'Mãe, fica tranquila, a gente tá dentrobet 365casa': as famílias destruídas pela violência policialbet 365plena pandemia:bet 365
Trabalhando para sustentar a família, Ana Paula criou sozinha seus quatro filhos, Bruna, Bárbara, Beatriz e Igor, com um salário mensalbet 365R$ 1,5 mil. Eles dividiam a casa no Jardim São Savério, na periferia da Zona Sulbet 365São Paulo, região que é parte da rota da linhabet 365ônibusbet 365que Ana Paula trabalha. Desde o dia do crime, ela desvia o olhar sempre que o ônibus passa perto da viela. "Não consigo".
No diabet 365que Igor foi baleado, Ana Paula estava há 11 dias isoladabet 365seu quartobet 365casa, saindo apenas para receber atendimento médico, com febre alta e muita faltabet 365ar, sintomas fortesbet 365coronavírus. "Eu vivia mais no hospital do quebet 365casa, os médicos chegaram a querer me intubar", lembra.
Naquele 2bet 365abril, Igor acordou tarde e quis ir à padaria comprar pão e batata palha, para almoçar as sobrasbet 365cachorro-quente da noite anterior. A mãe pediu que ele trouxesse também um pacotebet 365cigarros. Saiubet 365casa por volta das 13h15; apenas dez minutos depois, Ana Paula ouviu os gritos no portão.
"Mataram um menino. Mataram um menino e parece que é o Igor."
Aterrorizada, ela lembrabet 365descer correndo as escadas do sobrado e sair pela porta da frente, subindo a rua com dificuldades para respirar,bet 365cenas registradasbet 365vídeos amadores que circulam pela internet. Lembrabet 365ter tirado a máscara antesbet 365enxergar o filho, caído.
"Eu vibet 365longe o tênis que ele estava usando, reconheci que era ele". Ela se recorda também do choro desesperado da filha, Bruna. "Foi na cabeça mãe! O tiro foi na cabeça".
Nessa hora, a mãe entroubet 365pânico. Filmadas pelos celularesbet 365várias testemunhas, imagens bem gráficas mostram Bruna e Ana Paula sendo violentamente contidas enquanto tentam passar pelo número cada vez maiorbet 365policiaisbet 365torno do corpobet 365Igor.
"Doeu muito vê-lo daquele jeito. É uma cena que eu não desejo para ninguém", diz ela, emocionada,bet 365entrevista concedida à BBC News Brasil no pátio da escolabet 365que Igor estudava.
"Os policiais o colocaram na maca e o embrulharam como se ele estivesse vivo, com o rosto para fora. Não me deixaram chegar perto, ficaram me segurando. Aí, levaram ele pro hospital. Não me deixaram ir na ambulância".
O atestadobet 365óbito emitido no hospital confirmou que Igor morreu na hora, com um único tiro na nuca. Imagens e relatosbet 365testemunhas mostram que ele caiu perto da padaria,bet 365bruços, no chão.
Dez meses depois, ninguém foi preso pelo assassinatobet 365Igor, mas a Polícia Militarbet 365São Paulo diz que o caso ainda está sob investigação. Informaram também que o policial suspeito pela mortebet 365Igor não foi afastado do atendimento ao público e continua trabalhando normalmente.
A mãe diz que, ainda no local, um dos policiais disse a ela que o menino foi baleadobet 365uma trocabet 365tiros, dando a entender que Igor estava armado. "Eu, nervosa, comecei a gritar, 'mentira! Meu filho acaboubet 365sairbet 365casa. Eu tô com covid, meu filho não estava saindobet 365dentrobet 365casa. Todos esses dias'."
Testemunhas também disseram à BBC que não viram Igor com uma arma. A políciabet 365São Paulo afirma que ainda não concluiu a investigação sobre a versão dos policiais.
Ana Paula diz que a vida, a partirbet 365agora, é lutar por justiça para Igor. Mas teme que a reação do sistema judiciário reflita o preconceito contra quem mora nos bairros mais pobres da cidade. "Se meu filho fosse filhobet 365rico, o policial já estaria na prisão. Já estaria preso".
Um isolamento com recordebet 365mortes
Nos primeiros seis mesesbet 3652020, justamente quando muitas pessoas deixarambet 365circular pelas ruas para se protegerem do vírus, 3.148 pessoas foram mortas pela polícia no Brasil,bet 365intervenções policiais. Em média, 17 pessoas morreram por dia.
No Riobet 365Janeiro, Estado com 16 milhõesbet 365habitantes, o número absolutobet 365pessoas mortas pela polícia nos seis primeiros meses do ano foi maior que o registradobet 365todos os Estados Unidos. Em São Paulo, o númerobet 365mortos pela polícia no semestre foi recorde para o período desde 2001, início da série histórica do Fórum Brasileirobet 365Segurança Pública, entidade que há décadas reúne e analisa dadosbet 365violênciabet 365todos os Estados do país.
Mas no Brasil, embora a visibilidade dos casos tenha crescido e ganhado mais adesão e espaço na agenda pública com o crescimento das redes sociais, a violência policial raramente gera protestosbet 365massa, na escala daqueles que levaram milharesbet 365pessoas às ruas nos EUA e na Nigéria contra a brutalidade policial no ano passado. A reação nas ruas, no exemplo dos casos relatados nesta reportagem, se concentrou mais a protestos localizados nos bairros das vítimas, ou a grandes campanhas nas redes sociais.
Em São Paulo, as famílias têm encontrado apoio e orientação na busca por resistência por meiobet 365um movimento social, a Redebet 365Proteção e Resistência contra Genocídio, que atuabet 365cada bairro onde há vítimas, organizando açõesbet 365protesto e resistência. No casobet 365Igor, por exemplo, foram eles que ajudaram Ana Paula a organizar uma sériebet 365protestos que, embora localizados na região do crime, marcaram a revolta dos amigos e família. "A mobilização das famílias é resultadobet 365um imenso trabalhobet 365resistência", diz Marisa Feffermann. "Com a pandemia, a violência policial nas periferias tem se escondido. Por isso, queremos usar esse espaço para denunciar esses casos."
Para analisar quais vidas estiveram mais ameaçadas durante o primeiro semestre da pandemia, a BBC,bet 365colaboração com o Fórum Brasileirobet 365Segurança Pública, analisou os perfisbet 365maisbet 365mil pessoas mortas pela polícia no Estadobet 365São Paulo e no Riobet 365Janeiro nos primeiros seis mesesbet 3652020.
Os dados confirmam uma tendência antiga:bet 365São Paulo, mais rico Estado do Brasil e onde a grande maioria das pessoas se declara branca, quase 60%bet 365todos os mortos pela polícia eram brasileiros negros. Maisbet 36599%bet 365todos os mortos eram do sexo masculino e quase 30% tinham menosbet 36524 anos.
No Rio, o Estado mais letal do Brasilbet 365termosbet 365brutalidade policial, a proporção é ainda maior: 75%bet 365todos os mortos pela polícia eram negros. O que comprova que um jovem, negro e do sexo masculino, no semestrebet 365que a pandemia chegou ao Brasilbet 3652020, tinha cinco vezes mais chancesbet 365ser morto pela polícia do que um jovem branco.
Ponto importante: nos números analisados pela BBC, todas as estatísticas sobre pessoas vivas referem-se a categorias raciais autodeclaradas. Para os mortos, a filiação racial foi registrada conforme consta nos registros policiais.
No Brasil, a descrição racial da vítimabet 365homicídio é feita pelo médico legista ou pelo policial investigador, utilizando as amplas categoriasbet 365preto, branco, outro ou desconhecido. Os negros, neste caso, geralmente incluem indivíduos negros e pardos, mestiços.
Caso dois: Guilherme Guedes, sequestrado e morto aos 15 anos, 14bet 365junhobet 3652020
Uma das mortes mais violentasbet 3652020 no Brasil foi abet 365Guilherme Guedes, que desapareceubet 365frente à casa da avó, na Vila Clara, Zona Sulbet 365São Paulo. Foi encontradobet 365Diadema (SP), no dia seguinte, morto a tiros e com sinaisbet 365tortura.
"Eu preferia, hoje, que meu filho tivesse pegado covid-19, né? Do que ter morrido da forma que ele morreu. Muitos falam assim pra mim, "é planobet 365Deus". Não, pra mim não é planobet 365Deus. Deus vai planejar uma pessoa morrer com dois tiros na cabeça?", questiona Joyce da Silva dos Santos, mãebet 365Guilherme.
A última vez que Joyce viu o filho foibet 365um churrascobet 365família, para inaugurar a casa nova que Guilherme havia ajudado a limpar e organizar após a mudança. Descrito pela mãe como seu melhor amigo e "homem da casa", ajudandobet 365tudo, Guilherme se ofereceu para acompanhar a avó atébet 365casa, porque era tarde da noite. No caminho, ele parou para comprar coxinhas, lanche preferidobet 365Gui, conta Joyce.
Depoisbet 365se despedir da avó, Guilherme passou pelo quintal da casa; avistou outro menino dabet 365idade e atravessou a rua para encontrá-lo. Os depoimentos indicam que o menino avisou Guilherme para tomar cuidado, porque dois policiais à paisana vinham embet 365direção.
"Mas o Gui disse: Não. Não vou embora, não devo nada ", diz Joyce." Então ele ficou. E é quando os dois chegam", conta Joyce.
Os suspeitos aparecem claramente nas imagensbet 365câmerasbet 365segurançabet 365frente à casa da avóbet 365Guilherme, que mostram dois homens cercando Guilherme na rua. Pouco depois, Guilherme não aparece mais.
Seu corpo foi descoberto seis horas depois, abandonado a quilômetros dali.
A autópsia mostrou que, alémbet 365sinaisbet 365tortura, ele levou dois tiros: um no lábio e outro na nuca.
"No dia seguinte minha irmã foi ao Instituto Médico Legal (IML). Perguntaram se ele tinha uma tatuagem e que confirmasse onde estava. Foi quando disseram a ela: 'É ele'.
Sete meses depois, a Secretariabet 365Segurança Públicabet 365São Paulo afirma que as investigações já terminaram e os dois suspeitos do vídeo foram identificados. Atualmente na prisão e aguardando julgamento, o sargento Adriano Fernandesbet 365Campos nega todas as acusações. A polícia continua procurando o segundo suspeito, o ex-policial Gilberto Eric Rodrigues.
Desde a infância, Joyce conta que Guilherme sempre teve medo da polícia, mas que ela sempre lhe disse que não havia motivo, porque os policiais existem para proteger as pessoas. "Eu tirei o medo dele", diz Joyce. "Mas hoje, prefiro que meus outros filhos tenham medo da polícia."
"Acho que para eles todo mundo que mora na periferia é criminoso. Acham que um meninobet 36515, 16, 17 anos não pode ter tênisbet 365marca nos pés".
Entre a violência e o vírus
No ano passado, o Riobet 365Janeiro foibet 365longe o Estado mais mortal do Brasilbet 365termosbet 365violência policial letal, respondendo por um quartobet 365todas as mortes por policiaisbet 365todo o país.
Por que o Rio é tão mortal? A resposta envolve a estratégia das operações policiais antidrogas, açõesbet 365que dezenasbet 365policiais entram nas favelas, muitas vezes apoiados por helicópteros e veículos blindados,bet 365buscabet 365traficantes e chefes do crime organizado.
Como jornalista que mora e trabalha nas favelas, Bruno Itan costuma ser o primeiro a chegarbet 365muitos dos confrontos entre a polícia e o tráfico. Mas no ano passado,bet 365meio à crescente pandemiabet 365coronavírus, Bruno descreve uma operação policialbet 365que a violência foi ainda mais chocante.
"Assim que cheguei, vi muitos corpos espalhados pelas ruas. Foi tão horrível que acho que por um momento, as pessoas se esqueceram do vírus. Foi uma cenabet 365guerra, com sangue por toda parte e buracosbet 365armabet 365fogo."
Era meio-diabet 365sexta-feira quando maisbet 365uma dezenabet 365policiais entraram no Complexo do Alemão perseguindo traficantes. Duas horas depois, os moradores locais dizem que pelo menos 12 pessoas foram mortas e cinco corpos deixados para trás pela polícia, no meio da rua.
Presos entre a violência e o vírus, muitos moradores foram forçados a interromper o isolamento e deixar suas casas para limpar os corpos sob o sol escaldante do verão no Rio.
"Todo mundo estava ajudando. Algumas pessoas estavam limpando o sangue, outras distribuindo lençóis, outra pessoa emprestava o carro, enquanto outras ajudavam a carregar os corpos", diz Itan, que viu ali uma cenabet 365solidariedadebet 365meio ao caos.
"Eles precisavam ajudar uns aos outros. A mãe não ia conseguir carregar o corpo do filho sozinha ".
Crescendo nas favelas, Bruno diz que aprendeu a conviver com a violência; sabe o que fazer quando o grupobet 365WhatsApp da comunidade o alerta sobre uma operação policial. A regra é buscar abrigo no chão do banheiro ou atrásbet 365uma porta, mas sempre longebet 365quaisquer vidros ou janelas.
Mas para Bruno, apesarbet 365ter vivido centenasbet 365operações, a escalada da violência policial no ano passado, combinada com a pandemia, representou uma subidabet 365tom.
"A violência sempre vem, mas nunca 12 pessoas mortasbet 365uma manhã. Talvez uma ou duas. Uma ou duas morrendo, você pode achar estranho, mas infelizmente para nós, isso se tornou normal. Mas 12?"
Uma históriabet 365violência
Por que a políciabet 365alguns Estados do Brasil é tão agressiva? Parte da resposta está no passado. Saindobet 365uma ditadura militarbet 36521 anos, na qual milhares foram torturados e centenas mortos, o Brasil tem duas forças policiais: a Polícia Militar e a Polícia Civil.
Grande parte do treinamento da Polícia Militar, até hoje, utiliza táticas e ideologia similares aobet 365um exército, apesarbet 365serem os principais responsáveis pelo policiamento diário das ruas. Já a Polícia Civil assume mais funções judiciais,bet 365inteligência e administrativas.
Como ex-chefe da Polícia do Estado do Riobet 365Janeiro, Robson Rodrigues da Silva diz que a pressão sobre os policiais no Brasil não pode ser subestimada. Com uma das maiores taxasbet 365criminalidade do mundo, ele argumenta que a polícia no Brasil é mal paga e com apoio insuficiente. Com o tempo, a imprevisibilidade e a volatilidade do trabalho comprovadamente tendem a causar "danos psicológicos significativos" a muitos policiais.
"A suposição geralbet 365qualquer policial é que muito provavelmente alguém estará armado." diz Robson, especialmentebet 365áreas dominadas por traficantes. "Porque a quantidadebet 365armasbet 365fogo disponíveis nessas áreas reflete o quão ineficiente o sistema é para evitar que tais armas cheguem facilmente às mãos dos criminosos. Isso gera tensão e medo, e quando isso se manifestabet 365um policial, ele é muito mais provavelmente reagirá mal a uma situação. "
Mas para Robson, como ex-policial no Riobet 365Janeiro, nenhum lugar é mais perigoso para ser policial do que nas favelas da cidade do Riobet 365Janeiro.
O Brasil se importa com as vidas negras?
Como o último país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão, o Brasil continua profundamente desigual, com negros e pardos brasileiros vivendo, historicamente,bet 365situaçõesbet 365maior vulnerabilidade socialbet 365diversos indicadores não sóbet 365segurança pública, masbet 365saúde, educação e oportunidades.
Nas estatísticasbet 365violência, a letalidade policial não é a única modalidadebet 365que os negros são a maioria das vítimas. De acordo com dados mais recentes,bet 3652019, os negros representam 74,5% das vítimasbet 365homicídio doloso, 68,3% das vítimasbet 365lesão corporal seguidabet 365morte e 65,1% dos policiais assassinados.
Em dez anos, enquanto o assassinatobet 365não-negros diminuiu 12% entre 2008 e 2018, o homicídiobet 365pessoas negras cresceu 11,5% no mesmo período.
"Diferentemente daquela visãobet 365que a sociedade brasileira é uma sociedade pacífica, a realidade nos mostra que é diferente. Você tem violência no trânsito, altas taxasbet 365homicídio, violênciabet 365torcida nos jogosbet 365futebol, linchamento. A violência está entranhada nas estruturas sociais", diz o antropólogo Robson Rodrigues da Silva. Ele tem conhecimentobet 365causa: coronel da reserva da Polícia Militar do Riobet 365Janeiro (PMERJ), comandoubet 3652010 a coordenação geral das Unidadesbet 365Polícia Pacificadora (UPPS), tentativa do Estadobet 365criar um policiamento comunitário nas favelas, retomando espaços dominados pelo tráfico. Vê nas estatísticas, além do efeitobet 365políticas equivocadasbet 365guerra às drogas, os reflexos do racismo que dita as relações sociais no país.
"Por mais que se negue o racismo estrutural existe, e os efeitos são perversos. Como o país que manteve a escravidão por mais tempo a gente ainda não conseguiu achar um caminho para que isso melhorasse", diz.
Caso três: João Pedro Matos Pinto, 18bet 365maiobet 3652020
Nos primeiros meses do ano passado, um aumento nas mortes cometidas por policiais no Riobet 365Janeiro fez com que 2020 se colocasse no caminho dos recordesbet 365brutalidade policialbet 365décadas. De janeiro a maio, o númerobet 365mortosbet 365intervenções policiais no Estado foi o maior para o período desde 2003: 744 pessoas.
A curva da letalidade policial só passou a cair depois da mortebet 365um adolescente,bet 365maio, que paralisou todas as operações policiais nas favelas do Riobet 365Janeiro. João Pedro Matos Pinto, morto dentro da casa dos primosbet 365uma operação sem mandato judicial.
Depoisbet 365disparar maisbet 36570 tiros dentrobet 365casa, João Pedro foi morto por uma balabet 365fuzil nas costas.
"João era uma criança muito caseira. Onde quer que fosse, estava sempre com os pais. A rotina dele era escola, casa, igreja", conta Rafaela Coutinho Matos, professorabet 36536 anos, diz que revive diariamente cada momento daquela segunda-feira, quando, preocupadabet 365garantir que a pandemia do coronavírus passasse bem longebet 365sua família, ela ouviu a voz do filhobet 36514 anos pela última vez.
No diabet 365que seu filho foi morto, Rafaela estava embet 365casabet 365São Gonçalo, na periferia do Rio. João tinha ido brincar na casa do primo a 15 minutos dali, na região da Praia da Luz,bet 365Itaoca. Por volta das 14h30, ela ouviu o helicóptero da polícia.
"Liguei para o João e falei: 'Filho, estou muito preocupada porque o helicóptero está dando tiro. Mas ele disse:' Mãe, fica tranquila, a gente tá dentrobet 365casa'."
Foi a última vez que Rafaela falou com o filho.
As investigações da polícia e relatosbet 365testemunhas apontam que, após o lançamentobet 365duas granadas, a polícia entrou na casa atirando. As autoridades, à época, chegaram a alegar que seus policiais estavam perseguindo vários traficantesbet 365drogas armados, que teriam pulado o muro e entrado na propriedade.
A mãe e diversos depoimentos afirmam que, assim que os policiais entraram na casa, os adolescentes correrambet 365direções diferentes para se esconderem dos tiros pelos quartos. Deitadosbet 365bruços no chão, as crianças colocaram os braços sobre a cabeça para se proteger. Paralisados pelo medo, só mais tarde perceberam que João havia levado uma bala pelas costas.
"Quando eles falaram que havia sido um tiro (perto da barriga), eu imaginei que tivesse sido um tirobet 365raspão, alguma coisa assim. Eu não imaginava que tinha sido um tirobet 365fuzil", diz Rafaela, aos prantos.
João,bet 365acordo com os depoimentos das testemunhas, foi levado ao helicóptero da polícia. As autoridades afirmam que ainda estão investigando como seu corpo foi removido. Mas seus amigos e primos dizem que um dos jovens foi obrigado a carregar o corpo até o próprio carro e transportá-lo até o helicóptero.
Por 17 horas, Rafaela não sabia para onde seu filho havia sido levado. A família passou a noite toda visitando hospitais locais e fazendo campanha nas redes sociais com a hashtag #procurase João Pedro, até que descobrissem o corpobet 365um necrotério.
Apesarbet 365ganhar grande destaque na mídia brasileira, Rafaela teme que ninguém seja preso ou punido pelo assassinatobet 365seu filho. Porque ela diz que João não é o primeiro filho perdido para a violência policial, tampouco será o último.
Racismo e preconceito
"Olha, eu nunca conversei com João a respeito do racismo. Nunca parei para pensar a respeito até mesmo porque eu nunca imaginei estar vivendo o que eu estou vivendo hoje. Mas eu acho que foi preconceito, sim. Porque os policiais acham que toda pessoa que mora na favela é bandido. Nem todo mundo que mora na favela é bandido. E geralmente esses assassinatos acontecem sim com pessoas negras", diz Rafaela. "Se fosse na Zona Sul oubet 365qualquer outro lugar, eles não entrariam atirando".
O governador (afastado) do Riobet 365Janeiro, Wilson Witzel, declarou publicamente à época que João era inocente e que seu assassinato seria totalmente investigado. Mas, 8 meses depois, ninguém foi preso.
O casobet 365João Pedro gerou comoção nacional tão grande que motivou uma decisão sem precedentes do Supremo Tribunal Federal. Todas as batidas policiais foram suspensas temporariamente, durante a pandemia.
A análise dos dados do Fórum Brasileirobet 365Segurança pública aponta que, antes que as operações policiais parassem,bet 365média 150 pessoas eram mortas por mês.
Masbet 365junhobet 3652020, depois que as operações policiais foram suspensas, 34 pessoas foram mortas, 80% menos do quebet 365junhobet 3652019. O que indica que, ao impedir as operações, centenasbet 365vidas foram salvas.
Questionado pela BBC se as batidas policiais seriam reiniciadas após o fim da quarentena, a segurança do Riobet 365Janeiro respondeu apenas que "todas as operações são realizadas com base na inteligência e seguem rígidos requisitos legais, sempre priorizando a preservação da vida".
Para o coronel da reserva Robson Rodrigues da Silva, essa queda no númerobet 365mortos não foi inesperada. "Ao interromper esse ciclo vicioso, algo que esperávamos aconteceu; uma redução drástica tanto nas mortesbet 365policiais quanto nas mortesbet 365policiais. Isso mostra que a escolha da guerra como estratégia para enfrentar o inimigo, diga-sebet 365passagem , está tudo errado e precisamos rever nossa estratégia ".
Mas, como Robson aponta, as operações policiais nos moldes das que são adotadas no Rio ameaçam não só civis, mas a própria polícia. Policiais negros, que são maisbet 36560% dos policiais assassinados no Brasilbet 3652019, são mais vulneráveis à violência letal do que seus colegas brancos.
"O mesmo problemabet 365garantir a mobilidade social enfrentado pelos negrosbet 365nosso país também existe dentro da polícia. Porque apesarbet 365ter muitos policiais negros, eles estãobet 365níveis mais baixos na hierarquia", diz Robson.
Como coordenador na áreabet 365análisebet 365dados do Fórum Brasileirobet 365Segurança Pública, David Marques rejeita a tesebet 365que o racismo dentro da força policial é simplesmente um produto do racismo na sociedade brasileira.
"Para que a força policial participe da luta contra a violenta desigualdade racial, é necessário construir um debate mais amplo sobre o impacto do racismo na segurança pública e que essa discussão motive os policiais a mudarem seu cotidiano na rua.
"Além disso, é necessário aprofundar a discussão sobre a vitimização policial. Mais policiais morreram forabet 365serviço e suicídio do que no trabalho. Isso significa abordar a questão das condiçõesbet 365trabalho da polícia é fundamental."
Examinando o númerobet 365policiais mortos nos primeiros seis mesesbet 3652020, a pesquisabet 365Marques constatou que dos 103 policiais mortos, 70% deles estavambet 365folga, oubet 365bicos como segurança como formabet 365aumentar a renda, insuficiente.
Justiça?
Para as mãesbet 365Igor Rochas Ramos , Guilherme Guedes e João Pedro Matos Pinto, o desafio das famílias agora é lugar para que a justiça seja feita. Mas mesmobet 365casos com mais pressão da opinião pública, como o João Pedro, Daniel Lozoya, defensor público do Núcleobet 365Defesa dos Direitos Humanos que defende a famíliabet 365João, diz que há dúvidas sobre se os culpados serão julgados e presos.
"O padrão que essas investigações costumam tomar é que só confirmam as teses da polícia. Eles seguem apenas as versões dos eventos do policial, às vezes se arrastando por anos até serem eventualmente arquivados. "
No Brasil, segundo dadosbet 3652019, 7bet 365cada 10 homicídios terminam sem punição aos culpados.
Por que nem todos viram símbolo?
"Com tantos casos registrados (em 2019 e 2020), infelizmente algo que nunca deveríamos considerar normal, está acontecendo todos os dias. Na sociedade, isso gera uma insensibilidade, uma anestesia na forma como as pessoas se relacionam com esses casos, apenas os mais extremos acabam gerando atenção", afirma Lozoya, da Defensoria Pública do Rio.
"De forma que só casos extremos, como a mortebet 365uma criança dentro da própria casa, dentro da escola, oubet 365pessoas que é muito difícil serem incriminadas, como idosos, trabalhadores e crianças, que acabam gerando uma comoção na sociedade", diz o defensor da famíliabet 365João Pedro.
David Marques, do Fórum, diz que a expansão das redes sociais tem aumentado a visibilidade dos casosbet 365violência policial e racismo no país mas, apesar da adesão virtual mais expressiva e do debate mais constante sobre o tema, o movimento negro e movimentos sociais contra o racismo ainda enfrentam muita resistência por parte da sociedade.
Para Marques, o fatobet 365muitas pessoas não acreditarem, por exemplo, que haja racismo no Brasil, dificulta bastante o processobet 365uma adesão mais ampla a causas como a violência policial contra negros.
"Isso dificulta bastante o processo. A saída que os movimentos têm encontrado para debater esse tema ainda têm encontrado bastante resistência. O problema continua sendo reverter essa indignaçãobet 365mudançasbet 365política pública", diz.
Rafaela, mãebet 365João Pedro, diz que antes da perda do filho nunca teve medo da polícia.
Diz que João era estudioso, alegre e tinha o sonhobet 365ser advogado, sonho compartilhado pelo pai, o comerciante Neilton Matos, que não teve a oportunidadebet 365completar os estudos. Recentemente, a família havia conseguidoo matricular João na escola particularbet 365que Rafaela dá aulas, e ele estava muito feliz.
"Todos os nosso sonhos eram focados no João. Hoje, não sabemos como vamos seguirbet 365frente", diz Rafaela. "Às vezes as pessoas olham para mim e dizem 'ah, mas você tem Rebeca'", referindo-se à filha caçula,bet 3654 anos. "Mas um filho não substitui o outro".
"Não contamos a ela o que aconteceu, só falamos que o irmãozinho dela agora está no céu. Mas há um tempo, quando brincava com o primo da mesma idade, o primo perguntou "Onde está o teu irmão João?" e ela disse: "Você não sabe? Eles mataram meu irmão".
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