbet 67matar, algo incomum para um serial killer, e foram afastados da investigação.

E não para por aí: eles ocultaram todas as evidências que colocavambet 67xeque que Quick era o verdadeiro autor desses assassinatos, e não apresentaram aos tribunais com o argumentobet 67que (as provas) poderiam confundi-los, que poderiam fazer com que não enxergassem Thomas Quick como o serial killer que tinham certeza que ele era.

Eles estavam convencidosbet 67que ele era um serial killer, haviam decidido, e não queriam que nada estragasse isso.

Além disso, acredito que,bet 67grande parte, o que aconteceu foi resultado do momentobet 67vivíamos. No início dos anos 1990, estávamos muito chocados com o personagem Hannibal Lecterbet 67O Silêncio dos Inocentes e, quando o casobet 67Quick veio à tona, muita gente se precipitou a compará-lo a ele, houve uma grande pressão da imprensa.

A psicoterapia também vivia um grande momento, então tudo isso se juntou. E vale acrescentar que a imprensa não fez seu trabalho: confiou que a investigação policial estava correta, ficou satisfeita por haver um serial killer.

Eles poderiam ter feito facilmente seu trabalho, ter feito jornalismo e revisado todo o materialbet 67Thomas Quick.

Mas não fizeram, não estavam interessados nele, estavam mais interessados ​​na morbidezbet 67haver um terrível serial killer. E Quick, por outro lado, era o paciente perfeito, o assassino perfeito. Todos esses mecanismos se juntaram.

bet 67 BBC News Mundo - Alguém foi condenado por toda a sequênciabet 67erros cometidos no caso Thomas Quick, algum terapeuta, alguém da polícia?

bet 67 Küttim - Não. Nenhum terapeuta, nenhuma policial, ninguém foi levado a julgamento no caso Thomas Quick, tampouco recebeu qualquer tipobet 67punição pela maneira como atuou.

Uma comissão investigou o que aconteceu, mas concluiu que nenhuma pessoa específica era responsável pelo ocorrido.

bet 67 BBC News Mundo - E Thomas Quick foi recompensadobet 67alguma forma por ter sido condenado sendo inocente?

bet 67 Küttim - Não. Ele não recebeu absolutamente nenhuma indenização financeira. A comissão que revisou seu caso determinou que ele próprio era o principal responsável pelo que havia acontecido com ele; portanto, não lhe deram nada.

bet 67 BBC News Mundo - Quick deixou Sätarbet 67julhobet 672013 como um homem livre, depois que a última das oito condenações por assassinato contra ele foi anulada. O que aconteceu com ele?

bet 67 Küttim - Quick está agora há 16 anos sem usar drogas e é realmente uma pessoa normal.

Ele se vê como uma vítima e,bet 67certo sentido, está correto, é obviamente uma vítima, mas também porbet 67própria culpa.

Se não tivesse nos confessado a verdade, se não tivesse nos dito que nunca havia matado ninguém, provavelmente nunca saberíamos o que realmente havia acontecido.

Mas, por outro lado, foi ele mesmo quem destruiu as investigaçõesbet 67vários crimes que estavam sendo conduzidas pela polícia, porque quando confessou a culpa por esses assassinatos, a polícia paroubet 67procurar os verdadeiros culpados.

E quando foi revelado que Quick era inocente, já era tarde, havia passado muito tempo.

bet 67 BBC News Mundo - Onde ele está? Como vive?

bet 67 Küttim - Quick agora tem 69 anos, vai fazer 70bet 67breve. Ele morabet 67um lugar sigiloso, não quer que saibam onde ele está. É óbvio que eu sei, mas não posso contar.

Ele não mora na Suécia e está tentando recomeçar. Não quer falar com ninguém. Às vezes, passo algumas solicitaçõesbet 67entrevista por e-mail ou telefone, mas ele rejeita todas.

Vivebet 67maneira muito simples e pobre da pequena pensão que recebe. Está livre e é feliz. Quer deixar para trás tudo o que viveu.

bet 67 BBC News Mundo - Ele mostra arrependimento?

bet 67 Küttim - Quick é essa pessoa. Por um lado, é capaz, àbet 67maneira,bet 67olhar para trás e perceber todo mal que causou a muitas pessoas, a todas as famílias das vítimas.

Hannes Råstam junto com Thomas Quick

Crédito, SVT/Lars Granstrand

Legenda da foto, Quick, à direita na foto, agora vivebet 67um lugar secreto fora da Suécia e não quer falar com ninguém

Ele carrega nesse sentido um sentimento tremendobet 67culpa. E, para ser capazbet 67conviver com esse peso enorme, o que ele faz é se apresentar como vítima.

Até certo ponto, ele é uma vítima, é claro que é, mas também é responsável. As famílias das vítimas não gostambet 67Thomas Quick, nunca gostaram, acreditam que ele destruiu suas vidas.

De fato, nenhum dos assassinatos pelos quais ele foi condenado e, na sequência, absolvido, foi esclarecido.

bet 67 BBC News Mundo - Após o casobet 67Thomas Quick, algo mudou na Suécia para impedir que se repita algo semelhante?

bet 67 Küttim - Houve mudanças, sim, mas não o suficiente. Penso que são necessárias muito mais regulamentações sobre como deve ser o trabalhobet 67policiais e terapeutas.

Depois do casobet 67Thomas Quick na Suécia, houve outros quatro casosbet 67que as sentençasbet 67condenação foram revogadas e,bet 67todos os anos anteriores a Thomas Quick, tinham sido apenas dois.

Percebemos que nosso sistema judicial não era tão robusto quanto pensávamos. Agora, por exemplo, há dois promotores para cada caso. Mas no mundo terapêutico o caso Thomas Quick teve menos impacto.

bet 67 BBC News Mundo - Pode haver outros Thomas Quick na Suécia oubet 67outros lugares do mundo?

bet 67 Küttim - Sim, é claro. É verdade que a históriabet 67Thomas Quick é absolutamente extraordinária, com todos os ingredientes imagináveis.

Mas confissões falsas são bastante comunsbet 67investigações policiais. O que não é tão comum é confessar tantos assassinatos quanto Thomas Quick confessou e por um período tão longobet 67tempo.

Além disso, as memórias reprimidas estão ganhando terreno novamente agora por causa do movimento #MeToo (contra o assédio sexual).

Acho que histórias extraordinárias como abet 67Thomas Quick continuarão vindo à tonabet 67temposbet 67tempos, porque os componentes que as tornam possíveis ainda estãobet 67nossas sociedades.

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