'Ela morreu após 10h na fila por benefício': assistência social tem menor orçamentodead slotuma década:dead slot
"Ainda estou com aquela sensaçãodead slotque isso tudo é um pesadelo, que amanhã vou acordar e ela vai estar aqui dormindo e vamos tomar café. Ainda não consegui assimilar tudo e saber que ela não está mais aqui comigo. É um vazio", diz Iomar Fernandes Torres,dead slot61 anos e companheiradead slotJanaína por dez anos.
"Ela era uma parceiradead slotvida, era eu para ela e ela para mim e tudo nós fazíamos juntas. Éramos companheiras, cúmplices, confidentes, amigas", afirma a trabalhadora autônoma.
"Meu grito não édead slotcunho político porque, para mim, entra um e sai outro, e continua tudo do mesmo jeito. Mas eu espero, do fundo do meu coração, que não precisem mais outras Janaínas morrerem para se mudar o sistemadead slotassistência social. Para acordarem e verem que aquilo ali é desumano, é humilhante", completa Iomar.
Assistência social perde espaço no Orçamento federal
A morte trágicadead slotJanaína Araújo é um exemplodead slotcomo a fragilidade dos serviçosdead slotassistência social brasileiros tem afetado a vidadead slotpessoasdead slotsituaçãodead slotvulnerabilidade.
Para especialistas e gestores municipais ouvidos pela BBC News Brasil, as filas nas portas dos Crasdead slottodo o país são um resultado direto da perdadead slotespaço dos serviçosdead slotassistência social no Orçamento federal, alémdead slotmudanças na formadead slotgestão dos programas sociais feitasdead slotforma unilateral pelo governo. Segundo eles, a queda nos recursos revela a faltadead slotprioridade da assistência social.
Procurado para comentar a redução do Orçamento para a assistência social, o Ministério da Cidadania não respondeu aos questionamentos da BBC News Brasil.
Os serviçosdead slotassistência social são a rededead slotequipamentos públicos que possibilita o acesso a benefícios como o Auxílio Brasil, BPC (salário mínimo pago a idosos e pessoas com deficiênciadead slotbaixa renda) e encaminhamento a abrigos para crianças e mulheres vítimasdead slotviolência doméstica, por exemplo.
Apesar do recente aumentodead slotrecursos para o Auxílio Brasil, essa rededead slotserviços contínuos, que exigem financiamentodead slotcaráter permanente, têm perdido espaço no Orçamento federal.
O modelodead slotgestão do Suas (Sistema Únicodead slotAssistência Social) prevê o cofinanciamento do sistemadead slotassistência social entre União, Distrito Federal, estados e municípios. Mas a parcela da União nesse cofinanciamento estádead slotqueda desde 2014 edead slot2023 deve atingir o patamar mais baixodead slotmaisdead slotuma década.
Segundo levantamento da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), o orçamento federal para cofinanciamento dos serviçosdead slotassistência — que inclui a manutenção dos Cras, Creas (Centrodead slotReferência Especializadodead slotAssistência Social) e abrigos, por exemplo — diminuiudead slotcercadead slotR$ 3 bilhõesdead slot2014, anodead slotmaior orçamento do período recente, para valores próximos a R$ 1 bidead slot2021 e 2022, conforme a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Estudo do Ipea (Institutodead slotPesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao Ministério da Economia, mostra a mesma tendência.
"Este volumedead slotrecursos chama atenção porque configura o menor montante proposto pelo governo federal nos últimos dez anos. Com isso, sinaliza-se a ausênciadead slotprioridade dada a esta política, ainda mais no contextodead slotuma crise com impactos duradouros na economia e na sociedade e que demandará um longo processodead slotrecuperação", escreveram os técnicos do Ipea, comentando o orçamento para a assistência socialdead slot2021.
Em 2023, o Projetodead slotLei Orçamentária Anual (PLOA) atualmentedead slotdiscussão no Congresso destina montante ainda menor para esses serviços: R$ 48,3 milhões, valor mais baixodead slotmaisdead slotuma década.
Esse valor inclui recursos destinados à Proteção Social Básica (que mantêm os Cras), Proteção Social Especializada (que mantêm todos os serviços especializados) e Estruturação da Rededead slotServiços (que inclui gastos com encaminhamento a serviços prestados por entidades).
Aperto fiscal e tetodead slotgastos
Um primeiro motivo que explica por que a rededead slotserviçosdead slotassistência social está perdendo espaço no Orçamento federal, enquanto benefícios como Auxílio Brasil e BPC têm seus recursos mantidos ou até ampliados, é que os programasdead slottransferênciadead slotrenda são gastos obrigatórios, enquanto as despesas com os serviços socioassistenciais são gastos discricionários — despesas que o governo pode ou não executar,dead slotacordo com a previsãodead slotreceitas.
É o que explica Jucimeri Isolda Silveira, professora da Pós-Graduaçãodead slotDireitos Humanos e Políticas Públicas da PUC-PR e responsável pelo estudo Proteção Social, Desproteção e Financiamento do Suas.
"Desde a Emenda Constitucional 95 [que estabeleceu o tetodead slotgastos, limitando o crescimento da despesa do governo à variação da inflação no ano anterior], os recursos para a assistência social vêm sendo reduzidos. Então é essa rede, que atua lá na ponta, que faz o cadastramento das famílias, que visa o acompanhamento integrado dessa população que acessa os benefícios, que está sendo comprometida", diz Silveira.
Ela dá outro exemplo prático dessa perdadead slotrecursos: o Programadead slotErradicação do Trabalho Infantil (Peti) não recebe recursos federais para açõesdead slotenfrentamento desde 2019.
Com a redução dos repasses federais, também ficam prejudicados serviços prestados pelos municípios como atendimento à populaçãodead slotsituaçãodead slotrua, imigrantes e mulheres vítimasdead slotviolência.
"Quem faz esse atendimento na ponta é a assistência social, é ela, por exemplo, que garante a proteção integraldead slotcriançasdead slotsituaçãodead slotacolhimento institucional, que são maisdead slot30 mil hoje no Brasil", exemplifica a professora e pesquisadora da PUC-PR.
Para Manoel Pires, coordenador do Observatóriodead slotPolítica Fiscal do Ibre-FGV (Instituto Brasileirodead slotEconomia da Fundação Getulio Vargas), o tetodead slotgastos agravou a situaçãodead slotperdadead slotreceitas para a assistência, mas o quadrodead slotrestrição orçamentária é anterior.
"Há uma compressão da despesa discricionária desde 2014, 2015, que é quando o ajuste fiscal começa. O tetodead slotgastos entra no meio dessa história. Ele começadead slot2017 e institucionaliza a redução desse tipodead slotdespesa", afirma Pires.
Emendas parlamentares não são solução, dizem gestores
Nos últimos anos, o governo tem buscado compensar a reduçãodead slotOrçamento para a assistência social por meio da destinaçãodead slotrecursos via emendas parlamentares ou créditos extraordinários, como o recursos emergencialdead slotcombate à covid-19.
Mas Eliasdead slotSousa Oliveira, presidente do Congemas (Colegiado Nacionaldead slotGestores Municipaisdead slotAssistência Social), explica que isso não resolve o problema, já que as estruturasdead slotassistência têm caráter permanente, enquanto esses recursos sãodead slotnatureza eventual.
"Os serviçosdead slotCras,dead slotCreas,dead slotacolhimentodead slotadultos e crianças, casas-abrigo para mulheres vítimasdead slotviolência são serviços continuados. Como eu faço a programaçãodead slotum serviço que é permanente com o recursodead slotuma emenda parlamentar que é esporádica?", questiona Oliveira.
O representante do Congemas explica que, para manter o atendimento à população num momentodead slotaumento da demanda pelos mais vulneráveis, os municípios passaram a compensar com o próprio caixa a faltadead slotrecursos federais.
"Alguns municípios menores, com maior dificuldade, acabaram diminuindo atendimento e até fechando serviços. Outros municípios acabam cobrindo o que o governo federal não manda, mas isso implicadead slotuma perda da capacidadedead slotaumentar e ampliar o atendimento num momento, pós-pandemia,dead slotaumento da demanda", diz Oliveira.
O representante cita o exemplodead slotFoz do Iguaçu, cidade onde é secretáriodead slotAssistência Social. Até marçodead slot2020, a cidade paranaense tinha 29 mil famílias no Cadastro Único (registro das famílias brasileirasdead slotbaixa renda que permite o acesso a benefícios como o Auxílio Brasil), sendo 7 mil delasdead slotextrema pobreza.
Agora, segundo Oliveira, são 47 mil famílias no Cadastro Único e 18 mil famílias na pobreza.
"Isso aumentou a demanda pelos Cras, pelos Creas, por acolhimento, por atendimento da populaçãodead slotsituaçãodead slotrua e, alémdead slotnão termos expansão das metasdead slotatendimento e do cofinanciamento, ainda temos cortes nos recursos, num contextodead slotnúmerodead slotatendimentos muito maior", diz o gestor.
Segundo ele, os municípios respondem hoje por 90%dead slottudo que é investido na assistência social, quadro que poderá ser complicado com a perdadead slotarrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulaçãodead slotMercadorias e Serviços) sobre combustíveis, determinada pelo governo federal como uma formadead slotreduzir a inflação às vésperas das eleiçõesdead slotoutubro.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima a perdadead slotreceitas para os municípios com a medidadead slotR$ 22 bilhões, com efeitos também sobre os gastos com educação e saúde.
Oliveira afirma, porém, que não é só a faltadead slotrecursos que explica as filas nas portas dos Cras, como a enfrentada por Janaínadead slotBrasília, no diadead slotque a companheiradead slotIomar morreu após dez horasdead slotespera e oito diasdead slottentativas frustradasdead slotobter um benefício.
Segundo o gestor, com a mudança do Bolsa Família para Auxílio Brasil, o processodead slotatualização do Cadastro Único mudou. Antes, os municípios tinham um prazodead slot60 dias para fazer a averiguaçãodead slotfamílias, realizar a busca ativa e informar o governo federal sobre casosdead slotque a família não pôde ser encontrada para atualizar o cadastro, situação que resultava no bloqueio do benefício até alguém da família comparecer ao Crasdead slotreferência.
"Hoje, o governo bloqueiadead slottodo mundo [com cadastro desatualizado] e muitas pessoas só ficam sabendo que estão bloqueadas na horadead slotir ao banco sacar o Auxílio Brasil. Você imagina num mês, 3 mil famílias são bloqueadasdead slotFozdead slotIguaçu — como já aconteceu. Essas 3 mil famílias vão imediatamente para os Cras. Isso vai gerar fila", exemplifica Oliveira.
A isso se soma a dificuldadedead slotaumentar o quadrodead slotfuncionáriosdead slotatendimento, devido à restriçãodead slotrecursos, nesse contextodead slotaumento da demanda, impulsionada ainda pelo Auxílio Brasil ampliado para R$ 600 até dezembro e pelo aumento do auxílio-gás.
"Anteriormente, quando o governo federal fazia mudanças, ele dialogava com os municípios. Tinha todo um planejamento. Hoje, muitas vezes, Estados e municípios ficam sabendodead slotmudanças através dos jornais", critica o gestor.
Após a mortedead slotJanaína no Cras Paranoá,dead slotBrasília, o governo do Distrito Federal anunciou uma parceria com o Corpodead slotBombeiros Militar do DF para ampliar os atendimentos sociais e desafogar a espera por atendimento nos Cras da capital do país.
A Secretariadead slotDesenvolvimento Social do Distrito Federal (Sedes) não respondeu a pedidodead slotposicionamento sobre o tema feito pela BBC News Brasil.
Iomar espera que a mortedead slotsua companheira sirva como um alerta para que o sistemadead slotassistência social brasileiro mude.
"A assistência social no nosso país, você me desculpe, mas é decadente, é vergonhosa. Não pelos profissionais da assistência, mas pelo sistema e seus governantes. É um incentivo à fila, ao descaso, à desumanidade", afirma Iomar.
"É preciso uma mudança drástica. Eu quero que meu grito seja ouvido: não deixem mais Janaínas morreremdead slotbuscadead slotuma ajuda para ter um poucodead slotdignidade. É só o que eu espero: que a morte dela não tenha sidodead slotvão. Eu realmente espero que haja mudanças."
- Este texto foi publicado originalmentedead slothttp://vesser.net/brasil-62815251
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