O Brasil que Lula vai herdar7 gráficos:

Lula

Crédito, EPA

Legenda da foto, Lula venceu as eleições e será o novo presidente a partir2023

ECONOMIA

Após o Brasil registrar inflação, juros e desempregotaxas que chegaram a dois dígitos, alguns indicadores da economia apresentaram melhora — projeção do Produto Interno Bruto (PIB), taxainflação e desemprego estão entre eles.

No entanto, o combo previsto para a virada2022 para 2023 ainda éum crescimento inferior aopaíses vizinhos, inflação acima da meta, e desafio na criaçãopostostrabalho com carteira assinada.

Além disso, o próximo governo terá a missãocomandar decisões relevantes para os cofres públicos e para o dia a dia da população, como o futuro do Auxílio Brasil, turbinado às vésperas da eleição.

Crescimento econômico

Nos últimos meses, as expectativas do mercado financeiro para o PIB (Produto Interno Bruto, somabens e serviçosum país) ao fim do ano aumentaram. A projeção, quejulho estava abaixo2%, agora está2,76%, segundo o Boletim Focus divulgado pelo Banco Central24outubro. Para 2023, a expectativa éum crescimentoapenas 0,63%.

É parecido com a projeção do Banco Central, que aumentou, no fimsetembro, a estimativacrescimento deste ano para 2,7%. Para 2023, no entanto, prevê uma desaceleração da economia na comparação com 2022, com o PIB crescendo 1%.

No entanto, veio dado negativo recentemente: o ÍndiceAtividade Econômica (IBC-BR) do Banco Central, considerado a "prévia" do PIB, registrou retração1,13%agosto, na comparação com julho. Esse foi o maior tombo mensal para o indicador desde março2021, quando foi registrada uma queda3,6%.

Mas como está o Brasilrelação a outros países?

A Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) divulgouagosto uma comparação entre as expectativascrescimento para os países na região, que inclui uma expectativamenos2% para o crescimento brasileiro neste ano. O comparativo mostra que o Brasil perde para países como Venezuela, Colômbia, Uruguai, Bolívia e Argentina.

gráfico PIB

Analistas apontam que a América Latina está,certa forma, privilegiadarelação a países da Europa por ser afetadaforma menos direta pelos impactos da guerra na Ucrânia.

Inflação e juros

A inflação escalou2020 até o início2022, chegandoabril a mais12% na taxa acumulada12 meses. Essa foi a maior inflação para o períodoum ano desde outubro2003.

Após esse pico, a inflação medida pelo IPCA começou a cair — eagosto2022 baixoudois dígitos pela primeira vezum ano (8,73%12 meses).

gráfico IPCA

Em junho, o Banco Central admitiu oficialmente que a metainflação para 2022 será descumprida pelo segundo ano seguido, quando previa uma altapreços8,8% para 2022. A meta centralinflação para este ano é3,5% e será oficialmente cumprida se ficar entre 2% e 5%.

Depois disso,setembro, a instituição reduziu para 5,8% a estimativa para este ano. E disse que há 93%chanceficar acima da meta.

A revisão na estimativa da altapreços feita pelo Banco Central veio depois do cortetributos sobre itens essenciais, como combustíveis e energia elétrica — alémreduções seguidas da Petrobras nos preçoscombustíveis —, que impactam a inflação diretamente e também indiretamente, por meio dos preçosoutros produtos.

Para 2023, não há previsãomelhora significativa no índicerelação à taxa prevista para 2022 — o Banco Central prevê um IPCA4,6% para o ano que vem. E a expectativa do mercado financeiro é um pouco acima disso: 4,94%, segundo o Boletim Focus divulgado24outubro.

Alémcorroer o podercompra dos trabalhadores, a altapreços tem como outra consequência o aumento dos juros. É que, nesses casos, o Banco Central aumenta a taxa básicajuros, a Selic, para tentar controlar a alta acelerada dos preços.

Desde março2021, a taxa básicajuros foi elevada por 12 vezes consecutivas. No período, subiu 11,75 pontos percentuais — o maior e mais longo cicloalta desde 1999. Em setembro, o Banco Central decidiu manter a taxa Selic13,75% ao ano. E manteve no mesmo nível na reuniãooutubro.

Desemprego

A taxadesemprego é outro indicador que teve alta recorde durante a pandemia e começou a cair recentemente — embora economistas apontem para o peso dos trabalhos sem carteira assinada nesse processo.

No primeiro trimestre2021, o IBGE registrou a maior taxadesemprego da série histórica iniciada2012,quase 15%, e também o maior contingentedesocupados: 14,8 milhõespessoas.

gráfico desemprego

Depois desse pico, começou a cair e deixou a casa dos dois dígitos.

O dado mais recente divulgado pelo IBGE mostra que, no trimestre encerradosetembro, a taxadesemprego seguiuqueda e chegou a 8,7%. Foi a menor taxa desde o trimestre fechadojunho2015 (8,4%). O númeroempregados sem carteira assinada no setor privado foi13,2 milhõespessoas, o maior da série histórica, iniciada2012.

Cinco anos após a reforma trabalhista, a expectativa é que a criaçãoempregos formais será um desafio para a equipe do presidente eleito e para o Congresso Nacional.

Na propostagovernoLula, ele defende a criaçãovagasempregos e falarevogar "marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma e restabelecendo o acesso gratuito à justiça do trabalho".

Diz que "o novo governo irá propor, a partirum amplo debate e negociação, uma nova legislação trabalhistaextensa proteção social a todas as formasocupação,emprego erelaçãotrabalho", com especial atenção "aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, trabalhadores e trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadoreshome office, mediados por aplicativos e plataformas".

Na propostagovernoBolsonaro, ele falavaações que visem combater o trabalho informal. "A estratégiainclusão e combate à informalidade deverá contemplar alternativas contratuais inteligentes e que reconheçam a realidade desses trabalhadores nas regiõesque vivem, incluindo dos trabalhadores por aplicativos e trabalhadores rurais, dentre outros", diz o texto.

Também acrescentou que "é indispensável avançar na agendaempregabilidadejovens e mulheres".

POBREZA

Ao mesmo tempoque é conhecido pela forte produção agrícola, o Brasil não tem conseguido alimentarpopulação — e inclusive voltou ao Mapa da Fome, segundo a Organização das Nações Unidas.

A parcelabrasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou afamíliaalgum momento nos últimos 12 meses subiu30%2019 para 36%2021, atingindo recorde da série iniciada2006, segundo levantamento do FGV Social.

E o problema afeta especialmente as mulheres: o patamarinsegurança alimentar ficou relativamente estável entre os homens, mas subiu33% para 47% para elas.

gráfico mostra aumento da pobreza entre mulheres

Os pesquisadores apontaram que a diferença entre gêneros da insegurança alimentar2021 foi 6 vezes maior no Brasil do que na média global.

Vale lembrar que esses dados são referentes a um momento crítico da pandemia, que agravou problemas já existentes no país.

Dado deste ano, no entanto, aponta que,2022, 33,1 milhõespessoas não têm o que comer, segundo a Rede BrasileiraPesquisaSoberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). A mesma pesquisa aponta que a fome tem não só gênero, mas cor: 65% dos lares comandados por pessoas pretas ou pardas convivem com restriçãoalimentos.

E medidastransferênciarenda não ajudaram a reduzir o índicepobreza?

Sim, mas poderiam ter efeitos melhores, disse à BBC News Brasil o economista Marcelo Neri, referência no tema e diretor do FGV Social. "O auxílio emergencial levou a pobreza ao menor nível da série histórica desde que elas são geradas no Brasil. Desigualdade menos, mas pobreza com certeza."

O problema é o que ele chamou,estudo publicado pela FGV,"montanha-russa da pobreza", no qual a equipeNeri destaca a faltaestabilidade no nívelpobreza — e lembra que estabilidade é fundamental para o bem estar social.

"A pobreza caiu, depois aumentou e agora a gente não sabe exatamente quanto caiu — ainda não temos dado2022. Mas a gente sabe que ela poderia cair mais — os instrumentos não estão muito ajustados. Para a quantidaderecursos que a gente tem gasto, poderia cair mais", diz Neri.

A pobreza chegou a seu menor níveltodos os temposagosto2020, com uma taxa3,9%, após o início do pagamento do auxílio emergencial. No entanto,março2021, quando houve interrupção do pagamento do benefício, a taxa chegou a 13,2%, recorde histórico da série iniciada2015.

Neri destaca, ainda, que uma análise prolongada dos dadospobreza mostra que ela "sempre caianoeleição" e que, até aqui, na maioria das vezes, voltou a subir após o ano eleitoral.

O economista, que foi ministro da SecretariaAssuntos Estratégicos da Presidência da República e presidente do InstitutoPesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que o auxílio criado recentemente tem a qualidadeser "generoso" —referência ao valorR$ 600. Mas destaca que o desafio do próximo presidente, alémlidar com a "preocupante" instabilidade da pobreza, será o desenho do programa. Ele considera que o Bolsa Família não fazia "mais", mas fazia "melhor" do que o Auxílio Brasil.

Uma das críticasespecialistas ao desenho atual é que gera um cenárioque uma famíliauma pessoa e outraquatro integrantes podem receber valor igual ou semelhante, deixando famílias maiores com um valor mais baixo por pessoa.

A definição sobre o futuro da transferênciarenda virá acompanhada pelo desafioequilibrar as contas públicas, com discussões sobre a arrecadaçãotributos e das prioridades nos gastos públicos.

EDUCAÇÃO

Passado o momento crítico da pandemia, a crise na educação continua e deixa muitos desafios urgentes, segundo especialistas.

Pesquisa realizadaagosto pelo Ipec para o Unicef mostra que 2 milhõesmeninas e meninos11 a 19 anos que ainda não haviam terminado a educação básica deixaram a escola no Brasil.

O levantamento mostrou que 11% das crianças e adolescentes estão fora da escola no país. E o problema é quatro vezes maior nas classes D e E —que esse percentual chega a 17% — do que nas classes A e B, com 4%.

E 21% dos entrevistados disseram que nos últimos três meses pensaramdesistir da escola.

imagem mostra cadeirasescola vazias

Entre aqueles que não estão mais frequentando a escola, a justificativa mais citada (48%) para o abandono dos estudos foi "porque tinhatrabalhar fora". Não conseguir acompanhar as explicações ou atividades foi um motivo apontado por 30%. E 29% apontaram também que "a escola não tinha retomado atividades presenciais". A necessidadecuidarfamiliares foi mencionada por 28%, alémfaltatransporte (18%), gravidez (14%), desafios por ter alguma deficiência (9%), racismo (6%), entre outros.

Mas o que que representa essa quantidadejovens fora da escola?

Diz Priscila Cruz, presidente do movimento Todos Pela Educação: "Você imaginar uma criança ou jovem com escolaridade baixa — abaixo da conclusão do ensino médio —, isso vai significar para a vida dela: subemprego, dificuldade para se inserir economicamente e ter adignidade mais básica garantida — como alimentação, habitação — e também gera outros efeitos, como gravidez precoce", diz Cruz. "Para o país, (efeito é) atividade econômica reduzida, maior concentraçãorenda, taxasviolência maiores, democracia fragilizada, cidadania fragilizada."

É por isso que ela chama a situação"uma bomba social e econômica". "Como é uma bombaexplosão lenta evárias explosões ao longo do tempo, a sociedade não percebe essa bomba estourando. São várias bombas estourando todos os dias", diz, citando crianças nas ruas e trabalho infantil.

Como um dos problemas urgentes, Cruz destaca a necessidadeinvestirmerenda escolar e infraestrutura das escolas.

"A gente passou por um período com escolas fechadas, se deteriorando, dinheiro da merenda sendo cortada,aumentocriançasfamíliassituaçãoinsegurança alimentar. Então, tudo isso faz com que a gente precise investir naquela agenda que é a dignidade — ter uma escolapé e uma criançapé", diz ela, que passou parte2021 e deste ano percorrendo escolas pelo país.

Outra tarefa do próximo presidente, segundo ela, é restabelecer a colaboração entre União, Estado e municípios — "espinha dorsal" da política da educação básica, tarefa dos três entes da federação.

"O primeiro ato do novo presidente da República, na minha opinião, deveria ser chamar os 27 governadores para uma mesa para estabelecer o federalismo na educação brasileira."

Alémrecuperar as perdas dos últimos anos, Cruz diz que o governo também deve "colocarprática uma agenda sistêmicapolíticas educacionais baseadasevidências e nas boas experiências brasileiras — a implementação do novo ensino médio, políticaprimeira infância, políticaformação continuadaprofessores, alémampliar a ofertaeducação profissional e técnica nas áreas da economia do século 21."

SAÚDE

A pandemia escancarou e agravou diversas dificuldades do Brasil na área da saúde, alémdestacar diferenças regionais.

A médica, professora da Unicamp e presidente da Abrasco (Associação BrasileiraSaúde Coletiva), Rosana Onocko Campos, define a atual situação do Brasil na saúde como "um colapso total e irrestritotudo o que a gente já teve funcionando um dia".

Para Campos, "desde 2016 (ano da proposta do tetogastos), a gente vem ladeira abaixo" — um cenário que ela destaca que foi agravado pela pandemia. E complementa que houve "uma intencionalidade" do governo"destruir questões do sistema que vinha funcionando", e cita "o desfinanciamento da atenção primária, passando pela destruição dos sistemasinformação, atraso na compravacinas e atentados contra a estabilidade dos trabalhadores da saúdeplena pandemia."

A professora diz que o Brasil precisará "trocar o pneu do carro com o carro andando", destacando a necessidadeampliar o provimentoequipessaúde da família e conseguir que as equipes possam,fato, operarrelação a algumas prioridades.

O primeiro passo, para Campos, é "ter um comando da saúde no país" —referência ao Ministério da Saúde.

Um dos diversos números que revelam desafios do próximo presidente na saúde é a redução da cobertura vacinal nos últimos anos. Ainda que os dados mais recentes sejam parciais, é possível ver que há uma queda2018 para cá na proporção da população imunizada.

gráfico vacina

Em agosto deste ano, a Fiocruz apontou que a cobertura vacinal no Brasil "estáíndices alarmantes" e fez campanhavídeo para alertar a populaçãoque as vacinas têm a missãoproteger o corpo humano, ao ensinar o sistema imunológico a combater vírus e bactérias que desafiam a saúde pública — prevenindo adoecimentos e mortes.

Campos atribui a redução na cobertura vacinal não só a um negacionismo que afeta diversos países, mas diz acreditar que "a maioria da queda da vacinação se deve à faltaestímulo a campanhas educacionais que promovem a vacinação" e defende a necessidadeexigir vacinação para acessar benefícios sociais. Ela aponta, ainda, que uma melhora na atenção primária também ajudaria a garantir uma oferta mais efetivavacinas à população.

A queda na cobertura vacinal tem levado pesquisadores a alertarem para os riscosretornodoenças já erradicadas, como a poliomielite. O Brasil foi considerado livre dela1994, mas a Fiocruz destaca que a doença, também chamadapólio ou paralisia infantil, "corre grande riscoser reintroduzida no país".

SEGURANÇA PÚBLICA

Na segurança pública, a boa notícia é que houve queda na taxamortes violentas intencionais no Brasil.

Segundo o Fórum BrasileiroSegurança Pública, o picoviolência letal ocorreu2017, quando o país registrou 30,9 mortes violentas intencionais (homicídios) para cada 100 mil habitantes. Depois, houve uma tendênciaqueda e,2021, a taxa foi22,3, uma redução6,5%relação a 2020.

Dois pontos centrais explicam esse resultado, segundo David Marques, coordenadorprojetos do Fórum BrasileiroSegurança Pública: políticas públicas estaduais (com algumas unidades da federação, segundo ele, investindotrabalho e equipamento) e a dinâmica do crime organizado —2017, ele lembra que houve "desdobramentosum conflitolarga escala entre o PCC e o Comando Vermelho pelo controle das rotas no Centro-Oeste".

Bolsonaro já atribuiu a reduçãoassassinatos à liberaçãoarmas, mas especialistas disseram que mais armas representam maior risco à sociedade. Analistas atribuíram a tendênciadiminuiçãoassassinatos no Brasil a fatores como profissionalização do mercadodrogas brasileiro, à criação no âmbito federal do Sistema ÚnicoSegurança Pública, maior controle e influência dos governos sobre os criminosos, tréguas nos conflitos entre facções, e redução do númerojovens na população.

Mesmo essa melhora na taxa nacional, no entanto, não foi suficiente para colocar o Brasilum bom patamar.

gráfico violencia

O Anuário BrasileiroSegurança Pública aponta que, na comparação internacional, "fica patente o quão distante estamosqualquer referência civilizatória da humanidade e que, por trás da ideianação pacífica, vivemos uma profunda e covarde criseindiferença eembrutecimento das relações sociais cotidianas."

E qual deve ser o papel do governo federal para melhorar esse cenário? Segundo Marques, alémter suas polícias — como a Polícia Federal — "o governo federal tem àdisposição os recursos do Fundo NacionalSegurança Pública e cabe a ele, por meio desse instrumentofinanciamento, fazer a coordenação e a indução da política pública".

- Este texto foi publicado emhttp://vesser.net/brasil-63096483