Antes dos portugueses, SP teve floresta tropical, Cerrado e mini-Pantanal:vaidebet site
"São Paulo era um local extraordinário porque justamente havia essa contraposiçãovaidebet sitecampos, florestas, rios produtivos e muita caça - não por acaso os índios escolheram viver aqui", afirma o pesquisador, que está finalizando um livro sobre a vegetação original da cidade.
No linguajar botânico, São Paulo era um ecótono, ou seja, um pontovaidebet siteencontrovaidebet sitediferentes biomas. Cardim diz que havia na cidade trechos da Mata Atlântica, vegetação característica do litoral brasileiro,vaidebet sitematas mistasvaidebet sitearaucárias, bioma típico do Sul, e do Cerrado, formação predominante no Centro-Oeste.
Ele afirma ainda que nos cerrados paulistanos se achavam plantas do Pampa, bioma do Rio Grande do Sul, e que as várzeas dos rios Tietê e Pinheiros - os maiores da cidade - se assemelhavam ao Pantanal mato-grossense.
A localizaçãovaidebet siteSão Paulo - entre a costa e o Planalto Central brasileiro e no limite entre as zonas tropical e subtropical - favoreceu a diversidadevaidebet sitebiomas. Também contribuíramvaidebet sitevariedadevaidebet sitesolos e topografia irregular (a diferença entre o ponto mais alto da zona urbanizada da cidade, a Vila Mariana, e as águas do Tietê chega a 109 metros, segundo um estudo do geógrafo Aziz Ab'Sáber).
Moldada por incêndios
Quando os primeiros exploradores portugueses venceram a Serra do Mar, encontraram na futura capital paulista três aldeias indígenas, do povo Tupiniquim.
Em Negros da terra: índios e bandeirantes nas origensvaidebet siteSão Paulo, o historiador americano John Manuel Monteiro conta que os povoados não eram fixos: conforme o solo empobrecia e a caça rareava, as comunidades buscavam outras áreas.
Segundo o botânico Ricardo Cardim, sucessivos incêndios - naturais e provocados pelos indígenas - ajudam a explicar a presençavaidebet sitecerrados na paisagem original paulistana. O fogo impedia o adensamento da vegetação e favorecia a sobrevivênciavaidebet siteárvores resistentes, com troncos grossos, típicas do bioma.
Cardim diz que os indígenas recorriam ao fogo para abrir clareiras para roças, encurralar animais na caça ou renovar a vegetação campestre. A rebrota atraía herbívoros, entre os quais cervos, que também eram caçados pelos grupos.
Os incêndios comiam as bordas das florestas e as deixavam com formato circular - daí, segundo o botânico, o nome do bairro Capão Redondo, na zona sul da cidade. Havia muitos outros capões (do tupi kaa'pãu, ilhavaidebet sitemato) pelo território.
No início do século 17, a fauna local ainda parecia bem preservada. Segundo o pesquisador, moradores eram alertados sobre os riscosvaidebet sitecaminhar nas vias paulistanas "porque havia onças que comiam gente".
Dizia-se que várias delas moravam na serra da Cantareira e desciam até a várzea do Tietê para caçar. Há relatos sobre a presença dos felinos até na região da atual avenida Paulista, então coberta por uma floresta densa, chamada pelos indígenasvaidebet sitecaaguaçu (matagal,vaidebet sitetupi). Um trecho da antiga mata deu origem ao Parque Trianon, um dos raros locais na zona urbana que preservam a vegetação original.
Outra áreavaidebet sitemata fechada ficava no vale do Anhangabaú, no atual centro da cidade, onde índios escravizados costumavam buscar refúgio. Dessa floresta, nada restou.
Árvores-bairros
Cambucis e araucárias, que antes cobriam várias partes da cidade, também desapareceram. A primeira espécie, comum nas matas ciliares paulistanas, atraía antas ao frutificar e batizou um bairro da região central.
A segunda, hoje restrita à região Sul e a algumas serras do Sudeste, se espalhava por todos os biomas da cidade. Resistente a incêndios brandos e importante para a alimentação dos indígenas, que consumiamvaidebet sitesemente, o pinhão, a árvore é a razão por trás do nome do bairro Pinheiros.
Outros endereços paulistanos com nomesvaidebet sitetupi dão pistas sobre a riqueza das paisagens nativas, conforme o dicionário tupi-portuguêsvaidebet siteLuiz Caldas Tibiriçá (curiosamente, também se chamava Tibiriçá o cacique da antiga aldeia Inhapuambuçu, nas imediações do atual Pateo do Colégio).
Guarapiranga, onde há hoje uma represa, vem da união entre guará (garça) e piranga (vermelha), provável referência à espécie Eudocimus ruber. M'Boi Mirim, atual estrada na zona sul, é uma possível derivaçãovaidebet sitemboia mirim, cobra pequena.
Ibirapuera pode vir da junçãovaidebet siteybyrá, árvore, e puera, sufixo que indica passado, algo "que foi" - possível menção ao charco com troncos secos (que já foram árvores) onde se criou o principal parque da cidade, drenado após o plantiovaidebet siteeucaliptos australianos.
Ipiranga, cujas margens plácidas ouviram o brado retumbante, é rio vermelho - e que, como tantos outros cursos d'água paulistanos, foi canalizado conforme a cidade crescia.
O bioma paulistano mais golpeado pela urbanização foi o Cerrado, que, segundo Cardim, se estendia por boa parte da cidade atual, incluindo trechos dos bairros do Ipiranga, Bela Vista, Luz, Butantã, Vila Mariana e a região do aeroportovaidebet siteCongonhas.
A formação foi descrita no fim do século 16 por um antepassado do botânico - e que, embora padre, deixou herdeiros no Brasil -, o jesuíta português Fernão Cardim. Em visita à então vilavaidebet sitePiratininga, embrião da São Paulo contemporânea, ele comparou a vegetação à do país natal.
"É terravaidebet sitegrandes campos e muito semelhante ao sítiovaidebet siteÉvora, na boa graça, e campinas, que trazem cheiavaidebet sitevacas, que é formosuravaidebet sitever", descreveu numa carta ao superior eclesiástico. "Esta terra parece um novo Portugal", concluiu, encantado.
Hoje, segundo o botânico Cardim, o cerrado paulistano sobrevivevaidebet siteapenas três faixasvaidebet siteterra na zona oeste - duas delas na Cidade Universitária e uma no Jaguaré.
Uma boa amostra da formação original está no Parque Estadual do Juquery, no município vizinhovaidebet siteFranco da Rocha. Para Cardim, trata-se da "última joia incrustada (na região metropolitanavaidebet siteSão Paulo) que conserva o cerrado perfeito", onde se encontram espécies como pequizeiros, palmeiras macaúbas e muricis.
Floresta cultural
Ao longo do desenvolvimentovaidebet siteSão Paulo, as árvores nativas foram cedendo espaço não só para construções, mas também para espécies exóticas. Hoje,vaidebet siteacordo com Cardim, 90% das plantas da cidade são estrangeiras.
"Somos como aqueles cariocas que há cem anos andavamvaidebet sitecartola e casacovaidebet sitepele na beira da praia porque queriam ser franceses. O paulistano, no que se refere ao paisagismo e às áreas verdes, quer ser tudo, menos brasileiro."
Por isso, diz o botânico, mesmo que São Paulo ficasse desabitada e suas construções fossem demolidas, jamais recuperaria os biomas originais.
Ele afirma que as antigas áreasvaidebet siteCerrado seriam sufocadas por capins estrangeiros e que não haveria mais incêndios para manter o equilíbrio do bioma.
Com o tempo, diz ele, a cidade seria tomada por uma floresta densa - "mas não uma Mata Atlântica natural, e sim uma floresta cultural, que refletiria nossas escolhas enquanto sociedade e serviria como um registro da nossa passagem por aqui".