O homem que ficou 4 anos preso e só foi inocentado após enviar carta ao STF:monopoly pixbet

João lendo carta

Crédito, Fernando Otto

Para três dos cinco ministros da 2ª turma do Supremo, a detenção não seguiu a lei e o jovem fora condenado sem provas. Ele foi inocentadomonopoly pixbetfevereiro.

Hoje livre, João agora tenta lidar com as consequências dos anos encarcerados. "A prisão acabou com a minha vida. Parei no tempo", diz, na casamonopoly pixbetsua mãe, com uma cópia da carta nas mãos — ele escreveu outras quatro, mas só uma foi anexada ao processo.

Não só ele parou no tempo, toda a família parou. Sua mãe por quatro anos sofreu com a ausência do filho, sentimentomonopoly pixbetimpotência e faltamonopoly pixbetdinheiro para bancar um advogado particular.

"Qualquer um cobrava R$ 5 mil só para analisar o processo. A gente economizava, pedia emprestado pra parentes e amigos, mas não dava para manter", diz ela.

O dinheiro da família era tão curto que não sobrava nem para visitar João no interior.

"Sempre mudavam elemonopoly pixbetcidade, a 300 quilômetros ou mais. A gente não tinha como pagar carro, gasolina, estadia... Estava tentando sobreviver aqui, fiquei quatro anos sem dormir direito, só pensando nele, naquela cadeia", conta.

'Nadamonopoly pixbetilícito'

O casomonopoly pixbetJoão começoumonopoly pixbetuma noite chuvosa no finalmonopoly pixbet2018, quando três pessoas foram assaltadasmonopoly pixbetfrente a uma casa na periferia paulistana.

Eram três os ladrões, um deles armado. O trio levou um relógio, um celular e R$ 100. A Polícia Militar foi chamada, e passou a circular pelas ruas.

Uma hora depois,monopoly pixbetuma ciclovia que liga vários bairros da região, os policiais "avistaram um indivíduo correndomonopoly pixbetdesabalada carreira", segundo o boletimmonopoly pixbetocorrência.

Era João. "Eu estava voltandomonopoly pixbetuma balada, não sabiamonopoly pixbetroubo nenhum. Estava correndo porque chovia forte, e eu queria chegar rápidomonopoly pixbetcasa. Quando passava embaixomonopoly pixbetum viaduto, apareceram uns policiais atrás da pilastra", conta.

Os agentes relataram que não foi encontrado "nadamonopoly pixbetilícito" com o jovem — o paradeiro da arma usada no crime é desconhecido. "Indagado acerca do roubo, este negou peremptoriamente a conduta", os PMs disseram ao delegado, mais tarde.

Os policiais então tiraram uma foto do jovem e a enviaram pelo WhatsApp para colegas que estavam com as três vítimas. Elas disseram ter reconhecido João pela imagem no celular. Ele foi presomonopoly pixbetflagrante — ninguém mais foi detido.

Mais tarde, na delegacia, as três vítimas o reconheceram pessoalmente.

O problema é que todo o processo criminal que se seguiu, calhamaço que por anos mobilizou promotores, defensores, desembargadores e até ministros do STF, foi baseado nesse reconhecimento produzidomonopoly pixbetuma maneira considerada ilegal pela própria Justiça.

O artigo 226 do Códigomonopoly pixbetProcesso Penal determina que o reconhecimentomonopoly pixbetsuspeitos temmonopoly pixbetseguir algumas regras.

Homem caminhando

Crédito, Fernando Otto

Legenda da foto, João ficou quatro anos preso até ser absolvido pelo STF

Pessoas parecidas fisicamente devem ser colocadas lado a lado, e a vítima vai apontar quem ela acredita ser o autor do crime. Ou seja, não é permitido colocar uma pessoa baixa, branca e loira ao ladomonopoly pixbetum homem negro, alto e corpulento.

Com João essas regras nunca foram seguidas. Na delegacia, as vítimas o reconheceram novamente, mas ele foi a única pessoa apresentada pelo delegado. Em audiência no fórum, aconteceu da mesma forma.

O argumento da defesa sempre versou sobre esse ponto: João foi reconhecidomonopoly pixbetmaneira ilegal, e não havia outras provas contra ele.

"O reconhecimento fotográfico pode gerar identificações equivocadas, como já aconteceu inúmeras vezes. Hoje o entendimento émonopoly pixbetque ele não pode servir como única prova. Quando há outras, é considerado como um ponto a mais para justificar a condenação", diz Gustavomonopoly pixbetAlmeida Ribeiro, defensor público federal que representou João no STF.

"Não quer dizer que a vítima ajamonopoly pixbetmá-fé para prender um inocente, mas ela estámonopoly pixbetum momentomonopoly pixbettensão, nervosismo, medo... É comum se confundir vendo uma foto isolada, foramonopoly pixbetcontexto", diz.

"Mas, no caso dele, não havia mais nada. A foto foi feita à noite, no escuro. Na delegacia, as vítimas dificilmente iriam mudarmonopoly pixbetopinião porque elas já tinham reconhecido pela imagem, e ele foi a única pessoa mostrada", diz.

O Ministério Públicomonopoly pixbetSão Paulo (MP-SP) denunciou João, alegando que as provas "eram robustas e maciças". Citou como exemplo o reconhecimento e o testemunho dos policiais sobre o flagrante — esses, no entanto, não estavam no momento do crime.

Quando a Defensoria Públicamonopoly pixbetSão Paulo pediu a revisão da sentença, o procurador José Antonio Franco da Silva respondeu que, na análisemonopoly pixbetroubo, "a palavra da vítima assume peso fundamental no contexto probatório para apontar a autoria, sendo certo que,monopoly pixbetmuitos casos, apresenta-se como única fonte."

Para ele "a utilização da fotografia do acusado não significou fundamento para a condenação, que está alicerçada no reconhecimento pessoal, realizadomonopoly pixbetduas oportunidades, afastando por completo eventual dúvida acerca da autoria."

Relator do caso no Tribunalmonopoly pixbetJustiçamonopoly pixbetSão Paulo, o desembargador Antonio Carlos Machadomonopoly pixbetAndrade concordou com a tese do MP e manteve a condenação.

Mais tarde, três ministros do STF discordaram desse argumento e absolveram o jovem (leia mais abaixo).

Já na carta ao STF, o pedreiro contou toda a história sobre como foi reconhecido pelo WhatsApp. E explicou: "Em matéria criminal, tudo deve ser preciso e certo para que não haja possibilidademonopoly pixbetdesencontros na apreciação das provas."

'Julgaram pelo passado'

João conta que procurou o Código Penal na biblioteca da cadeia para entender seu caso e fundamentar as cartas enviadas à Justiça.

"Comecei a ler até entender a lei. Vi que reconhecimento por foto não era correto. Falei com funcionários do presídio, e todo mundo me falava que isso não existe, que eu tinhamonopoly pixbetrecorrer. Alguém me orientou a escrever para Brasília."

Na correspondência, ele creditamonopoly pixbetprisão ao preconceito por causamonopoly pixbetuma condenação anterior — ele estava cumprindo regime semiaberto por um roubo. "Os policiais pegaram o primeiro que apareceu na frente, viram que eu tinha passagem e me prenderam", diz.

Sua mãe vai na mesma linha. "Julgaram meu filho pelo passado. Ele estava se recuperando, fazendo cursos, tinha arrumado um emprego. Ele me contou da primeira vez que ele errou. Mas dessa vez ele me disse: 'dessa vez eu não fiz, mãe'", conta.

João segurando a carta

Crédito, Fernando Otto

Legenda da foto, O pedreiro foi reconhecido por meiomonopoly pixbetuma fotografia enviada pelo Whatsapp

Para ela, a abordagem policial e a condenação foram influenciadas pelo racismo. Ela acredita que a história teria sido outra se seu filho fosse branco.

"Se você é negro, se anda na rua com determinada roupa,monopoly pixbetchinelo, já te veem como maloqueiro, ladrão. Passei por isso também, muitas vezes. Em qualquer abordagem tem essa diferença. Se meu filho fosse loiro, cabelo liso, teria sido solto, porque ele não estava com nada, não estava com arma, nada."

Ela conta que, depoismonopoly pixbetquatro anos, a cadeia mudou seu filho.

"Ele voltou outra pessoa: magro, sem vontademonopoly pixbetcomer, não consegue dormir, não saimonopoly pixbetcasa, não tem ânimo para nada. E eu morromonopoly pixbetmedomonopoly pixbetele sair e ser presomonopoly pixbetnovo, não paromonopoly pixbetligar para saber onde ele está", diz.

João cita outro efeito negativo. Quando foi preso, ele esperava um filho com uma garota com quem se relacionou brevemente. "Meu filho nasceu comigo na cadeia. Não o vi nascer, nunca tive contato com ele. Cresceu sem o pai. Hoje, ele não me reconhece", diz.

Acesso à defesa

João, que paroumonopoly pixbetestudar no Ensino Médio, é um exemplo do perfil majoritário dos presos do Brasil: negro, jovem,monopoly pixbetpouco estudo e baixa renda. Segundo o Anuário Brasileiromonopoly pixbetSegurança Pública, doismonopoly pixbetcada três detentos são negros — apenas 51% concluíram o Ensino Fundamental. Já 62,3% têm entre 18 e 34 anos.

Em 2020, o Brasil tinha 919.651 pessoas detidas, altamonopoly pixbet209%monopoly pixbetrelação a 2005 — os dados são do Conselho Nacionalmonopoly pixbetJustiça (CNJ). O númeromonopoly pixbetvagas no sistema, porém, eramonopoly pixbet442 mil.

Embora o Código Penal preveja maismonopoly pixbetmil crimes, apenas três deles correspondem a 71%monopoly pixbettodo o sistema carcerário: tráfico, furto e roubo. Já delitos contra a pessoa, como homicídio, respondem por 11,3% do total.

"Furto, roubo e tráfico acontecem nas ruas: a polícia prendemonopoly pixbetflagrante sem investigar, e a Justiça costuma condenar com provas frágeis. Quem é preso nessas circunstâncias? Os pobres que transitam pelo espaço público", disse Maurício Dieter, professormonopoly pixbetcriminologia da USP, em entrevista recente à BBC News Brasil.

Escrever uma carta ao STF foi a solução encontrada por João para quemonopoly pixbethistória fosse analisada com mais cuidado. "Eu sentia que ninguém prestava atenção ao processo", diz.

Quem leumonopoly pixbetmensagem foi a defensora pública federal Miriam Aparecidamonopoly pixbetLaet Marsiglia,monopoly pixbetBrasília. "Para mim ficou muito claro que ele era inocente, e que precisávamos corrigir a injustiça. Foi um caso que me tocou muito", diz.

Há quatro anos, o Supremo e o Superior Tribunalmonopoly pixbetJustiça (STJ) firmaram um acordo para repassar as correspondênciasmonopoly pixbetpresos enviadas a Brasília para a Defensoria Pública da União (DPU).

Apenas Miriam, uma das responsáveis pelo serviço, recebe cercamonopoly pixbet30 mensagens por semana.

"Normalmente, quando o preso manda carta é porque está desesperado por uma defesa melhor. Muitas pessoas não conseguem manter um advogado particular, porque é muito caro. Ou sentem que o defensor público não dá muita atenção ao caso", diz Miriam.

Um recente estudo da DPU apontou que, embora o númeromonopoly pixbetdefensores tenha crescido nos últimos anos, o Brasil tem apenas 6.956 desses profissionaismonopoly pixbetatuação. Em média, há um defensor para cada 29,9 mil pessoas com rendamonopoly pixbetaté três salários mínimos (cercamonopoly pixbetR$ 3,6 mil), parcela considerada economicamente vulnerável e público-alvo do serviço.

Fachada do Supremo Tribunal Federal, com destaque para imagem que representa a Justiça vendada

Crédito, Dorivan Marinho/SCO/STF

Legenda da foto, João foi absolvido pelo STF após quatro anosmonopoly pixbetprisão

Mas os dados acima se referem apenas aos defensores estaduais, que atuam na primeira e segunda instâncias da Justiça.

No caso da defensoria federal, que representa réusmonopoly pixbetcortes superiores como STJ e STF, a situação é ainda mais dramática: há apenas um defensor para cada 291 mil pessoasmonopoly pixbetbaixa renda.

"A demanda é muito grandemonopoly pixbetrelação à quantidademonopoly pixbetprofissionais. A defensoria não dá contamonopoly pixbetatender às pessoas. Muitas vezes o defensor tem muito processos para cuidar e não se concentramonopoly pixbetdeterminado caso como deveria", diz Gustavo Almeida, da DPU, que atua no STF há 15 anos.

Outro problema é a faltamonopoly pixbetdefensoresmonopoly pixbetmuitas comarcas da Justiça pelo país — ou seja, nesses pontos há juízes e promotores, mas falta quem defenda os mais pobres. Nesses casos, o Judiciário indica um advogado para representar o réu, e ele é remunerado pelo trabalho. Mas nem sempre o sistema funciona como deveria, segundo defensores.

Alessa Veiga, defensora públicamonopoly pixbetMinas Gerais, conta ter enfrentado esse problema quando visitava presídios da regiãomonopoly pixbetUberlândia.

"Havia detentosmonopoly pixbetvárias cidades sem defensoria. Eles também não tinham advogado, e a gente só ficava sabendo quando o preso escrevia um bilhete contandomonopoly pixbethistória", diz.

Uma delas foi revelada pela BBC News Brasil no ano passado. Desempregada, a mãemonopoly pixbetuma criançamonopoly pixbetcinco anos ficou 100 dias na cadeia por furtomonopoly pixbetágua, delito depois considerado insignificante pelo STF. Alessa, que entrou com um pedidomonopoly pixbethabeas corpus no Supremo, só soube do caso por um bilhete escrito pela mulher.

'Memórias falhas'

No início do ano, o processomonopoly pixbetJoão ficou conhecido nos tribunaismonopoly pixbetBrasília como uma mudança na jurisprudência sobre reconhecimentomonopoly pixbetsuspeitos. A partir dele, os processos devem seguir as regras do Códigomonopoly pixbetProcesso Penal —monopoly pixbetnota, a Secretaria da Segurança Públicamonopoly pixbetSão Paulo afirmou que a norma é seguida nas delegacias do Estado.

Embora a Procuradoria-Geral da República (PGR) tenha pedido a confirmação da sentença, os ministros do STF Gilmar Mendes, Edson Fachin e Kassio Nunes Marques votaram pela absolvição do pedreiro, alegando que não havia provas e que o reconhecimento por WhatsApp é ilegal.

Para Mendes, relator do caso, as provasmonopoly pixbetum crime não devem se basear apenas na memória das testemunhas, porque "memórias podem falhar ou ser influenciadas por agentes externos".

Em seu voto, ele sustenta que a prova deve ser anulada caso o reconhecimento do suspeito não siga as regras do Código Penal. Também ressalva que o reconhecimento fotográfico poderia ser aprimorado e regulado, mas ainda assim seriam necessárias mais provas para justificar uma condenação.

Sobre o casomonopoly pixbetJoão, o ministro ainda questionou os motivos que fizeram os policiais escolherem o jovem como um suspeito do roubo: "Não há, nos autos, informações que expliquem por qual razão os policiais fotografaram o recorrente no momento da abordagem, uma vez que, com ele, nada foi encontrado."

Já Ricardo Lewandowski ficou ao ladomonopoly pixbetAndré Mendonça — ambos consideraram as provas suficientes. Lewandowski, por exemplo, afirmou que, embora o procedimento fotográfico seja ilícito, João fora reconhecido outras duas vezes pessoalmente — na delegacia emonopoly pixbetaudiência.

"Tal mosaico fático, acrescido dos depoimentos dos policiais militares, a meu sentir, traduz um quadro seguro quanto à autoria dos ilícitos penais", escreveu o ministro.

O placar foi apertado (3 a 2), mas o jovem acabou absolvido. "Eu nem esperava mais sair... Mas um dia me chamaram na cadeia dizendo que eu estava livre, nem sei dizer o que senti, falta a palavra", conta.

Sua mãe só soube da vitória quando o filho chegoumonopoly pixbetcasa. "Ele nem me avisou, não ligou. De repente apareceu na minha frente, meu coração quase parou", relata.

Na sala do pequeno sobrado da família, o rapaz recebeu da reportagem uma cópia da carta que o tirou do presídio. "Lembro bem quando escrevi essa. Foi a única com tinta era verde...", diz.

A carta termina assim: "Peço que meu processo seja revisado porque estou sendo punido por algo que não cometi. Para uma possível condenação tudo deve ser claro como a luz. Condenação exige certeza, e não 'alta probabilidade'. Desde já agradeço e aguardo retorno."

- Este texto foi publicadomonopoly pixbethttp://vesser.net/brasil-62144663

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