Cinquenta e cinco anosavatar 2 1xbetHistória do Brasilavatar 2 1xbet300 cartas: a correspondência do economista Celso Furtado:avatar 2 1xbet

Celso Furtado

Crédito, Divulgação/Companhia das Letras

Legenda da foto, Ministro do Planejamento do Governo João Goulart, Celso Furtado saiu do Brasilavatar 2 1xbetmaioavatar 2 1xbet1964. Viveu no exílio por 21 anos, até 1985. No exterior, morou nos EUA e na França, onde trabalhou como professor na Universidadeavatar 2 1xbetSorbonne

Acervoavatar 2 1xbet15 mil cartas

Para selecionar as 300 cartas que fazem parte da antologia, a viúvaavatar 2 1xbetCelso Furtado precisou ler e reler o acervo epistolar do marido, composto por algoavatar 2 1xbettornoavatar 2 1xbet15 mil correspondências. Dessas, 10 mil foram escritas durante o regime militar, entre 1964 e 1985.

"No exílio, Celso não ficou propriamente amargo. O que é raro. Muitos ficaram. Ele ficou atormentado. Não tanto com a situação dele, mas com a situação do Brasil. Ele pensava diuturnamente no Brasil", afirma Rosa que, alémavatar 2 1xbetselecionar as cartas e escrever a apresentação e as notas do livro, ainda teve que "decifrar" as letrasavatar 2 1xbetalguns interlocutores.

Ao todo, o livro inclui cartasavatar 2 1xbet80 interlocutores, 50 brasileiros e 30 estrangeiros, como o filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970), o antropólogo mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997) e o político cubano Fidel Castro (1926-2016), e abrange um períodoavatar 2 1xbet55 anos, que tem inícioavatar 2 1xbet28avatar 2 1xbetjulhoavatar 2 1xbet1949, com uma carta do economista argentino Raúl Prebisch (1901-1986), e chega ao fimavatar 2 1xbet20avatar 2 1xbetabrilavatar 2 1xbet2004, do economista mexicano Víctor Urquidi (1919-2004).

"Felizmente, nenhum remetente ou herdeiro se recusou a autorizar a publicação das cartas. No entanto, suprimi certos trechos. Não cabia a mim publicar coisas pessoais", explica.

A princípio, a ideia da jornalista e tradutora carioca era publicar apenas a correspondência do exílio. Mas, por sugestãoavatar 2 1xbetOtávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, ampliou o escopo do livro e incluiu 5 mil cartas escritas antes e depois do golpeavatar 2 1xbet1964.

"As cartas do exílio são muito pungentes, dolorosasavatar 2 1xbetler. Expõem os dramas vividos pelos exilados. Seus problemas eram incontáveis:avatar 2 1xbetsaúde, financeiros, familiares... As embaixadas, poravatar 2 1xbetvez, dificultavam ao máximo suas vidas: negavam vistos, não concediam passaportes, entre outras pequenas maldades", relata.

Terraavatar 2 1xbetgigantes

De Paris, Rosa conta, por telefone, que a ideiaavatar 2 1xbetpublicar um livro com a correspondência do marido surgiuavatar 2 1xbet2018, quando pesquisava as fotos, os documentos e outros registros inéditos para o livro Diários Intermitentes 1937-2002, lançadoavatar 2 1xbet2019. Como professor da Universidadeavatar 2 1xbetSorbonne, na França, Celso nunca teve secretária. Era ele que, organizado até o último fioavatar 2 1xbetcabelo, guardavaavatar 2 1xbetcorrespondênciaavatar 2 1xbetpastasavatar 2 1xbetpapelão. Naquele tempo, contextualiza Rosa, escrevia-se carta para tudo. Até para avisar os passageirosavatar 2 1xbetum vooavatar 2 1xbetuma eventual mudançaavatar 2 1xbethorário.

As cartas recebidas eram guardadasavatar 2 1xbetpastas nas cores preta ou cinza e as enviadas,avatar 2 1xbetpastas coloridas. Pelas estimativasavatar 2 1xbetRosa, Celso recebia uma médiaavatar 2 1xbet400 cartas por ano e escrevia algoavatar 2 1xbettornoavatar 2 1xbet100. Exímio datilógrafo, ele batia as cartasavatar 2 1xbetduas Olivettis Lettera 22 e 32 e,avatar 2 1xbetseguida, guardava as cópias, feitas com papel-carbono,avatar 2 1xbetseu acervo pessoal.

Celso Furtado e Rosa Freire

Crédito, Divulgação/Companhia das Letras

Legenda da foto, Celso Furtado e Rosa Freire se conheceramavatar 2 1xbet1979 e foram casados por 25 anos. Se vivo estivesse, Celso Furtado estaria, acredita Rosa, "atormentado" com a situação do Brasil

Ao vasculhar o arquivo do marido, Rosa se deparou com uma quantidade incalculávelavatar 2 1xbetconvites. Eram convites para debates, congressos e seminários, ao ladoavatar 2 1xbetpensadores como Jean Paul-Sartre (1905-1980), Theodor Adorno (1903-1969) e Herbert Marcuse (1898-1979). Um deles,avatar 2 1xbet1965, convidava Celso para participaravatar 2 1xbetum debate nos EUA sobre América Latina ao ladoavatar 2 1xbetDom Hélder Câmara (1909-1999) e Martin Luther King (1929-1968). Por faltaavatar 2 1xbettempo, Celso recusava a maior parte deles: "Réponse negative", costumava escrever no rodapé da carta.

Outra quantidade incalculável era composta por solicitações. Dia sim, outro também, Celso era solicitado a escrever artigos acadêmicos para jornais e revistas. Os prazos variavamavatar 2 1xbet"três meses" a "o quanto antes". Se aceitasse todas as solicitações que recebia, não sobraria tempo para dar aulas ou corrigir provas.

Outra categoriaavatar 2 1xbetcarta, prossegue Rosa, era formada por pedidos inusitados. Havia desde um presidiário que, cumprindo penaavatar 2 1xbetprisão da Bélgica, solicitou um exemplaravatar 2 1xbetL'Amérique Latine porque estava cursando Ciências Econômicas, até conterrâneo que, na maior caraavatar 2 1xbetpau, pediu a Celso três bolsasavatar 2 1xbetestudo: uma para ele, outra para a namorada e uma terceira para um ex-aluno.

"Muitas cartas, por incrível que pareça, pediam autógrafos. Numa delas, uma garotinhaavatar 2 1xbetuns dez, 11 anos, dizia que viu o Celsoavatar 2 1xbetum programaavatar 2 1xbetTV eavatar 2 1xbetmãe o achou muito bonito. Como colecionava autógrafos, pediu a ele que escrevesse uma lembrancinha qualquer", diverte-se Rosa.

Ecos da ditadura

Curiosidades à parte, um dos capítulos do livro, batizadoavatar 2 1xbetEcos da ditadura, é dedicado a algumas das muitas cartas do exílio. Numa delas,avatar 2 1xbet14avatar 2 1xbetoutubroavatar 2 1xbet1964, o filósofo Álvaro Vieira Pinto (1901-1987),avatar 2 1xbetseu exílioavatar 2 1xbetBelgrado, na antiga Iugoslávia, pedia a Celso que o ajudasse a ser transferido para o Chile. "A carta do Álvaro Vieira Pinto é terrível. Você começa a imaginar a situaçãoavatar 2 1xbetum professoravatar 2 1xbetfilosofia confinadoavatar 2 1xbetum hotelavatar 2 1xbetBelgrado. O que ele vai fazer da vida? Aprender servo-croata para dar aulaavatar 2 1xbetuma universidade local?", questiona Rosa.

Noutra carta,avatar 2 1xbet4avatar 2 1xbetjaneiroavatar 2 1xbet1966, o advogado paraibano Gláucio Veiga (1923-2010),avatar 2 1xbetsua casa no Recife, relata algumasavatar 2 1xbetsuas prisões e a depredaçãoavatar 2 1xbetsua biblioteca. As obras completasavatar 2 1xbetMarx, Lênin e Lukács, descreve, haviam sido atiradas ao chão e rasgadas. "A polícia pernambucana fez imensa pira com os livros e, ao jeito do nazismo, queimou-os publicamente", escreve.

Mais adiante, o jornalista e crítico literário Otto Maria Carpeaux (1900-1978) criticava o boicote que estava sofrendo por parteavatar 2 1xbetalguns jornais, que se recusavam a publicar seus artigos. "O silêncio, que me foi imposto, produz hemorragias internas intelectuais. Tanta coisa para engolir sem falar!", escreveu,avatar 2 1xbetsua casa no Rio,avatar 2 1xbet3avatar 2 1xbetnovembroavatar 2 1xbet1967.

"O que mais me interessou no acervo do Celso foram as cartasavatar 2 1xbetamigos intelectuais, algumasavatar 2 1xbetaté quatro páginas, contando o que estava acontecendo no Brasil pós-golpeavatar 2 1xbet1964", descreve Rosa. "Algumas cartas mais parecem ensaios sociológicos".

Rosa Freire

Crédito, Divulgação/Companhia das Letras

Legenda da foto, O acervoavatar 2 1xbetCelso Furtado é compostoavatar 2 1xbet15 mil cartas. Dessas, 300 foram selecionadas por Rosa Freire (acima) para entrar no livro

Tempos sombrios

Celso Monteiro Furtado partiu para o exílioavatar 2 1xbetmaioavatar 2 1xbet1964. Aos 43 anos, o paraibanoavatar 2 1xbetPombal, município a 371 quilômetrosavatar 2 1xbetJoão Pessoa, ocupava o cargoavatar 2 1xbetministroavatar 2 1xbetPlanejamento do Presidente João Goulart. Seu nome era o 26ºavatar 2 1xbetuma lista encabeçada por Luís Carlos Prestes (1898-1990), João Goulart (1919-1976) e Leonel Brizola (1922-2004).

Logo que saiu do país, foi convidado para lecionaravatar 2 1xbettrês das mais prestigiadas universidades dos EUA: Harvard, Columbia e Yale. Optou pela terceira, onde ficouavatar 2 1xbetsetembroavatar 2 1xbet1964 a junhoavatar 2 1xbet1965.

Em agostoavatar 2 1xbet1965, seguiu para a França. Lá, assumiu o cargoavatar 2 1xbetprofessor da Universidadeavatar 2 1xbetSorbonne. Muitosavatar 2 1xbetseus ex-alunos na instituição se tornaram ministros, banqueiros e até presidentes, como Alan García (1949-2019), do Peru, e Abolhassan Bani-Sadr, hoje com 88 anos, do Irã. Seu prestígio pode ser mensurado pela quantidadeavatar 2 1xbetconvites que recebia para ser patrono ou paraninfoavatar 2 1xbetcerimôniasavatar 2 1xbetcolaçãoavatar 2 1xbetgrau: sóavatar 2 1xbet1968, foram 15.

Em 1979,avatar 2 1xbetuma feijoada na casa do jornalista mineiro José Maria Rabelo, o editor do jornal Binômio (1952-1964), Celso conheceu Rosa Freire. Viveram juntos por 25 anos. Dezessete anos depoisavatar 2 1xbetsua morte, é indagada sobre o que o marido, se vivo estivesse, estaria achando do Brasilavatar 2 1xbet2021? Embora não seja médium, como costuma brincar, acredita que Celso estaria "atormentado".

"É incrível como os problemas se acumulam no Brasil. Alguns não foram resolvidos e, para piorar, surgiram outros. Todo dia, aliás, aparece problema novo! Ele ficaria aflito com essa situação. Alguns problemas, como educação gratuita eavatar 2 1xbetqualidade, vão ficando para trás. Até quando?", indaga.

Das centenasavatar 2 1xbetcartas que fazem parteavatar 2 1xbetCorrespondência Intelectual, uma das favoritasavatar 2 1xbetRosa é a que Celso trocou com o jornalista e escritor Antônio Callado (1917-1997). Lá pelas tantas, os dois começam a filosofar sobre a passagem dos anos. "A verdadeira velhice é feitaavatar 2 1xbetsolidão", afirma Celso,avatar 2 1xbetParis,avatar 2 1xbet6avatar 2 1xbetjunhoavatar 2 1xbet1995. "É a ausência dos amigos que foram. Se nos apegamos tanto aos livros, é porque sabemos que deles não seremos privadosavatar 2 1xbetvida".

Quatro dias depois, veio a resposta do autoravatar 2 1xbetQuarup (1967), do Rio: "Quando o motor do barco começa a ratear, voltamos a usar velas para navegar. E, se levamos muito mais tempo para chegar a qualquer lugar,avatar 2 1xbetcompensação vemos muito melhor águas e peixes ao redor, e lua no céu, quando não faz frio e o reumatismo nos permite ficar no convés...".

Livro originalavatar 2 1xbetProust, , `À Sombra das Moçasavatar 2 1xbetFlor`

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Rosa Freire está no momento dedicada à traduçãoavatar 2 1xbetobrasavatar 2 1xbetMarcel Proust

Tradutoraavatar 2 1xbetalmas

Terminadas as comemorações pelo aniversárioavatar 2 1xbet100 anosavatar 2 1xbetCelso Furtado, Rosa Freire volta as suas atenções para outro centenário: oavatar 2 1xbetmorte do escritor francês Marcel Proust (1871-1922). A convite do jornalista Mário Sérgio Conti, ela está traduzindoavatar 2 1xbetobra-prima, Em Busca do Tempo Perdido (1913-1927). Conti ficou com o primeiro volume, No Caminhoavatar 2 1xbetSwann (1913); Rosa com o segundo, À Sombra das Moçasavatar 2 1xbetFlor (1919), e assim, sucessivamente, até o sétimo volume. "Quem traduz palavras é o Google Translator. Nós traduzimos almas e emoções", teoriza.

Neste ano, Rosa Freire D'Aguiar completa três décadasavatar 2 1xbettradução. Nesse período, transpôs para o português maisavatar 2 1xbet140 títulosavatar 2 1xbetpesos-pesados da literatura mundial, como Michelavatar 2 1xbetMontaigne (1533-1592), Honoréavatar 2 1xbetBalzac (1799-1850) e Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Traduzir Em Busca do Tempo Perdido, admite, é um trabalho hercúleo que exige muita releitura. Mas,avatar 2 1xbettermosavatar 2 1xbetvocabulário, está longeavatar 2 1xbetser o mais difícil.

"Em matériaavatar 2 1xbetgírias, trocadilhos e neologismos, o mais difícil foi Louis-Ferdinand Céline (1894-1961). Ele tem um estilo agressivoavatar 2 1xbetescrever. Babaavatar 2 1xbetódio", explica a tradutora que, entre outros prêmios, faturou o Jabutiavatar 2 1xbet2009 pela traduçãoavatar 2 1xbetA Elegância do Ouriço (2008),avatar 2 1xbetMuriel Barbery.

Mas, antesavatar 2 1xbetganhar a vida como tradutora, Rosa trabalhou como correspondente das revistas Manchete e IstoÉavatar 2 1xbetParis. Ao longo da carreira, entrevistou nomes como o escritor belga Georges Simenon (1903-1989), o pintor espanhol Salvador Dalí (1904-1989) e o bailarino russo Rudolf Nureyev (1938-1993). "Às vezes, sinto saudades, sim. Volta e meio, vejo alguém interessante e penso: 'Hummm, se ainda trabalhasseavatar 2 1xbetjornal, entrevistaria essa pessoa'. Adoraria entrevistar quem já morreu. Balzac, por exemplo. Tomar um café com ele. Parecia ser um sujeito boa-praça", diverte-se.

Umaavatar 2 1xbetsuas entrevistas favoritas, revela, foi com o escritor gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975). Na ocasião, passou uma semana no Rio Grande do Sul, entre as cidadesavatar 2 1xbetPorto Alegre e Cruz Alta. Para entrevistar o autoravatar 2 1xbetOlhai os Lírios do Campo (1938), O Tempo e o Vento (1949-1962) e Incidenteavatar 2 1xbetAntares (1971), entre outros clássicos da literatura brasileira, elaborou um questionárioavatar 2 1xbetduas laudas. No dia e horário combinados, chegou à casa do escritor. Ao ligar o gravador, ele protestou: "Não, gravador não!". E continuou: "Você pode vir aqui, quantas vezes quiser, depois do jantar. Mas, gravador, não!".

"A primeira coisaavatar 2 1xbetque pensei foi: 'Me ferrei!'. Para piorar a situação, não era um perfil, era (uma entrevista) pingue-pongue. Quando chegava no hotel, com o blocoavatar 2 1xbetanotaçõesavatar 2 1xbetmãos, e o fotógrafo começava a falar, eu o interrompia: 'Fica quieto! Se não, vou esquecer tudo o que o Érico falou'", relata, aos risos.

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