Como o tempo mudou nossas noçõessacar no sportingbettristeza, timidez e até beleza:sacar no sportingbet

Ilustração com estilo retrô mostra mulher sentada lendo revista e outra mexendosacar no sportingbetseu cabelo

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Beleza' se escreve no feminino, lembra Bernuzzi, mas ao longo do tempo homens também foram moldados por diferentes padrões estéticos

"Nos anos 1910, 1920, havia remédios, como o veronal, que buscavam tratarsacar no sportingbetsentimentos tristes que teriam origemsacar no sportingbetum problema físico, como no fígado ou estômago, uma tradição que remonta à Grécia Antiga."

"Ou, no Brasil, até um problemasacar no sportingbetnutrição, como raquitismo ou anemia. O Jeca Tatu, personagemsacar no sportingbetMonteiro Lobato, uma figura magra, desnutrida, apática, representa isso. Com isso, vem toda a propaganda da épocasacar no sportingbetfortificantes, como o Biotônico Fontoura. E, com Getúlio Vargas, a construção da nação é atrelada a produçãosacar no sportingbetum brasileiro – especialmente crianças – forte, robusto e, sobretudo, alegre."

Ilustração mostra diversos órgãos do corpo humano animados

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Tradições antigas ligavam humor a um fundo fisiólogico, como os órgãos, conta historiadora

As coisas começam a mudar, no Brasil e no mundo, após a Segunda Guerra, quando começam a surgir medicamentos antidepressivos e manuaissacar no sportingbetpsiquiatria.

Estes manuais tiveram como marco inicial uma publicaçãosacar no sportingbet1952 da Associação Americanasacar no sportingbetPsiquiatria (APA), que desde então ganhou diversas versões. Elas trazem classificaçõessacar no sportingbetdistúrbios mentais e seus sintomas, esacar no sportingbetinfluência foi desde estatísticas governamentais a planossacar no sportingbetsaúde.

Mas estas publicações também são cercadassacar no sportingbetcríticas:sacar no sportingbet2013, quando a quinta e mais recente versão da APA foi lançada, e alguns psiquiatras denunciaram que os manuais estaria transformandosacar no sportingbetdoenças comportamentos até agora considerados comuns.

Bernuzzi diz que historicamente os textos passaram a tratarsacar no sportingbetcomo estados emocionais como tédio, timidez, mal estar, luto ou desilusões amorosas podem eventualmente ser classificadas como transtornos, medicalizados e relacionados a um fundo fisiológico.

'Males do espírito'sacar no sportingbetbaixa

Só que agora, vinculados a uma outra parte do corpo.

"O cérebro virou um fato social, ganhou uma centralidade nas nossas preocupações com a saúde. Na nossa rotina, discutimos os elementos bioquímicos do cérebro: serotonina, endorfina...", exemplifica a historiadora.

"Há uma disputa aí, porque por muitos séculos, estes males eram coisas da alma. E a alma tem qualquer coisasacar no sportingbetsobrenatural. Hoje, as moléculas e os neurônios superaram a ideia dos males do espírito. Vivemos uma era muito mais materialista nesse aspecto."

"Isso tem uma relação forte com o declínio da transcendência: mesmo nas igrejas evangélicas, que crescem muito hoje, a ênfase na vida atual (em contraposição a outros planos) é muito forte. A gente tende a fazer mais jejuns do corpo do que da alma."

Denise Bernuzzi posa para foto

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, 'A gente tende a fazer mais jejuns do corpo do que da alma.', diz Bernuzzi sobre a contemporaneidade

Uma consequência "terrível" deste novo cenário é, para a pesquisadora, uma "intolerância muito maior à tristeza".

"Ela se tornou mais intolerável porque nós a desnaturalizamos. À medida que a tristeza vira uma doença, um distúrbio, um desequilíbrio, não só algo que simplesmente faz parte da vida, fica mais difícil aceitá-la."

"Você vê por algumas palavras que desapareceram, o que indica uma experiência que não existe mais. Uma delas é o 'resguardo', fase pela qual as mulheres passavam quando tinham filhos. Elas ficavam isoladas, eram alimentadas com canja por 20 dias, algumas tampavam o ouvido para não ouvir barulhos."

"Não tem 'resguardo' hoje. Nós eliminamos cada vez mais da nossa vida espaços que consideramos altamente entediantes, improdutivos, até doentios."

Mas esta não pode ser uma leitura saudosista? Bernuzzi diz "insistir"sacar no sportingbetdestacar que, entre passado ou presente, não há algum cenário que seja melhor: o interessante é perceber o que mudou.

Pinturasacar no sportingbetpreto e branco mostra mulher deitada com bebê recém-nascido no colo, e menina ajoelhada ao lado brincando com neném

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Não tem 'resguardo' hoje. Nós eliminamos cada vez mais da nossa vida espaços que consideramos altamente entediantes, improdutivos, até doentios', diz pesquisadora sobre antigo hábito do puerpério

O que é bonito?

Outro conceito que mudou radicalmente no último século foi osacar no sportingbetbeleza, temasacar no sportingbetestudosacar no sportingbetBernuzzisacar no sportingbetseu doutorado na Universidade Paris VII, na França. A pesquisa resultou anos depois no livro a História da Beleza no Brasil (Editora Contexto, 2014).

Comosacar no sportingbetboa partesacar no sportingbetseu trabalho, a historiadora se baseousacar no sportingbetpublicações na imprensa, propagandas e documentos da área médica, como teses e boletins.

Isso, ela reconhece, acaba refletindo na predominância da históriasacar no sportingbetcertos grupos sociaissacar no sportingbetdetrimentosacar no sportingbetoutros, como os indígenas "exterminados". Assim, há tradições que acabam não capturadas: "Um grande desafio do historiador é fazer história dessas populações que não tiveram voz."

Bernuzzi destaca que, do início do século até hoje, houve uma transição do corpo como pertencente a uma comunidade – "ficando, assim, dependente da aprovação desta" – para uma propriedade mais individual.

No Brasil do final do século 19 e início do 20, por exemplo, um elogio importantíssimo era ser "elegante" – o que se refletia, entre a população abastada, no usosacar no sportingbetprodutos e roupas rebuscadas, como itens compradossacar no sportingbetSão Paulo na Casa Garraux, que importavasacar no sportingbetParis póssacar no sportingbetarroz, águassacar no sportingbetcolônia e perfumes.

Mas, no cenário tropical, a importação destes hábitos não era perfeita: vestidos com cauda ficavam sujos com facilidade e levavam para dentrosacar no sportingbetcasa a poeira das ruas das cidades que efervesciam; penteados complicados duravam pouco e o pósacar no sportingbetarroz podia se tornar uma pasta com o calor.

Falando no calor, outro item essencial naquele tempo eram os leques, massacar no sportingbetfunção ia muito alémsacar no sportingbetrefrescar.

"Saber usar um leque implicava conhecer os significados e os poderes dos gestossacar no sportingbetabri-los e fechá-los. Havia significados distintos para leques fechados, abanados rapidamente ou lentamente. Equipamento essencial ao flerte, o seu desuso representou o esquecimentosacar no sportingbetum meiosacar no sportingbetcomunicação", diz a historiadora no livro.

Ilustrações da era vitoriana da série 'The society war game' (1884) mostra diferentes cenassacar no sportingbetque pessoas usam leques

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Ilustrações da era vitoriana da série 'The society war game' (1884) refletem a importância, na virada para o século passado, do leque

Bernuzzi mostra também como episódios históricos expressam noçõessacar no sportingbetbeleza, como a proclamação da República, consolidadasacar no sportingbet1889. A elite monarquista, que ficava para trás, era simbolizada pela velhice e era conquistada pela mocidade republicana.

Um trechosacar no sportingbetOrdem e progresso,sacar no sportingbetGilberto Freyre (1900-1987), reproduzido no livrosacar no sportingbetBernuzzi, diz que o período imperial havia morrido "sob as barbas brancas e nunca maculadas pela pintura do imperador D. Pedro 2º, ao passo que,sacar no sportingbetseu lugar, resplandeciam as barbas escuras dos jovens lideres republicanos, ávidos do poder".

Lembra até acontecimentos recentes da política brasileira,sacar no sportingbetque o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) se viu rachado entre os "cabeças brancas", nomes mais antigos e tradicionais da sigla; e os "cabeças pretas", a ala mais jovem e fontesacar no sportingbetuma propostasacar no sportingbetnovos rumos para o partido.

Influência americana

Com o passar das décadas, a influência dos Estados Unidos na economia, política e cultura se reflete também nos ideais estéticos, inclusive no Brasil. Isso se consolida na décadasacar no sportingbet50, com o chamado american way of life – o "estilosacar no sportingbetvida americano", que se pautasacar no sportingbetum discurso meritocrático, visando a qualidadesacar no sportingbetvida e abundância material.

A beleza, que sempre se escreveu no feminino, lembra Bernuzzi, indicando como atributo. O tema foi predominantemente relacionado às mulheres e ganhou novos modelos também para os homens.

As guerras mundiais catapultam o modelo viril dos soldados e o tórax forte como atributo desejável.

Mas não é que antes não houvesse tendênciassacar no sportingbetbeleza para eles. O Brasil do início do século 20, por exemplo, tinha um ícone do dandismo para chamarsacar no sportingbetseu, o pintor e fotógrafo Ernesto Quissak (1891-1960).

Um dândi se vestiasacar no sportingbetmaneira ousada e cheiasacar no sportingbetpersonalidade: a forma encontrada por jovens boêmios e românticos para se opor à predominância do ideal requintado da burguesia.

Ilustração mostra dois homens com figurino dândi

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Legenda da foto, Jovens boêmios e românticos levaram à frente o estilo dândi

Décadas depois vieram outras chacoalhadas nas definiçõessacar no sportingbetfeminino e masculino, como as trazidas pela contracultura das décadassacar no sportingbet60 e 70 e pelo rock'n'roll. Gestos, roupas e adereços até então mais associados às mulheres foram potencializados por estrelas como os músicos David Bowie e Freddie Mercury; e no Brasil, Ney Matogrosso, exemplifica Bernuzzi.

A contracultura, na verdade, foi um marco para todos. Até para as grávidas.

"A barriga grávida não era uma imagem valorizada. Isso muda com a contracultura, os movimentossacar no sportingbetaceitação do próprio corpo, o feminismo. No Brasil, Leila Diniz foi um marco", aponta Bernuzzi, lembrando da atriz cuja imagem na praia, não só preterindo o maiô ao biquini – aindasacar no sportingbetprocessosacar no sportingbetaceitação –, como também grávida, se tornou icônica.

O cenário da foto da décadasacar no sportingbet70, o mar do Riosacar no sportingbetJaneiro, expressava também o protagonismo da capital fluminense como centro irradiadorsacar no sportingbetmodas para todo o país, entre elas, o usosacar no sportingbettangas.

As musas da literatura

Cabelos molhados, soltos, às vezes cheios, assim como corpos pouco cobertos, ganharam brilho nesse contextosacar no sportingbetliberação corporal, o que, para Bernuzzi, vai ao encontrosacar no sportingbetum ideal particularmente brasileirosacar no sportingbetbeleza.

"Temos esse mitosacar no sportingbetuma beleza natural muito forte, como se a mulher brasileira fosse um retratosacar no sportingbetsua natureza: selvagem, indomável. A literatura alimenta isso, com mitos fundadores como Iracema, lábiossacar no sportingbetmel", diz a historiadora, fazendo referência à personagem títulosacar no sportingbetromance homônimosacar no sportingbetJosésacar no sportingbetAlencar (1829-1877), descrita por ele como "a virgem dos lábiossacar no sportingbetmel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhesacar no sportingbetpalmeira."

A pesquisadora já mapeou outros símbolos, na arte brasileira,sacar no sportingbetícones e expressões da beleza ao longo da história.

Guta, adolescente e uma das protagonistas do romance As três Marias,sacar no sportingbetRachelsacar no sportingbetQueiroz (1910-2003), simbolizou a repressão das famílias, no início do século passado, diantesacar no sportingbetnovidades como usar maquiagem ou fazer penteados ousados. Guta tinha truques com as amigas para burlar as regras, como enrolar a saia comprida na altura da cintura para mostrar as pernas na saída da escola.

Beatriz, personagemsacar no sportingbetJorge Amado (1912-2001)sacar no sportingbetTereza Batista cansadasacar no sportingbetguerra, escandalizousacar no sportingbetvizinha por fazer cirurgias plásticas, algo ainda novo naquele tempo. Ao rejuvenescer o rosto e os seios, se tornou a "glorificação ambulante da medicina moderna", nas palavras do autor.

Jacira, mote do impiedoso título do conto Feia demais,sacar no sportingbetNelson Rodrigues (1912-1980), explicita o tratamento hoje escandaramente cruel às mulheres consideradas feias. Rodrigues conta a históriasacar no sportingbetum rapaz "bem apanhado", que se apaixonou por uma mulher "feiíssima", "um bucho horroroso". Depoissacar no sportingbetcasados, ele se arrependeusacar no sportingbettê-lo feito após vê-la diante do espelho.

Na verdade, a exigênciasacar no sportingbetbeleza revela como, neste campo, há uma "aliança nem sempre visível" entre prazeres e sofrimentos, direitos e deveres, como aponta a historiadora.

Ilustração mostra homem se olhandosacar no sportingbetespelhosacar no sportingbetcorpo inteiro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Achava que eles sempre estiveram por aqui? No início do século passado, espelhos eram artigossacar no sportingbetluxo

'Perseguição especular'

Hoje é difícil imaginar, por exemplo, como seria um mundo sem espelhos ou tantas imagens nas telas – e sem a pressão que eles fazem.

"As pessoas não se viam tantosacar no sportingbetoutros séculos, não havia espelhosacar no sportingbettoda parte, essa perseguição especular. Nos anos 1910, 1920, espelhos eram caros, ainda maissacar no sportingbetcorpo inteiro. As elites tinham no guarda-roupa."

"O hábitosacar no sportingbetse olharsacar no sportingbetespelhos maiores dentrosacar no sportingbetcasa se banaliza mesmo depois dos anos 70."

A multiplicaçãosacar no sportingbetimagens também pressiona para que toda imagem do ser humano seja fotogênica – mesmo que venhasacar no sportingbetdentro do corpo.

"Mesmo sendo um feto na barriga, tem que ser algo que já nos dê uma sensação boa. Não vou dizer bonito, mas tem que ser harmonioso."

"Um outro exemplo disso [da pressão sobre toda parte do corpo] são os mamilos nas [revistas] Playboys. Até um certo ponto, os seios das mulheres são os mais diversos. Depois, inclusive por causa da cirurgia estética, há uma padronização nos anos 90, 2000. Há a exigênciasacar no sportingbetuma fotogenia estandarte."

"Como se não bastasse, há uma cobrança às vezes nas partes internas do corpo, como a que motiva cirurgias estéticas ginecológicas."

Ilustração mostra várias mulheres com aparências diferentes enfileiradas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Do início do século a hoje, historiadora aponta para transição do corpo como pertencente à comunidade para algo como uma propriedade individual

No Brasil, a adesão às cirurgias plásticas vai muito além deste procedimento. Somos o segundo país do mundo no volumesacar no sportingbetcirurgias estéticas (1,4 milhãosacar no sportingbet2017), pouco atrás dos Estados Unidos (1,5 milhão).

Segundo a historiadora, no país, artigos na imprensa já anunciavam nomessacar no sportingbetcirurgiões e financiamentos para operações na décadasacar no sportingbet60 e 70, mas foi só nos anos 80 que a prática foi impulsionada.

É uma ascensão associada à "globalização" da publicidadesacar no sportingbetcorpos jovens e longilíneos e à criação da medicina estética inicialmente na França e nos EUA.

"E o Brasil tem uma certa facilidadesacar no sportingbetaceitar novas tecnologias. Issosacar no sportingbettodos os meios, inclusive o médico. Na França, as pessoas fazem cirurgia plástica também, mas há um nívelsacar no sportingbetprecaução maior, como com a anestesia geral. A grande preocupação aqui no Brasil é se vai ficar bom."

"A nossa intolerância à idade é muito grande. Somos um país jovem. A disputa no mercado amoroso, no mercadosacar no sportingbettrabalho, é muito mais cruel."

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