Eleições 2022: a igreja evangélica que manda fiéis votarem nulo: 'Se não aceitarem, procurem outra':
"Na minha igreja, não podemos votar. O voto precisa ser anulado", diz à BBC News Brasil.
"Mas o pastor tem muita simpatia pelo Bolsonaro. A orientação é a saída da igreja para quem votaBolsonaro e, para quem votaLula, não ir para nenhuma igreja porque, segundo o pastor, essa pessoa não é filhaDeus."
O direito universal ao voto, direto e secreto, é garantido no Brasil pela Constituição e pelo Código Eleitoral.
Glauco Barreira Magalhães Filho, pastor e presidente da igreja, também é advogado, professorDireito na Universidade Federal do Ceará e membro da Academia CearenseLetras Jurídicas.
A reportagem o procurou insistentemente por e-mail, telefone e redes sociais. Ele não atendeu às ligações, não respondeu às mensagens e bloqueou o repórterseus perfis online.
Em textos autorais, Barreira diz que fiéis não devem "dar voto a nenhum dos candidatos", nem aceitar "qualquer aproximação entre igreja e política partidária".
Mas no Facebook, onde tem 4,9 mil amigos e 1.928 seguidores, ele publica críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral e a favorum golpe militar e,contraste com o veto à liberdadevoto na igreja, mostra simpatia pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto compartilha imagens qualificando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como "rato barbudo".
A BBC News Brasil também procurou a reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC) e a direção da FaculdadeDireito. Ambas não comentaram a conduta religiosa do professor.
'Coagir alguém a votar ou não'
Em artigo publicadojornal ligado à igreja2011, o pastor e professor afirma que fiéis não podem votar, nem apoiar candidatos ou concorrer a cargos.
"Pelo fatoa política deste mundo estar sob a influênciaSatanás, o príncipe deste mundo (João 14:30) e Deus deste século (II Cor. 4:4), não devem os cristãos se envolver com ela, quer sendo cabo eleitoral, candidato ou eleitor."
Ele completa: "Devemos ir às urnasobediência às autoridades, mas não devemos dar o nosso voto a nenhum dos candidatos, pois o reinoDeus não é deste mundo".
EspecialistasDireito Eleitoral consultados pela BBC News Brasil dizem que violações às normas eleitorais por líderes e associações religiosas e candidatos podem levar à aplicaçãomultas e,casos graves, a sentençasprisão e até cancelamento do registrocandidaturas.
O veto da igrejaFortaleza à liberdadevoto aos fiéis, sob ameaçasaída compulsória da igreja, poderia representar violação do artigo 301 do Código Eleitoral, que proíbe "coagir alguém a votar, ou não votar".
"Vai se examinar se o graucoação é um grau importante. Se aquele fiel pensa que, se for expulso da igreja, irá para o inferno, ou coisa do tipo, isso pode ser uma coação grave. Isso tem que ser examinado caso a caso", explica um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral à BBC News Brasil.
A pena sugerida no artigo 301 éreclusãoaté quatro anos e pagamento5 a 15 dias-multa.
O magistrado também cita lei 9.840, que define compravotos, entre outros temas.
"É vedado. Você não pode coagir uma pessoa a votaruma forma ou votaroutra forma. É ilícito", ele afirma.
A BBC News Brasil recentemente detalhou os possíveis crimes eleitorais associados a ameaças religiosas.
A igreja e seu pastor
A sede da Igreja Batista Renovada MoriáFortaleza fica num casarão amarelo emoldurado com pedras e um mosaico azul, verde, marrom e roxo. Atrás do portão, uma placamadeira traz o nome do pastor e professor universitário: "Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho".
A denominação, que completou 30 anosFortaleza2018, teria aproximadamente 500 fiéis, segundo relatoum dos seguidores à BBC News Brasil.
A igreja se autodenomina anabatista, mas não integra grupos históricos deste movimento cristão, como os amish e os menonitas.
Nos 48 tópicos registradosseu credo há regras rígidas:
"Cremos que o homem deve ter cabelo curto e a mulher deve ter cabelo longo", diz o tópico 18.
"Cremos que joias, pinturas e atavios devem ser repudiados", afirma o seguinte.
"Cremos que anticonceptivos artificiais e cirurgias para evitar filhos são pecaminosos", continua o texto.
Glauco Barreira é mestredireito e doutorsociologia pela Universidade Federal do Ceará.
Durante a graduação, era visto como "sério, estudioso, ligadofilosofia", segundo relatoum ex-colegafaculdade à BBC News Brasil. Nas palavras do contemporâneo, com o tempo teria se tornado "uma Damares (Alves) da Academia",referência à senadora bolsonarista eleita pelo Distrito Federal.
Coordenou cursosDireitofaculdades privadas e seu currículo na plataforma Lattes inclui pesquisasFilosofia do Direito, Hermenêutica jurídica, Teoria do Direito, Direitos Fundamentais e Imaginário Jurídico.
Entre suas áreasatuação está o direito Constitucional - área dedicada a estudar a Constituição Federal, onde está estabelecido que todos os cidadãos brasileiros têm direito ao voto livre e secreto.
Barreira ganhou projeção nacional2013, como professor, quando escreveu no site da faculdadeDireito da UFC que o reconhecimento do casamento homoafetivo pelo Conselho NacionalJustiça (CNJ) seria um "golpeestado".
Neste texto, Barreira associou a atuação do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), citando o então ministro Joaquim Barbosa, ao comportamentoAdolf Hitler.
Atualmente, publica diariamente opiniões sobre as eleiçõessuas redes sociais.
Recentemente, o professor e pastor divulgou montagem com um retrato do líder da revolução chinesa Mao Tsé-tung junto ao logotipo do TSE, junto aos dizeres: "Mao TSE Tung".
Em outra, a imagemuma boca costurada sob as letras "STF" e o seguinte texto: "Muitobreve, se nada for feito, nosso direito sagrado à liberdadeexpressão será totalmente tolhido pelo STF", diz a legenda.
Em um álbumfotos, incluiu cópia da primeira página do jornal Correio da Manhã3abril1964 - dois dias após o golpe militar.
Um texto adicionado ao facsímile apoiava um novo golpe, convocando pessoas para um ato chamado "clamor pela intervenção" na avenida Paulista,2019: "A história demonstra claramente. Por causa do povomassa nas ruas é que houve intervenção militar".
Entre diversas falas antivacina, o pastor e professor estimulou seguidores que tomaram imunizantes e tiveram covid a processarem suas empresas.
As dezenaspublicações diárias também promovem suas atividades como pastor. Caso do anúncioum culto especial que presidiu sobre "O que a bíblia diz sobre a condenação eterna (inferno)?".
A reportagem perguntou ao pastor e professorDireito Glauco Barreira Magalhães Filho:
- Por que o senhor veta a seus fiéis - textualmente e durante cultos - a liberdadevoto, sob ameaçasaída compulsória da igreja?
- O Código Eleitoral, como sabe, tipifica como crime "ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar". Condicionar a presença na igreja ou não à anulação do voto foi entendido como infração à lei, na avaliaçãouma autoridade entrevistada pela reportagem. Qual é areação?
- O senhor é professor Associado I da escolaDireito da Universidade Federal do Ceará. É membro da Academia CearenseLetras Jurídicas. Vê contradição entreatuação religiosa e o que ensina e como atua profissionalmente?
Nenhuma das perguntas foi respondida, nem os pedidosentrevista por telefone foram atendidos.
O artigo 29 do credo da igreja liderada por Batista diz que "membros não devem envolver-sepolítica (votando ou sendo votado)".
O trecho inclui uma sériepassagens bíblicas como suporte à regra, entre as quais "A nossa cidadania, porém, está nos céus,onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo" (FL 3:20).
O pastor e professor definiu a igreja num artigo publicadonovembro2016. No texto, ele reitera a relação da denominação que preside com a política.
"A Igreja Batista Renovada Moriá é anabatista. Nem todos os batistas são anabatistas (...) Os anabatistas distinguem-se deles por não aceitarem qualquer aproximação entre a igreja (ou os crentes individuais) e a política partidária."
Contradição
À reportagem, um dos fiéis da igreja liderada por Barreira narra um rígido processo seletivo para entrada na agremiação.
"Antesqualquer pessoa ingressar na igreja, ela passa por uma faseestudos. Caso estejaacordo e queira ser membro, é submetido a uma entrevista."
"Se você convencer os pastores e líderes daconvicção, será aceito."
A avaliação pode acontecer por escrito ou por meioentrevistas. Segundo a pessoa entrevistada, caso as regras da igreja sejam descumpridas - a obrigatoriedadevoto nulo nas eleições, inclusive -, o fiel é imediatamente afastado.
"Durante o convívio na comunidade, se o seu comportamento ou atitudes demonstrar o contrário do regulamento interno aceito, o seu nome é expulso do rolmembros."
A pessoa entrevistada se mostra constrangida pelo posicionamento político do pastor e professor da universidade cearense.
"O pastor determina nossa salvaçãorelação à nossa simpatia por A ou B, como está escrito na nota dele", ela diz.
Diz que está "em desacordo com a doutrina" porque vê contradição entre a postura pessoal do pastor e o que ele prega no púlpito.
"Eu acho esquisito o pastor demonstrar tanta simpatia pela direita e ficar sempre debatendopalestras, encontros, e páginas sociais", diz.
"Já começou a ditadura nas igrejas."
- Este texto foi publicadohttp://vesser.net/brasil-63351457
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