'Vamos invadir Congresso e o STF': o que está por trás do disparomassamensagens pró-Bolsonaro:
Quando recebeu a mensagem incitando a invasão ao Congresso e ao Supremo caso Jair Bolsonaro (PL) não vença as eleições presidenciais no primeiro turno, ele ficou surpreso.
"Mostrei para todos meus amigos para ver se eu não estava entendendo errado."
Não estava: um grande númeropessoas recebeu a mesma mensagem na noitesexta para sábado. A reportagem encontrou pessoas no Paraná,São Paulo e no Rio Grande do Norte que receberam o texto.
Partiu da Algar Telecom, uma empresatelecomunicações fundadaUberlândia (MG). A empresa confirmou "a ocorrênciaum acesso indevido à parte dabasedados, que ocasionou um disparomassamensagens via SMS não autorizado pela empresa" e disse ter começado uma investigação interna para identificar causas e tomar providências técnicas e legais.
Em resposta a um processo no Tribunal Superior Eleitoral aberto pela coligação da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra os disparosmassa, no entanto, a empresa foi mais específica: os disparos foram feitos pelo usuárioum funcionário.
Segundo petição da empresa, o usuário mudou a senha do administrador, criou um novo centrocustonome "presidente_Bolsonaro_mais_uma_vaz" e iniciou os disparos, como se fossem feitosum centrocustoum cliente habilitado a enviar mensagenstexto.
"O usuário (...) realizou a troca da senha do usuário Admin21/09/2022 às 23:09", diz a resposta judicial da empresa. Dezoito minutos depois, criou novo centrocusto.
Dois dias depoistrocar a senha e criar um centrocusto, o usuário realizou três disparos. Na madrugada seguinte, fez um último disparo, à 00:41 do dia 24setembro.
A reportagem perguntou à Algar Telecom quantas pessoas receberam os SMS, mas não recebeu resposta.
O teor da mensagem segue um novo discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) - oque ele deve ganhar as eleições no primeiro turno. E se isso não se concretizar, afirmou, é porque "algoanormal" terá acontecido "dentro do TSE".
As pesquisas eleitorais, no entanto, indicam vitória do ex-presidente Lula no segundo turno - e possivelmente no primeiro - contra Bolsonaro.
O presidente também já atacou diretamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso. Sua campanha foi procurada para comentar o disparo das mensagensseu apoio, mas não respondeu à reportagem.
"Esse tipoinformaçãomassa, vinculado a resultado político, é grave, independente do partido", diz Diego Araújo, DDD 84, do Rio Grande do Norte. Ele diz que quando recebeu o SMS, achou que fosse algum tipobrincadeira.
No domingo, depois da repercussão nas redes sociais, uma segunda mensagem foi enviada aos usuários que receberam a primeira: "Prezado usuário(a), favor desconsiderar mensagemconteúdo eleitoral encaminhada nos dias 23 e 24/09/2022 do número 28523." Mas nem todos que receberam a mensagem viram a correção. Araújo só viu a nova mensagemtexto quando foi questionado pela reportagem.
O número que enviou as mensagens é o mesmo usado pela Celepar (CompanhiaTecnologia da Informação e Comunicação do Paraná), para enviomensagens oficiais — agendamentoexames, como no casoBruno Gurgatz, emissãodocumentos, entre outros.
A Celepar disse que jamais teve ciência, autorizou ou enviou qualquer tipomensagem, e que ela e o governo do Estado do Paraná foram vítimasum crime. E repudiou "qualquer tentativauso político, eleitoreiro ou manifestação antidemocrática a partirsuas plataformasserviços e trabalha ativamente para combater esse tipoatitude".
"Fiquei bastante indignada e assustada, achei absurdo usarem um órgão público pra disparar SMS com esse teor faltando só uma semana pras eleições. Ainda mais preocupante é incitarem um golpe assim à luz do dia sem nenhum medo das consequências", diz Ludmila Vilaverde,26 anos, DDD 11. Para ela, muita gente deve se sentir amedrontada para votar, "que deve ser o objetivo da pessoa ou pessoas que fizeram o disparo".
"Eu me questiono como localizaram meu número para mandar esse tipomensagem", diz Bianca Oliveira,24 anos, uma das pessoasSão Paulo que receberam o SMS. "Fiquei angustiada e me senti insegura pensando na violência que está acontecendo com opositores do governo atual."
Disparomassa
O disparomassa fere tanto a Lei GeralProteçãoDados brasileira quanto a legislação eleitoral.
No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vedou os disparosmassa. De acordo com Acácio Miranda, especialistadireito constitucional e eleitoral, mesmo se a ação não tiver ligada à campanhaBolsonaro, sealguma forma for comprovado que as mensagens o beneficiaram,chapa pode ser impugnada. Também há a responsabilização penal individual para a pessoa e a empresa que fizeram o disparomassa.
"Não é simples liberdademanifestação. Você pode se expressar online ou mandar uma mensagemWhatsApp para seus contatos defendendo um candidato. Mas o disparomassa sai da liberdadeexpressão porque fere a igualdadecondiçõescandidatos e beneficia uma candidatura sobre as demais", afirma Miranda.
Para Rafael Zanatta, diretor da ONG Data Privacy Brasil, o disparo neste fimsemana "mostra um tipoataqueengenharia social bem feito e perigoso".
"O atacante se valeum númeroenvio muito respeitado euma confiança pré-estabelecida do cidadão que está acostumado a receber informações oficiais daquele número", diz.
"É a primeira vez que acontece. Vimos problemauso ilegaldados envolvendo o WhatsApp nas eleições passadas, e tivemos problemasvendabasedados no Telegram. Esse caso inaugura uma coisa nova: conseguir desinformar e tumultuar por meio do SMS, que é algo muito poderoso. É muito utilizado e funcionatodos os celulares."
Não é baixo o risco, avalia Zanatta, que lembra como uma sérierevoltasMaputo, no Moçambique, foram convocadas por SMSorigem desconhecida. Aconteceu2010.
A Data Privacy Brasil protocolou uma representação ao Ministério Público Federal denunciando o uso indevidobasedados da Celepar.
No Brasil, segundo pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box - Mensageria no Brasilagosto deste ano, o SMS é usado principalmente para envionotificações por empresas aos seus consumidores, mas não para conversas entre pessoas, áreaque reinam aplicativos como o WhatsApp e o Telegram.
Dos entrevistados com smartphone, 48% afirmam receber mensagenstexto todo dia ou quase todo dia, enquanto apenas 6% enviam mensagenstexto com essa frequência.
Mas receber uma mensagemtexto com ameaças ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal é novidade. "Esse tipoacontecimento só reforça o climainsegurança nas eleições. Do medoque possa acontecer alguma coisa, do medo que possam interferir no nosso sistema eleitoral", diz Bruno Gurgatz, que teve a noite interrompida pelo SMS antidemocrático.
- Este texto foi publicado originalmentehttp://vesser.net/brasil-63041903
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