Celina Guimarães: a história da primeira brasileira a votar:

Celina Guimarães Viana

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Celina Guimarães Viana,fotoautor desconhecido, datacerca1910.

"O contato deste [movimento] com congressistas do Rio Grande do Norte foi fundamental para que Celina e outras mulheres potiguares pudessem se alistar", acrescenta ela. "Isso porque, naquela época, os estados tinham autonomiamatérialegislação eleitoral e não havia nada na Constituição do país que efetivamente proibisse as mulheresvotar."

Em 25outubro1927, entrouvigor uma nova legislação no Rio Grande do Norte para regular o serviço eleitoral. As novas normas estabeleciam o fim da "distinçãosexo". No mês seguinte, Viana, que vivia na cidadeMossoró, deu entradaseu pedidoalistamento eleitoral.

Segundo pesquisas realizadas pelo escritor e advogado potiguar João Batista Cascudo Rodrigues (1934-2009), o despacho, assinado pelo juizdireito Israel Ferreira Nunes, afirmou que "tendo a requerente satisfeito as exigências da lei para ser eleitora, mando que inclua-se na listaeleitores". O documento, escrito a mão, com caneta tinteirofolha pautada, acabou incluído no acervo do Museu Histórico Lauro da Escóssia,Mossoró.

O despacho foi assinado no dia seguinte ao pedido feito pela professora, conforme informações publicadas no Dicionário Mulheres do Brasil,Schuma Schumaher e Erico Vital Brazil. "Antes, muitas, muitas, mulheresvárias partes do país haviam pedido alistamento e receberam negativas", conta a historiadora Teresa CristinaNovaes Marques, professora da UniversidadeBrasília (UnB) e autora do livro 'O voto feminino no Brasil'.

"O debate sobre o voto feminino vinha aumentando desde os trabalhos constituintes, que ocorreram1880 e 1881 e deram origem a uma reforma significativa no sistema eleitoral brasileiro, instituindo o títuloeleitor, o voto direito para vários cargos, proibindo o voto dos analfabetos e garantindo que todo brasileiro com título científico pudesse votar, sem mencionar sexo", contextualiza Martins.

Goulart ressalta que é preciso situar esse direito concedido a ela dentro do "bojo do movimento sufragista que ocorria no Rio Grande do Norte". Era um ativismo que ecoava o trabalho realizado pela bióloga, educadora e feminista Bertha Lutz (1894-1976).

"Bertha Lutz capitaneava essa lutaum momentoque vinha sendo regulamentado anteprojeto da Constituição1932 [que tornaria o sufrágio feminino um direitotodo o país]", pontua Goulart.

Tal movimento ganhou a adesãoalguns homens, entre eles o advogado, jornalista e político Juvenal LamartineFaria (1874-1956), que ocupou postosdeputador, senador e governador do Rio Grande do Norte.

"Ele fez parte dessa articulação. Foi um tipofeminismo que se articulava com lideranças masculinas. E Lamartine já se encantava com a ideia do voto feminino", comenta Goulart.

Quando o congresso estadual do Rio Grande do Norte preparava uma nova lei eleitoral,1927, LamartineFaria mandou um telegrama solicitando que ficasse claro que ambos os sexos teriam direito ao voto. E por isso ali o voto feminino se tornou possível antes do que no restante do país.

"Justino Lamartine era um político do Rio Grande do Norte que somava vários mandatos como deputado federal quando foi contatado pelas feministas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino", explica Novaes Marques. "Em 1927, ele deixou o mandatosenador e concorreu ao governo do seu estado, com sucesso. Negociou com o judiciário local promover o alistamento das mulheres potiguares que preenchessem os requisitos legais aplicáveis aos homens. Isso representava uma manobra para esticar os limites do federalismovigor".

E a primeira votação a contar com essa participação feminina foi justamente a "eleição complementar para a vagasenador deixada por Juvenal Lamartine", conta a historiadora, sobre a lacuna havida quando o político se tornou governador.

"Mas o pessoal não desistia, né?", comenta ela. "[Logoseguida] a comissãoverificação do Senado que tinha a competência para averiguar o resultado eleitoral decidiu anular os votos das mulheres do Rio Grande do Norte."

Fotoautor desconhecido, do acervo da PrefeituraMossoró, mostra Celina votando1928

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Fotodomínio público,autor desconhecido, do acervo da PrefeituraMossoró, mostra Celina votando1928

"Sempre que as mulheres avançam, minimamente,direção ao alcance da cidade, ainda hoje conquistadamodo incompleto, há reação", argumenta Martins. "O votoCelina, e das suas conterrâneas que votaram pela primeira vez na mesma eleição, foi considerado 'inapurável'. Qual a diferença mais notável entre aquele tempo e o atual? Os direitos políticos das mulheres se tornaram incontornáveis. No Brasil, questionam-se as cotas ou a reservafinanciamento do fundo partidário, mas já não há condições políticas ou sociais para a defesa do impedimento ao voto ou à candidaturamulheres."

Para o sociólogo e cientista político Paulo Ramirez, professor da Escola SuperiorPropaganda e Marketing (ESPM), o atoCelina Guimarães Viana precisa ser compreendido como algo que "abriu brechas"uma "sociedadecunho patriarcal, com valores machistas", como a brasileira.

"[A partirentão], outras mulheres se inscreveram para passar a votar. Muitas, apoiadas por advogados, começaram a reivindicar o direitovotar. Antes1932 [quando houve a nova Constituição], chegou-se a um pontoque vários juízesvários estados decretaram a impossibilidadeas mulheres votaram. Essa situação seria revertida com a Constituição e a universalidade do voto, independentemente do gênero".

Goulart ressalta que se o títuloeleitorViana abriu um precedente, é preciso entendê-lo dentro"um processolutamovimentos sociais que estavam buscando o voto feminino". "O voto dela não é um voto isolado, que instaura o processo. É resultadoum processo", afirma a professora.

Pioneirismos não eram novidade na vidaCelina Guimarães Viana. NascidaNatal, mudou-se para Acari,1912 e, dois anos mais tarde, para Mossoró, na companhia do marido, o também professor ElyseuOliveira Viana — ambos se conheceram na Escola NormalNatal.

Em Mossoró, assumiu a educação infantil no grupo escolar. Segundo a socióloga Mayra Goulart,suas aulas Viana aboliu uma prática comum na época: os castigos físicos para punir alunos. "E incorporou o teatro como formaexercer a docência", afirma. "É interessante que ela tenha sido protagonista não só na dimensão eleitoral e política, mas tenha trazido isso na dimensão da sociedade, na escola, ou seja, na instituição fulcral para o avançoum ideário progressista."

Porprofissão, ela "tinha um grande status na época", ressalta Martins. Ramirez lembra que tanto ela quanto seu marido eram "ativos no processo educacional".

"Ela viveuuma cidademuita luta política e caráter emancipatório", contextualiza o sociólogo. "Como professora e leitorajornais, ela era consciente. Não necessariamente liderou um movimento feminista, mas, claro, acabou servindoinspiração para os movimentos feministas na buscaampliaçãodireitos políticos."

"Seu nome inspira o feminismo até hojetermosampliação da participação da mulher na luta política. Como pioneira, ela se tornou um modelotudo aquilo que as mulheres ainda têm para adquirir politicamente no país", conclui Ramirez.

O futebol também se tornou um elemento trazido por ela para a salaaula. Com seus estudantes, ela encarregou-setraduzir as regras do esporte importado da Inglaterra, inclusive procurando sinônimosportuguês para nomes das posiçõesde lances do esporte.

Em um tempoque era comum que personalidadesrespeito na sociedade fossem chamadas para atuar como árbitrospartidas, foi nessa época que ela se tornou, muito provavelmente, a primeira mulher a apitar jogosfutebol no Brasil, entre 1917 e 1919.

"Ela foi pioneira por trabalhar no espaço público, por dedicar-se ao conhecimento, por defender o voto das mulheres, por ter sido também juízafutebol", acrescenta Martins. "Ela foi influenciada pelo movimento feminista daquela época, por Bertha Lutz, pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Mas é complicado dizer que se tornou 'uma ativista feminista' quando olhamos o termo com os olhoshoje. O feminismo naquela época tinha outras preocupações. Lutava pelo mínimo: para que as mulheres fossem consideradas gente, para que fossem percebidas como sujeitosdireito."

- O texto foi publicado originalmentehttp://vesser.net/brasil-62100807

line

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!

Pule YouTube post, 1
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdoterceiros pode conter publicidade

FinalYouTube post, 1

Pule YouTube post, 2
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdoterceiros pode conter publicidade

FinalYouTube post, 2

Pule YouTube post, 3
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdoterceiros pode conter publicidade

FinalYouTube post, 3