'Mãe, fica tranquila, a gente tá dentrob bet365casa': as famílias destruídas pela violência policialb bet365plena pandemia:b bet365

Igorb bet365casa comb bet365família

Crédito, Família Rocha

Legenda da foto, Igorb bet365casa comb bet365família

Trabalhando para sustentar a família, Ana Paula criou sozinha seus quatro filhos, Bruna, Bárbara, Beatriz e Igor, com um salário mensalb bet365R$ 1,5 mil. Eles dividiam a casa no Jardim São Savério, na periferia da Zona Sulb bet365São Paulo, região que é parte da rota da linhab bet365ônibusb bet365que Ana Paula trabalha. Desde o dia do crime, ela desvia o olhar sempre que o ônibus passa perto da viela. "Não consigo".

No diab bet365que Igor foi baleado, Ana Paula estava há 11 dias isoladab bet365seu quartob bet365casa, saindo apenas para receber atendimento médico, com febre alta e muita faltab bet365ar, sintomas fortesb bet365coronavírus. "Eu vivia mais no hospital do queb bet365casa, os médicos chegaram a querer me intubar", lembra.

Naquele 2b bet365abril, Igor acordou tarde e quis ir à padaria comprar pão e batata palha, para almoçar as sobrasb bet365cachorro-quente da noite anterior. A mãe pediu que ele trouxesse também um pacoteb bet365cigarros. Saiub bet365casa por volta das 13h15; apenas dez minutos depois, Ana Paula ouviu os gritos no portão.

"Mataram um menino. Mataram um menino e parece que é o Igor."

Aterrorizada, ela lembrab bet365descer correndo as escadas do sobrado e sair pela porta da frente, subindo a rua com dificuldades para respirar,b bet365cenas registradasb bet365vídeos amadores que circulam pela internet. Lembrab bet365ter tirado a máscara antesb bet365enxergar o filho, caído.

"Eu vib bet365longe o tênis que ele estava usando, reconheci que era ele". Ela se recorda também do choro desesperado da filha, Bruna. "Foi na cabeça mãe! O tiro foi na cabeça".

Nessa hora, a mãe entroub bet365pânico. Filmadas pelos celularesb bet365várias testemunhas, imagens bem gráficas mostram Bruna e Ana Paula sendo violentamente contidas enquanto tentam passar pelo número cada vez maiorb bet365policiaisb bet365torno do corpob bet365Igor.

"Doeu muito vê-lo daquele jeito. É uma cena que eu não desejo para ninguém", diz ela, emocionada,b bet365entrevista concedida à BBC News Brasil no pátio da escolab bet365que Igor estudava.

"Os policiais o colocaram na maca e o embrulharam como se ele estivesse vivo, com o rosto para fora. Não me deixaram chegar perto, ficaram me segurando. Aí, levaram ele pro hospital. Não me deixaram ir na ambulância".

O atestadob bet365óbito emitido no hospital confirmou que Igor morreu na hora, com um único tiro na nuca. Imagens e relatosb bet365testemunhas mostram que ele caiu perto da padaria,b bet365bruços, no chão.

Dez meses depois, ninguém foi preso pelo assassinatob bet365Igor, mas a Polícia Militarb bet365São Paulo diz que o caso ainda está sob investigação. Informaram também que o policial suspeito pela morteb bet365Igor não foi afastado do atendimento ao público e continua trabalhando normalmente.

A mãe diz que, ainda no local, um dos policiais disse a ela que o menino foi baleadob bet365uma trocab bet365tiros, dando a entender que Igor estava armado. "Eu, nervosa, comecei a gritar, 'mentira! Meu filho acaboub bet365sairb bet365casa. Eu tô com covid, meu filho não estava saindob bet365dentrob bet365casa. Todos esses dias'."

Ana Paula Rocha, mãeb bet365Igor
Legenda da foto, Ana Paula Rocha, mãeb bet365Igor

Testemunhas também disseram à BBC que não viram Igor com uma arma. A políciab bet365São Paulo afirma que ainda não concluiu a investigação sobre a versão dos policiais.

Ana Paula diz que a vida, a partirb bet365agora, é lutar por justiça para Igor. Mas teme que a reação do sistema judiciário reflita o preconceito contra quem mora nos bairros mais pobres da cidade. "Se meu filho fosse filhob bet365rico, o policial já estaria na prisão. Já estaria preso".

Um isolamento com recordeb bet365mortes

Nos primeiros seis mesesb bet3652020, justamente quando muitas pessoas deixaramb bet365circular pelas ruas para se protegerem do vírus, 3.148 pessoas foram mortas pela polícia no Brasil,b bet365intervenções policiais. Em média, 17 pessoas morreram por dia.

No Riob bet365Janeiro, Estado com 16 milhõesb bet365habitantes, o número absolutob bet365pessoas mortas pela polícia nos seis primeiros meses do ano foi maior que o registradob bet365todos os Estados Unidos. Em São Paulo, o númerob bet365mortos pela polícia no semestre foi recorde para o período desde 2001, início da série histórica do Fórum Brasileirob bet365Segurança Pública, entidade que há décadas reúne e analisa dadosb bet365violênciab bet365todos os Estados do país.

Mas no Brasil, embora a visibilidade dos casos tenha crescido e ganhado mais adesão e espaço na agenda pública com o crescimento das redes sociais, a violência policial raramente gera protestosb bet365massa, na escala daqueles que levaram milharesb bet365pessoas às ruas nos EUA e na Nigéria contra a brutalidade policial no ano passado. A reação nas ruas, no exemplo dos casos relatados nesta reportagem, se concentrou mais a protestos localizados nos bairros das vítimas, ou a grandes campanhas nas redes sociais.

Em São Paulo, as famílias têm encontrado apoio e orientação na busca por resistência por meiob bet365um movimento social, a Redeb bet365Proteção e Resistência contra Genocídio, que atuab bet365cada bairro onde há vítimas, organizando açõesb bet365protesto e resistência. No casob bet365Igor, por exemplo, foram eles que ajudaram Ana Paula a organizar uma sérieb bet365protestos que, embora localizados na região do crime, marcaram a revolta dos amigos e família. "A mobilização das famílias é resultadob bet365um imenso trabalhob bet365resistência", diz Marisa Feffermann. "Com a pandemia, a violência policial nas periferias tem se escondido. Por isso, queremos usar esse espaço para denunciar esses casos."

Ana Paula com familiaresb bet365protesto contra a morteb bet365Igor
Legenda da foto, Ana Paula com familiaresb bet365protesto contra a morteb bet365Igor

Para analisar quais vidas estiveram mais ameaçadas durante o primeiro semestre da pandemia, a BBC,b bet365colaboração com o Fórum Brasileirob bet365Segurança Pública, analisou os perfisb bet365maisb bet365mil pessoas mortas pela polícia no Estadob bet365São Paulo e no Riob bet365Janeiro nos primeiros seis mesesb bet3652020.

Os dados confirmam uma tendência antiga:b bet365São Paulo, mais rico Estado do Brasil e onde a grande maioria das pessoas se declara branca, quase 60%b bet365todos os mortos pela polícia eram brasileiros negros. Maisb bet36599%b bet365todos os mortos eram do sexo masculino e quase 30% tinham menosb bet36524 anos.

No Rio, o Estado mais letal do Brasilb bet365termosb bet365brutalidade policial, a proporção é ainda maior: 75%b bet365todos os mortos pela polícia eram negros. O que comprova que um jovem, negro e do sexo masculino, no semestreb bet365que a pandemia chegou ao Brasilb bet3652020, tinha cinco vezes mais chancesb bet365ser morto pela polícia do que um jovem branco.

Ponto importante: nos números analisados pela BBC, todas as estatísticas sobre pessoas vivas referem-se a categorias raciais autodeclaradas. Para os mortos, a filiação racial foi registrada conforme consta nos registros policiais.

No Brasil, a descrição racial da vítimab bet365homicídio é feita pelo médico legista ou pelo policial investigador, utilizando as amplas categoriasb bet365preto, branco, outro ou desconhecido. Os negros, neste caso, geralmente incluem indivíduos negros e pardos, mestiços.

Filmado pelo celularb bet365um familiar, o sangueb bet365Igor corre na rua enquantob bet365mãe fala com um policial

Crédito, Família Rocha

Legenda da foto, Filmado pelo celularb bet365um familiar, o sangueb bet365Igor corre na rua enquantob bet365mãe fala com um policial

Caso dois: Guilherme Guedes, sequestrado e morto aos 15 anos, 14b bet365junhob bet3652020

Uma das mortes mais violentasb bet3652020 no Brasil foi ab bet365Guilherme Guedes, que desapareceub bet365frente à casa da avó, na Vila Clara, Zona Sulb bet365São Paulo. Foi encontradob bet365Diadema (SP), no dia seguinte, morto a tiros e com sinaisb bet365tortura.

"Eu preferia, hoje, que meu filho tivesse pegado covid-19, né? Do que ter morrido da forma que ele morreu. Muitos falam assim pra mim, "é planob bet365Deus". Não, pra mim não é planob bet365Deus. Deus vai planejar uma pessoa morrer com dois tiros na cabeça?", questiona Joyce da Silva dos Santos, mãeb bet365Guilherme.

Guilherme com a mãe, Joyce da Silva dos Santos

Crédito, Família Santos

Legenda da foto, Guilherme com a mãe, Joyce da Silva dos Santos

A última vez que Joyce viu o filho foib bet365um churrascob bet365família, para inaugurar a casa nova que Guilherme havia ajudado a limpar e organizar após a mudança. Descrito pela mãe como seu melhor amigo e "homem da casa", ajudandob bet365tudo, Guilherme se ofereceu para acompanhar a avó atéb bet365casa, porque era tarde da noite. No caminho, ele parou para comprar coxinhas, lanche preferidob bet365Gui, conta Joyce.

Depoisb bet365se despedir da avó, Guilherme passou pelo quintal da casa; avistou outro menino dab bet365idade e atravessou a rua para encontrá-lo. Os depoimentos indicam que o menino avisou Guilherme para tomar cuidado, porque dois policiais à paisana vinham emb bet365direção.

"Mas o Gui disse: Não. Não vou embora, não devo nada ", diz Joyce." Então ele ficou. E é quando os dois chegam", conta Joyce.

Os suspeitos aparecem claramente nas imagensb bet365câmerasb bet365segurançab bet365frente à casa da avób bet365Guilherme, que mostram dois homens cercando Guilherme na rua. Pouco depois, Guilherme não aparece mais.

Seu corpo foi descoberto seis horas depois, abandonado a quilômetros dali.

A autópsia mostrou que, alémb bet365sinaisb bet365tortura, ele levou dois tiros: um no lábio e outro na nuca.

Joyce da Silva dos Santos, mãeb bet365Guilherme
Legenda da foto, Joyce da Silva dos Santos, mãeb bet365Guilherme

"No dia seguinte minha irmã foi ao Instituto Médico Legal (IML). Perguntaram se ele tinha uma tatuagem e que confirmasse onde estava. Foi quando disseram a ela: 'É ele'.

Sete meses depois, a Secretariab bet365Segurança Públicab bet365São Paulo afirma que as investigações já terminaram e os dois suspeitos do vídeo foram identificados. Atualmente na prisão e aguardando julgamento, o sargento Adriano Fernandesb bet365Campos nega todas as acusações. A polícia continua procurando o segundo suspeito, o ex-policial Gilberto Eric Rodrigues.

Desde a infância, Joyce conta que Guilherme sempre teve medo da polícia, mas que ela sempre lhe disse que não havia motivo, porque os policiais existem para proteger as pessoas. "Eu tirei o medo dele", diz Joyce. "Mas hoje, prefiro que meus outros filhos tenham medo da polícia."

"Acho que para eles todo mundo que mora na periferia é criminoso. Acham que um meninob bet36515, 16, 17 anos não pode ter tênisb bet365marca nos pés".

Entre a violência e o vírus

No ano passado, o Riob bet365Janeiro foib bet365longe o Estado mais mortal do Brasilb bet365termosb bet365violência policial letal, respondendo por um quartob bet365todas as mortes por policiaisb bet365todo o país.

Por que o Rio é tão mortal? A resposta envolve a estratégia das operações policiais antidrogas, açõesb bet365que dezenasb bet365policiais entram nas favelas, muitas vezes apoiados por helicópteros e veículos blindados,b bet365buscab bet365traficantes e chefes do crime organizado.

Grupo protesta contra o assassinatob bet365Guilherme Guedes
Legenda da foto, Grupo protesta contra o assassinatob bet365Guilherme Guedes

Como jornalista que mora e trabalha nas favelas, Bruno Itan costuma ser o primeiro a chegarb bet365muitos dos confrontos entre a polícia e o tráfico. Mas no ano passado,b bet365meio à crescente pandemiab bet365coronavírus, Bruno descreve uma operação policialb bet365que a violência foi ainda mais chocante.

"Assim que cheguei, vi muitos corpos espalhados pelas ruas. Foi tão horrível que acho que por um momento, as pessoas se esqueceram do vírus. Foi uma cenab bet365guerra, com sangue por toda parte e buracosb bet365armab bet365fogo."

Era meio-diab bet365sexta-feira quando maisb bet365uma dezenab bet365policiais entraram no Complexo do Alemão perseguindo traficantes. Duas horas depois, os moradores locais dizem que pelo menos 12 pessoas foram mortas e cinco corpos deixados para trás pela polícia, no meio da rua.

Presos entre a violência e o vírus, muitos moradores foram forçados a interromper o isolamento e deixar suas casas para limpar os corpos sob o sol escaldante do verão no Rio.

"Todo mundo estava ajudando. Algumas pessoas estavam limpando o sangue, outras distribuindo lençóis, outra pessoa emprestava o carro, enquanto outras ajudavam a carregar os corpos", diz Itan, que viu ali uma cenab bet365solidariedadeb bet365meio ao caos.

Grande parte da população urbanab bet365baixa renda viveb bet365favelas

Crédito, João Wainer

Legenda da foto, Grande parte da população urbanab bet365baixa renda viveb bet365favelas

"Eles precisavam ajudar uns aos outros. A mãe não ia conseguir carregar o corpo do filho sozinha ".

Crescendo nas favelas, Bruno diz que aprendeu a conviver com a violência; sabe o que fazer quando o grupob bet365WhatsApp da comunidade o alerta sobre uma operação policial. A regra é buscar abrigo no chão do banheiro ou atrásb bet365uma porta, mas sempre longeb bet365quaisquer vidros ou janelas.

Mas para Bruno, apesarb bet365ter vivido centenasb bet365operações, a escalada da violência policial no ano passado, combinada com a pandemia, representou uma subidab bet365tom.

"A violência sempre vem, mas nunca 12 pessoas mortasb bet365uma manhã. Talvez uma ou duas. Uma ou duas morrendo, você pode achar estranho, mas infelizmente para nós, isso se tornou normal. Mas 12?"

Uma históriab bet365violência

Por que a políciab bet365alguns Estados do Brasil é tão agressiva? Parte da resposta está no passado. Saindob bet365uma ditadura militarb bet36521 anos, na qual milhares foram torturados e centenas mortos, o Brasil tem duas forças policiais: a Polícia Militar e a Polícia Civil.

Grande parte do treinamento da Polícia Militar, até hoje, utiliza táticas e ideologia similares aob bet365um exército, apesarb bet365serem os principais responsáveis ​​pelo policiamento diário das ruas. Já a Polícia Civil assume mais funções judiciais,b bet365inteligência e administrativas.

Policial militar durante patrulha

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Policial militar durante patrulha

Como ex-chefe da Polícia do Estado do Riob bet365Janeiro, Robson Rodrigues da Silva diz que a pressão sobre os policiais no Brasil não pode ser subestimada. Com uma das maiores taxasb bet365criminalidade do mundo, ele argumenta que a polícia no Brasil é mal paga e com apoio insuficiente. Com o tempo, a imprevisibilidade e a volatilidade do trabalho comprovadamente tendem a causar "danos psicológicos significativos" a muitos policiais.

"A suposição geralb bet365qualquer policial é que muito provavelmente alguém estará armado." diz Robson, especialmenteb bet365áreas dominadas por traficantes. "Porque a quantidadeb bet365armasb bet365fogo disponíveis nessas áreas reflete o quão ineficiente o sistema é para evitar que tais armas cheguem facilmente às mãos dos criminosos. Isso gera tensão e medo, e quando isso se manifestab bet365um policial, ele é muito mais provavelmente reagirá mal a uma situação. "

Mas para Robson, como ex-policial no Riob bet365Janeiro, nenhum lugar é mais perigoso para ser policial do que nas favelas da cidade do Riob bet365Janeiro.

O Brasil se importa com as vidas negras?

Como o último país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão, o Brasil continua profundamente desigual, com negros e pardos brasileiros vivendo, historicamente,b bet365situaçõesb bet365maior vulnerabilidade socialb bet365diversos indicadores não sób bet365segurança pública, masb bet365saúde, educação e oportunidades.

Nas estatísticasb bet365violência, a letalidade policial não é a única modalidadeb bet365que os negros são a maioria das vítimas. De acordo com dados mais recentes,b bet3652019, os negros representam 74,5% das vítimasb bet365homicídio doloso, 68,3% das vítimasb bet365lesão corporal seguidab bet365morte e 65,1% dos policiais assassinados.

Em dez anos, enquanto o assassinatob bet365não-negros diminuiu 12% entre 2008 e 2018, o homicídiob bet365pessoas negras cresceu 11,5% no mesmo período.

Velas acesasb bet365protesto contra a morteb bet365nove pessoas durante ação policialb bet365São Paulo
Legenda da foto, Velas acesasb bet365protesto contra a morteb bet365nove pessoas durante ação policialb bet365São Paulo

"Diferentemente daquela visãob bet365que a sociedade brasileira é uma sociedade pacífica, a realidade nos mostra que é diferente. Você tem violência no trânsito, altas taxasb bet365homicídio, violênciab bet365torcida nos jogosb bet365futebol, linchamento. A violência está entranhada nas estruturas sociais", diz o antropólogo Robson Rodrigues da Silva. Ele tem conhecimentob bet365causa: coronel da reserva da Polícia Militar do Riob bet365Janeiro (PMERJ), comandoub bet3652010 a coordenação geral das Unidadesb bet365Polícia Pacificadora (UPPS), tentativa do Estadob bet365criar um policiamento comunitário nas favelas, retomando espaços dominados pelo tráfico. Vê nas estatísticas, além do efeitob bet365políticas equivocadasb bet365guerra às drogas, os reflexos do racismo que dita as relações sociais no país.

"Por mais que se negue o racismo estrutural existe, e os efeitos são perversos. Como o país que manteve a escravidão por mais tempo a gente ainda não conseguiu achar um caminho para que isso melhorasse", diz.

Caso três: João Pedro Matos Pinto, 18b bet365maiob bet3652020

Nos primeiros meses do ano passado, um aumento nas mortes cometidas por policiais no Riob bet365Janeiro fez com que 2020 se colocasse no caminho dos recordesb bet365brutalidade policialb bet365décadas. De janeiro a maio, o númerob bet365mortosb bet365intervenções policiais no Estado foi o maior para o período desde 2003: 744 pessoas.

A curva da letalidade policial só passou a cair depois da morteb bet365um adolescente,b bet365maio, que paralisou todas as operações policiais nas favelas do Riob bet365Janeiro. João Pedro Matos Pinto, morto dentro da casa dos primosb bet365uma operação sem mandato judicial.

João Pedro Matos Pinto

Crédito, Família Matos

Legenda da foto, João Pedro Matos Pinto

Depoisb bet365disparar maisb bet36570 tiros dentrob bet365casa, João Pedro foi morto por uma balab bet365fuzil nas costas.

"João era uma criança muito caseira. Onde quer que fosse, estava sempre com os pais. A rotina dele era escola, casa, igreja", conta Rafaela Coutinho Matos, professorab bet36536 anos, diz que revive diariamente cada momento daquela segunda-feira, quando, preocupadab bet365garantir que a pandemia do coronavírus passasse bem longeb bet365sua família, ela ouviu a voz do filhob bet36514 anos pela última vez.

No diab bet365que seu filho foi morto, Rafaela estava emb bet365casab bet365São Gonçalo, na periferia do Rio. João tinha ido brincar na casa do primo a 15 minutos dali, na região da Praia da Luz,b bet365Itaoca. Por volta das 14h30, ela ouviu o helicóptero da polícia.

"Liguei para o João e falei: 'Filho, estou muito preocupada porque o helicóptero está dando tiro. Mas ele disse:' Mãe, fica tranquila, a gente tá dentrob bet365casa'."

Foi a última vez que Rafaela falou com o filho.

As investigações da polícia e relatosb bet365testemunhas apontam que, após o lançamentob bet365duas granadas, a polícia entrou na casa atirando. As autoridades, à época, chegaram a alegar que seus policiais estavam perseguindo vários traficantesb bet365drogas armados, que teriam pulado o muro e entrado na propriedade.

A mãe e diversos depoimentos afirmam que, assim que os policiais entraram na casa, os adolescentes correramb bet365direções diferentes para se esconderem dos tiros pelos quartos. Deitadosb bet365bruços no chão, as crianças colocaram os braços sobre a cabeça para se proteger. Paralisados pelo medo, só mais tarde perceberam que João havia levado uma bala pelas costas.

"Quando eles falaram que havia sido um tiro (perto da barriga), eu imaginei que tivesse sido um tirob bet365raspão, alguma coisa assim. Eu não imaginava que tinha sido um tirob bet365fuzil", diz Rafaela, aos prantos.

João,b bet365acordo com os depoimentos das testemunhas, foi levado ao helicóptero da polícia. As autoridades afirmam que ainda estão investigando como seu corpo foi removido. Mas seus amigos e primos dizem que um dos jovens foi obrigado a carregar o corpo até o próprio carro e transportá-lo até o helicóptero.

Por 17 horas, Rafaela não sabia para onde seu filho havia sido levado. A família passou a noite toda visitando hospitais locais e fazendo campanha nas redes sociais com a hashtag #procurase João Pedro, até que descobrissem o corpob bet365um necrotério.

Maisb bet36570 tirosb bet365fuzil atingiram a casa onde estava João
Legenda da foto, Maisb bet36570 tirosb bet365fuzil atingiram a casa onde estava João

Apesarb bet365ganhar grande destaque na mídia brasileira, Rafaela teme que ninguém seja preso ou punido pelo assassinatob bet365seu filho. Porque ela diz que João não é o primeiro filho perdido para a violência policial, tampouco será o último.

Racismo e preconceito

"Olha, eu nunca conversei com João a respeito do racismo. Nunca parei para pensar a respeito até mesmo porque eu nunca imaginei estar vivendo o que eu estou vivendo hoje. Mas eu acho que foi preconceito, sim. Porque os policiais acham que toda pessoa que mora na favela é bandido. Nem todo mundo que mora na favela é bandido. E geralmente esses assassinatos acontecem sim com pessoas negras", diz Rafaela. "Se fosse na Zona Sul oub bet365qualquer outro lugar, eles não entrariam atirando".

O governador (afastado) do Riob bet365Janeiro, Wilson Witzel, declarou publicamente à época que João era inocente e que seu assassinato seria totalmente investigado. Mas, 8 meses depois, ninguém foi preso.

O casob bet365João Pedro gerou comoção nacional tão grande que motivou uma decisão sem precedentes do Supremo Tribunal Federal. Todas as batidas policiais foram suspensas temporariamente, durante a pandemia.

A análise dos dados do Fórum Brasileirob bet365Segurança pública aponta que, antes que as operações policiais parassem,b bet365média 150 pessoas eram mortas por mês.

Rafaela Coutinho Matos, mãeb bet365João Pedro
Legenda da foto, O filho da professora Rafaela Coutinho Matos, João Pedro, foi morto pela polícia aos 14 anos

Masb bet365junhob bet3652020, depois que as operações policiais foram suspensas, 34 pessoas foram mortas, 80% menos do queb bet365junhob bet3652019. O que indica que, ao impedir as operações, centenasb bet365vidas foram salvas.

Questionado pela BBC se as batidas policiais seriam reiniciadas após o fim da quarentena, a segurança do Riob bet365Janeiro respondeu apenas que "todas as operações são realizadas com base na inteligência e seguem rígidos requisitos legais, sempre priorizando a preservação da vida".

Para o coronel da reserva Robson Rodrigues da Silva, essa queda no númerob bet365mortos não foi inesperada. "Ao interromper esse ciclo vicioso, algo que esperávamos aconteceu; uma redução drástica tanto nas mortesb bet365policiais quanto nas mortesb bet365policiais. Isso mostra que a escolha da guerra como estratégia para enfrentar o inimigo, diga-seb bet365passagem , está tudo errado e precisamos rever nossa estratégia ".

Mas, como Robson aponta, as operações policiais nos moldes das que são adotadas no Rio ameaçam não só civis, mas a própria polícia. Policiais negros, que são maisb bet36560% dos policiais assassinados no Brasilb bet3652019, são mais vulneráveis ​​à violência letal do que seus colegas brancos.

"O mesmo problemab bet365garantir a mobilidade social enfrentado pelos negrosb bet365nosso país também existe dentro da polícia. Porque apesarb bet365ter muitos policiais negros, eles estãob bet365níveis mais baixos na hierarquia", diz Robson.

Como coordenador na áreab bet365análiseb bet365dados do Fórum Brasileirob bet365Segurança Pública, David Marques rejeita a teseb bet365que o racismo dentro da força policial é simplesmente um produto do racismo na sociedade brasileira.

"Para que a força policial participe da luta contra a violenta desigualdade racial, é necessário construir um debate mais amplo sobre o impacto do racismo na segurança pública e que essa discussão motive os policiais a mudarem seu cotidiano na rua.

Policiais durante operaçãob bet365favela do Riob bet365Janeiro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Policiais durante operaçãob bet365favela do Riob bet365Janeiro

"Além disso, é necessário aprofundar a discussão sobre a vitimização policial. Mais policiais morreram forab bet365serviço e suicídio do que no trabalho. Isso significa abordar a questão das condiçõesb bet365trabalho da polícia é fundamental."

Examinando o númerob bet365policiais mortos nos primeiros seis mesesb bet3652020, a pesquisab bet365Marques constatou que dos 103 policiais mortos, 70% deles estavamb bet365folga, oub bet365bicos como segurança como formab bet365aumentar a renda, insuficiente.

Justiça?

Para as mãesb bet365Igor Rochas Ramos , Guilherme Guedes e João Pedro Matos Pinto, o desafio das famílias agora é lugar para que a justiça seja feita. Mas mesmob bet365casos com mais pressão da opinião pública, como o João Pedro, Daniel Lozoya, defensor público do Núcleob bet365Defesa dos Direitos Humanos que defende a famíliab bet365João, diz que há dúvidas sobre se os culpados serão julgados e presos.

"O padrão que essas investigações costumam tomar é que só confirmam as teses da polícia. Eles seguem apenas as versões dos eventos do policial, às vezes se arrastando por anos até serem eventualmente arquivados. "

No Brasil, segundo dadosb bet3652019, 7b bet365cada 10 homicídios terminam sem punição aos culpados.

Por que nem todos viram símbolo?

"Com tantos casos registrados (em 2019 e 2020), infelizmente algo que nunca deveríamos considerar normal, está acontecendo todos os dias. Na sociedade, isso gera uma insensibilidade, uma anestesia na forma como as pessoas se relacionam com esses casos, apenas os mais extremos acabam gerando atenção", afirma Lozoya, da Defensoria Pública do Rio.

"De forma que só casos extremos, como a morteb bet365uma criança dentro da própria casa, dentro da escola, oub bet365pessoas que é muito difícil serem incriminadas, como idosos, trabalhadores e crianças, que acabam gerando uma comoção na sociedade", diz o defensor da famíliab bet365João Pedro.

Bruno registra o momentob bet365que moradores lidam com uma operação policial que deixou 12 mortos

Crédito, Bruno Itan

Legenda da foto, Bruno registra o momentob bet365que moradores lidam com os mortosb bet365uma operação policial que deixou 12 vítimas

David Marques, do Fórum, diz que a expansão das redes sociais tem aumentado a visibilidade dos casosb bet365violência policial e racismo no país mas, apesar da adesão virtual mais expressiva e do debate mais constante sobre o tema, o movimento negro e movimentos sociais contra o racismo ainda enfrentam muita resistência por parte da sociedade.

Para Marques, o fatob bet365muitas pessoas não acreditarem, por exemplo, que haja racismo no Brasil, dificulta bastante o processob bet365uma adesão mais ampla a causas como a violência policial contra negros.

"Isso dificulta bastante o processo. A saída que os movimentos têm encontrado para debater esse tema ainda têm encontrado bastante resistência. O problema continua sendo reverter essa indignaçãob bet365mudançasb bet365política pública", diz.

Rafaela, mãeb bet365João Pedro, diz que antes da perda do filho nunca teve medo da polícia.

Diz que João era estudioso, alegre e tinha o sonhob bet365ser advogado, sonho compartilhado pelo pai, o comerciante Neilton Matos, que não teve a oportunidadeb bet365completar os estudos. Recentemente, a família havia conseguidoo matricular João na escola particularb bet365que Rafaela dá aulas, e ele estava muito feliz.

"Todos os nosso sonhos eram focados no João. Hoje, não sabemos como vamos seguirb bet365frente", diz Rafaela. "Às vezes as pessoas olham para mim e dizem 'ah, mas você tem Rebeca'", referindo-se à filha caçula,b bet3654 anos. "Mas um filho não substitui o outro".

"Não contamos a ela o que aconteceu, só falamos que o irmãozinho dela agora está no céu. Mas há um tempo, quando brincava com o primo da mesma idade, o primo perguntou "Onde está o teu irmão João?" e ela disse: "Você não sabe? Eles mataram meu irmão".

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