Auxílio Brasil fora do teto para sempre: 4 pontos da PEC da Transição sugerida pelo novo governo Lula:

Casa com cartaz do Auxílio Brasil

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, ManutençãoR$ 600 do Auxílio Brasil2023 poderá custar R$ 175 bilhões por ano

Mas o que é exatamente essa PEC? Por que o novo governo quer emendar a Constituição antes mesmoassumir o comando do país? E quais os impactos dessa medida para as contas públicas?

A BBC News Brasil conversou com economistas para responder a quatro pontos sobre a PEC da Transição.

O que é a PEC da Transição?

A PEC da Transição é como ficou conhecida a PropostaEmenda à Constituição (PEC) que está sendo negociada por membros do novo governo com o Congresso Nacional.

A principal mudança proposta pela medida é a retirada dos gastos do governo com o Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) do chamado tetogastos que o governo federal precisa respeitar.

Ela é necessária porque o governo quer alterar as normas do tetogastos que também foi aprovada por meiouma PEC,2016, durante a gestão do então presidente Michel Temer (MDB). A regra prevê que as despesas do governo federal só podem aumentar com base na correção pela inflação calculada pelo ÍndicePreços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O teto foi aprovado sob o argumentoque ele representaria uma trava à chamada irresponsabilidade fiscal. Seus críticos, porém, argumentam que ele restringe a capacidadeinvestimento do governo e limita a atuaçãoáreas sensíveis como educação, assistência social e investimentos.

Fotografia colorida mostra Geraldo Alckmin, um homem branco idoso, meio careca,óculos e nariz fino, segurando a mãode Lulafrente a uma bandeira do Brasil

Crédito, Reuters

Legenda da foto, O vice presidente eleito Geraldo Alckmin tem sido um dos principais negociadores da PEC da Transição

Inicialmente, havia a expectativaque a PEC da Transição tirasse o Auxílio Brasil do tetogastos por apenas um ano, para garantir a promessamanterR$ 600 o valor do Auxílio Brasil.

Posteriormente, membros da equipe do governo defenderam a teseque essa regra valesse pelos próximos quatro anos.

A minuta entregue por Alckmin ao Congresso Nacional prevê que o Auxílio Brasil fique fora do tetogastos por prazo indefinido.

O vice-presidente admitiu que o prazo da retirada do Auxílio Brasil do tetogastos ainda será alvodiscussões pelo parlamento, mas defendeu a ausênciaum prazo definido para avigência.

"Nós trouxemos uma proposta que não tem prazo. Ela tem um princípio que é a exclusão do Bolsa Família (do tetogastos). Cabe à Câmara e ao Senado discutir [...] Não há nenhum chequebranco, mas não tem sentido colocar na Constituição Brasileira um detalhamento [...] a PEC dá o princípio que é o princípio do cuidado com a criança e a erradicação da pobreza extrema", disse Alckminentrevista coletiva nesta quarta-feira.

O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), um dos principais articuladores da PEC da transição

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, O senador eleito Wellington Dias (PT-PI) tenta tranquilizar o mercado e promete que novo governo Lula terá responsabilidade fiscal

Como esse dinheiro vai ser usado?

Em entrevista à CNN Brasil na segunda-feira (14/11), o senador eleito e um dos principais articuladores do governotransição, Wellington Dias (PT-PI), afirmou que o dinheiro previsto pela PEC seria gasto com o pagamento do Auxílio BrasilR$ 600 e um bônusR$ 150 por criança com até seis anosidade nas famílias que recebem o benefício.

"A proposta apresentada é um valor relativo ao necessário ao auxílio emergencial [...] São R$ 157 bilhões e mais R$ 18 bilhões para o auxílioR$ 150 por criança", disse o senador.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, disse à BBC News Brasil que a PEC da Transição também permite ao novo governo ampliar seus gastosoutras áreas consideradas importantes.

Isso aconteceria porque, ao tirar os gastos do Auxílio Brasil daqueles sujeitos ao teto, abriria-se uma margemR$ 105 bilhões (valor estimado do Auxílio BrasilR$ 405) já previstos no orçamento enviado pelo governo Bolsonaro para o governo Lula gastar com outros programas.

"Ainda não estão clarasquais áreas o governo vai querer gastar esse dinheiro, mas há sinalizaçõesque o governo queira gastarprogramas como o Farmácia Popular, saúde indígena, retomadaobras e políticashabitação", disse Couri.

Um outro ponto previsto na minuta da PEC da Transição prevê um mecanismo que limita o quanto o governo poderá gastarinvestimentos quando houver receitas extraordinárias, aquelas que ocorre fora do planejado pelo governo.

Pela proposta, o governo só poderia gastar até 40% dessas receitasinvestimento. O restante terá que ser gasto com o abatimento da dívida. Aindaacordo com a proposta, os investimentos feitos com receitas extraordinárias não poderão ultrapassar R$ 23 bilhões por ano.

Por que fora do teto?

A tentativaaprovar a PEC da Transição acontece, entre outros motivos, porque a propostaorçamento enviada pelo governo Bolsonaro para o ano2023 não previa os valores suficientes para o pagamentoR$ 600 por família que recebe o benefício.

"O orçamento enviado previatornoR$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil, que era referente ao valorR$ 405 por benefício. Apesaro auxílioR$ 600 também ter sido uma promessacampanhaBolsonaro, esse valor não constava no orçamento", disse Daniel Couri.

"Mesmo que o vencedor das eleições fosse o Bolsonaro, nós teríamos que estar discutindo uma PEC como essa para garantir o pagamento do Auxílio Brasil no patamar que foi prometido", diz Carla Beni, economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Ao longo dos primeiros dias da transição entre governos, houve dúvidas sobre se a PEC seria o melhor mecanismo jurídico para executar essa operação orçamentária.

A dúvida existiu porque, para entrarvigor, uma PEC precisa ser aprovadadois turnos pela Câmara e pelo Senado, com três quintos dos votos nas duas Casas.

Outra possibilidade estudada foi a ediçãouma Medida Provisória logo no início do governo Lula abrindo um crédito extraordinário no orçamento para o complemento do benefício.

Nos últimos dias, porém, a ideia perdeu força diante do riscoque a medida pudesse ser questionada judicialmente — dando margem para acusaçõesviolação da LeiResponsabilidade Fiscal (LRF).

O entendimento da equipe econômica e políticaLula éque a PEC, apesarmais trabalhosa do pontovista político, ofereceria maior segurança jurídica ao novo governo.

Quais os riscos?

Na avaliação da professora Carla Beni, o principal riscotorno da PEC da Transição está relacionado à incerteza sobre como essa expansãogastos será paga. Segundo ela, o novo governo ainda não deixou claro os planos para reequilibrar as contas públicas.

"O governo ainda não disse como é que vai ser feito o financiamento dessa dívida. Não está claroonde sairá o dinheiro para pagar essas despesas. Não se sabe, por exemplo, se vai ser a partiruma nova reforma tributária, se vamos cortar desonerações que podem aumentar a arrecadaçãoimpostos", disse à BBC News Brasil.

Para Beni, se a medida valesse apenas por um ano, os riscos para a deterioração das contas públicas não seriam grandes. Mas, com o prolongamento deste prazo, ela demonstra preocupação com os impactos negativos nas finanças da União.

"Se o governo não fizer uma recomposição das suas receitas revendo desonerações, apontando novas fontesarrecadação, aí isso pode afetar, sim, o nosso grauendividamento", afirmou a professora.

Daniel Couri, do IFI, segue a mesma linhaCarla Beni. Segundo ele, a tensão demonstrada pelo mercadorelação à condução da PEC da Transição é resultado das dúvidas sobre como o governo pretende pagar a conta.

"A tensão do mercado não está tão relacionada ao Bolsa Família [antigo nome do Auxílio Brasil], porque ambos os candidatos prometeram aumentá-lo para 2023. A tensão e a preocupação passam mais pelo tamanho do aumentogastos e pela incerteza sobre como financiar isso nos próximos anos", disse Couri.

Couri e Carla Beni afirmam que, se o governo não reequilibrar as contas nos próximos anos, os benefícios desejados pela equipeLula às populações mais pobres poderão ser reduzidos.

"Se não houver uma recomposição das receitas, o governo vai ter que emitir títulos da dívida para se financiar. Isso coloca o governouma situação frágilcasoalgum choque externo, por exemplo. Numa crise, essa fragilidade nas contas públicas pode, inclusive, comprometer os avanços que se quer junto aos mais pobres", disse Couri.

À CNN Brasil, Wellington Dias tentou tranquilizar o mercado.

"Nós queremos trabalhar com muita responsabilidade fiscal. A responsabilidade fiscal já foi praticada pelo presidente eleito [...] A essência é o cumprir com a responsabilidade [...] (durante o governo Lula) o Brasil teve o maior graucumprimentoregras fiscais da história e isto nós, novamente, vamos buscar", disse.

- Este texto foi publicado originalmentehttp://vesser.net/brasil-63631085