Jovens 'sem religião' superam católicos e evangélicos365apostaSP e Rio:365aposta

Não batizada365apostanenhuma religião, a jovem frequentou terreiros e igrejas, e diz ter se sentido bem365apostatodos esses lugares. Assim, decidiu não escolher uma religião e acreditar365apostatudo.

"Fui abrindo a mente com isso com o tempo, fui amadurecendo, no sentido365apostater respeito por todas as religiões e ter a mente aberta com isso."

Os 'sem religão' no Censo e no Datafolha

Mariana é uma365apostamilhares365apostajovens brasileiros que se auto definem como "sem religião", grupo que já supera católicos e evangélicos entre a população365aposta16 a 24 anos no Rio e365apostaSão Paulo, segundo as primeiras pesquisas Datafolha do ciclo eleitoral365aposta2022.

No Censo365aposta2010, os sem religião eram 8% da população brasileira, ou mais365aposta15 milhões365apostapessoas. Esse percentual vem crescendo década após década: os sem religião eram 0,5% da população brasileira365aposta1960, 1,6%365aposta1980, 4,8%365aposta1991 e 7,3%365aposta2000.

Com o adiamento do Censo populacional365aposta2020 para este ano, devido à pandemia, ainda não é possível saber365apostaforma definitiva o que aconteceu com a religiosidade brasileira na última década.

Mas as pesquisas eleitorais, cujas amostras são construídas com objetivo365apostarefletir a realidade da população brasileira, dão pistas importantes neste sentido.

As primeiras pesquisas Datafolha365aposta2022, por exemplo, mostram que,365apostanível nacional, 49% dos entrevistados se dizem católicos, 26% evangélicos e 14% sem religião — já acima dos 8% sem religião identificados no último Censo.

Entre os jovens365aposta16 a 24, o percentual dos sem religião chega a 25%365apostaâmbito nacional.

Nas pesquisas Datafolha para Rio365apostaJaneiro e São Paulo, o crescimento dos brasileiros que se dizem "sem religião" é ainda mais marcante, particularmente entre os jovens.

Em São Paulo, os jovens365aposta16 a 24 anos que se dizem sem religião chegam a 30% dos entrevistados, superando evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%).

No Rio, os sem religião nessa faixa etária chegam a 34%, também acima365apostaevangélicos (32%), católicos (17%) e demais religiões (17%).

Mas o que significa ser "sem religião" no Brasil? Por que esse grupo cresce, e como isso se relaciona com a diminuição da população católica e ascensão das religiões evangélicas no país?

Por que esse fenômeno é maior entre os jovens e nas grandes cidades? E que relação tudo isso tem com o comportamento eleitoral da juventude brasileira?

A BBC News Brasil ouviu três cientistas sociais especialistas365apostareligião para explicar o fenômeno.

Quem são os brasileiros 'sem religião'

Em primeiro lugar, é preciso ter clareza que apenas uma minoria dos "sem religião" no Brasil são ateus ou agnósticos. Os ateus são pessoas que não acreditam na existência365apostaDeus, já os agnósticos avaliam que não é possível afirmar com certeza se Deus existe ou não.

No Censo365aposta2010, por exemplo, dos 15,3 milhões365apostabrasileiros que se diziam sem religião, apenas 615 mil (4% dos sem religião) se consideravam ateus e 124 mil se afirmavam agnósticos (0,8%).

"A maior parcela dos sem religião tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão365apostamundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas", explica Silvia Fernandes, cientista social e professora da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio365apostaJaneiro).

Entre outros livros, ela é autora365apostaJovens religiosos e o catolicismo — escolhas, desafios e subjetividades (Quartet/FAPERJ, 2010), Novas Formas365apostaCrer — católicos, evangélicos e sem-religião nas cidades (Promocat, 2009) e organizadora365apostaMudança365apostareligião no Brasil — desvendando sentidos e motivações (Palavra e Prece, 2006).

"Então esse sujeito é sem religião porque não está vinculado a uma igreja, porque não frequenta, mas pode ter crenças relacionadas a alguma religião que já teve ou ter uma dimensão mais pluralista da religiosidade", diz a especialista.

"Ele incorpora elementos365apostauma espiritualidade mais fluida, pode fazer um sincretismo [misturar elementos365apostadiferentes religiões], pode ter crenças muito associadas ao universo do cristianismo — acreditar365apostaDeus,365apostaJesus,365apostaMaria — mas seguir se declarando sem religião."

Mariana, a carioca365apostaIrajá que acredita365apostaDeus,365apostaJesus, nas entidades da umbanda e365apostaenergias é um exemplo típico desses brasileiros sem religião, mas365apostaforma alguma sem fé.

Por que cada vez mais brasileiros se dizem 'sem religião'

Regina Novaes, pesquisadora do ISER (Instituto Superior365apostaEstudos da Religião), observa que a fase dos 16 aos 24 anos, onde os "sem religião" são mais presentes, é uma fase365apostaexperimentação.

"Há uma trajetória365apostabusca e experimentação que foi colocada para as novas gerações que não era colocada para as antigas", diz a pesquisadora.

Ela observa que, atualmente, muitos jovens crescem365apostafamílias plurirreligiosas, por exemplo, com avó mãe365apostasanto, pai católico não praticante e mãe evangélica. Esses jovens não sentem a obrigação365apostaseguir uma religião365apostafamília e tendem a buscar uma religiosidade própria.

Essa fase365apostaexperimentação pode seguir dois caminhos: uma busca que resulta mais tarde na escolha365apostauma religião; ou a construção365apostauma síntese pessoal,365apostaque a pessoa se diz "sem religião" por não pertencer a nenhuma igreja, mas combina diversos elementos365apostafé.

"Isso é interessante, porque havia uma ideia365apostaque, com o passar do tempo e o avanço da secularização [processo através do qual a religião perde influência sobre as variadas esferas da vida], haveria um aumento das pessoas que se desvinculariam da fé, do sobrenatural. Mas isso não está acontecendo. O que está acontecendo são outros modos365apostater fé", diz Novaes.

A pesquisadora observa que esse é um fenômeno que vem desde a década365aposta1990, mas há outros dois processos mais recentes que têm contribuído para o avanço dos "sem religião".

Luta antirracista e 'desigrejados'

O primeiro deles é a emergência das religiões afro-brasileiras como uma opção cultural, diante do fortalecimento da luta antirracista no país.

"Junto à questão racial, vem a questão da ancestralidade. Então há muitos jovens que deixam365apostaser católicos, protestantes, evangélicos e se ligam a um terreiro, a uma mãe365apostasanto ou pai365apostasanto", diz Novaes.

"Mas há também uma parcela que não vai se ligar institucionalmente, mas vai se sentir parte365apostauma cultura. Então eles podem se dizer sem religião, mas participar365apostafestas, cultuar orixás, usar signos como turbantes e colares, como parte365apostaum processo identitário."

Um segundo fenômeno são as novas gerações365apostaevangélicos, criados na igreja, mas que passam a ter problemas com seus pastores, por questões morais, comportamentais, por críticas políticas ou com relação à maneira365apostaconduzir a igreja.

Muitos desses jovens vão para outras igrejas, como as alternativas ou inclusivas. Mas há um outro grupo que passa a se definir através365apostauma palavra nova: são os "desigrejados", jovens que seguem partilhando do mundo evangélico, mas que ficam sem igreja.

"Ao ficar sem igreja, muitos desses jovens podem passar a se definir como sem religião. Porque, diferentemente do catolicismo,365apostaque o batizado católico é, no mundo evangélico, a frequência à igreja é fundamental para a pessoa se definir", observa a especialista.

Um fenômeno jovem e urbano

Para Ricardo Mariano, professor da USP (Universidade365apostaSão Paulo) e autor do livro Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Loyola, 1999), a perda365apostaforça da igreja católica é um dos motivos que explicam o avanço dos "sem religião".

Em 1950, quase 94% da população brasileira se dizia católica, percentual que caiu a 65% no Censo demográfico365aposta2010 e está365aposta49% entre os entrevistados do Datafolha365aposta2022.

"O forte declínio dos católicos365apostaidade365apostareprodução contribui para a redução no número365apostacrianças educadas365apostafamílias católicas e consequentemente, dos jovens com formação católica", observa o sociólogo.

"Além disso, a igreja católica tradicionalmente tem um enorme contingente365apostacatólicos ditos 'nominais', ou seja, que não frequentam os cultos, não estão expostos às autoridades eclesiásticas e nem às suas orientações doutrinais, morais e comportamentais", acrescenta.

"Isso também reduz a socialização religiosa intrafamiliar, aquela que ocorre dentro da família, o que torna menos provável que os filhos365apostapais católicos permaneçam na religião ou sejam por ela influenciados."

Para o pesquisador, outro fator que explica a maior parcela365apostajovens sem religião é o fato365apostaque esse grupo tem redes365apostasociabilidade mais diversas — diferentemente, por exemplo, dos idosos, cuja sociabilidade muitas vezes é restrita à família e à igreja — e está exposto a múltiplas fontes365apostainformação, como colégios, universidades, redes sociais e veículos midiáticos.

"Os jovens ocupam seu tempo engajados365apostaatividades365apostalazer e entretenimento — o funk, o hip hop, blocos e escolas365apostacarnaval, e por aí vai — que muitas vezes entram365apostaconflito com orientações comportamentais e morais das igrejas cristãs mais conservadoras", observa.

Para Silvia Fernandes, da UFRRJ, isso ajuda a explicar também por que os "sem religião" são365apostamaior número nos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo.

"É preciso considerar que mais365aposta80% da população brasileira hoje é urbana. E, nas grandes cidades, há uma celeridade da vida e acesso a uma multiplicidade365apostainformações que colocam a religião como uma das esferas possíveis da existência, mas ela não é mais tão determinante para a sociabilidade e o encontro como no mundo rural", diz Fernandes.

Escolhas eleitorais

Há relação entre o aumento do número365apostajovens "sem religião" e o fato dessa parcela do eleitorado ser uma das que mais indica intenção365apostavoto365apostaLula (PT) nas eleições365apostaoutubro, já que Jair Bolsonaro (PL) construiu365apostaimagem como um candidato da comunidade evangélica?

Aqui, os especialistas têm visões diversas.

Para Ricardo Mariano, da USP, isso é sim um fator que contribui para a melhor performance da candidatura petista junto a esse segmento da população.

"O governo Bolsonaro abraçou pautas morais ultraconservadoras, as armas, homofobia, autoritarismo, políticas antiecológicas e anticientíficas, sobretudo na pandemia. Tudo isso afastou muito os jovens", observa o professor.

"Eles [os jovens] têm acesso a muita informação e tendem a ser menos conservadores365apostauma série365apostapautas. Por isso a rejeição maior ao governo Bolsonaro", avalia.

Já Regina Novaes, do ISER, destaca que é preciso ter clareza que, assim como os sem religião são uma categoria fluida, os evangélicos não são um grupo estático.

"Sim, é possível pensar que mais jovens longe das igrejas, fazendo suas escolhas, também possam fazer escolhas mais questionadoras e por isso se aproximar do Lula. Mas qual é o perigo dessa pergunta?", questiona a pesquisadora.

"É achar que os jovens evangélicos são estáticos, e que eles são [eleitores de] Bolsonaro, enquanto os sem religião são [eleitores de] Lula. Isso não é verdade. Os evangélicos não são essa massa365apostamanobra que o Bolsonaro pensa que são, eles têm cor, têm classe social, têm local365apostamoradia. Esse é um ponto bem importante e acredito que vamos conhecer melhor o mundo evangélico nessas eleições", avalia.

Brasil pode nunca vir a ser país365apostamaioria evangélica?

O crescimento dos sem religião coloca uma dúvida para o futuro do Brasil: pode ser que o país nunca venha a ter uma maioria evangélica, como chegaram a prever alguns analistas?

Olhando para os dados, vemos que, do Censo365aposta2000 para o365aposta2010, o percentual365apostaevangélicos no Brasil saltou365aposta15% para 22%, e os católicos diminuíram365aposta74% para 65%.

Já na pesquisa Datafolha desse início365apostaano para o Brasil como um todo, os católicos são 49% dos entrevistados, evangélicos 26% e os sem religião, 14%.

Embora as pesquisas não sejam diretamente comparáveis, pela diferença365apostaabrangência, os números do Datafolha trazem algumas pistas do que esperar para o próximo Censo.

"O declínio histórico do catolicismo continua, com a igreja católica perdendo fiéis a cada década. Mas, ao mesmo tempo, você não tem os evangélicos crescendo na mesma proporção e parte disso é explicado por esse fenômeno dos sem religião", diz Fernandes, da UFRRJ.

Para a professora, alguns fatores explicam a perda365apostaímpeto da expansão evangélica:365apostaprimeiro lugar, as igrejas pentecostais e neopentecostais deixaram365apostaser uma novidade.

Um segundo fator é a diversificação na oferta dessas igrejas, que faz com que elas disputem entre si pelos fiéis, contribuindo para esse processo365apostaexperimentação característico da experiência religiosa mais fluida da contemporaneidade.

Por fim, com as igrejas evangélicas já365apostaatividade há décadas no país, há uma parcela dos fiéis que se decepcionaram com promessas não cumpridas365apostacura, milagres e prosperidade, ou que não conseguem se integrar às rígidas normas morais e comportamentais, engrossando as fileiras dos "sem religião".

Para Mariano, da USP, ainda assim é365apostase esperar que os evangélicos sejam um dia maioria.

"É inevitável até por razões demográficas, o perfil dos católicos no Brasil é mais rural, mais velho do que os evangélicos. Os pentecostais têm um contingente enorme365apostapessoas365apostaidade reprodutiva, mais do que os católicos, além disso, essas igrejas têm uma grande capacidade365apostarecrutamento e manutenção365apostaadeptos. Então é uma questão365apostatempo", afirma.

Regina Novaes, do ISER, tem outra visão.

"É difícil fazer 'profecia' sociológica, mas acredito que o Brasil não será um país evangélico. Por dois motivos: o catolicismo não é mais 'a religião dos brasileiros', mas ainda é da maioria dos brasileiros. Ateus e agnósticos vão continuar sendo minoria, mas a categoria dos sem religião passa a fazer parte das alternativas presentes do campo religioso", observa.

"Agora, a ideia é não olhar para os sem religião como uma coisa estática, porque as ofertas [religiosas] continuam existindo. E o lugar que a religião tem na vida —365apostadar sentido a ela,365apostatornar o sofrimento 'sofrível' — continua existindo. Então as religiões continuam a ser recursos culturais para os sem religião", acrescenta.

"O Brasil continuará um país365apostamaioria católica, os evangélicos crescerão ainda, mas os sem religião passam a ser uma possibilidade que tem365apostaser observada."

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