As consequênciascurto, médio e longo prazo da queda recorde do PIB brasileiro:
Exploramos, a seguir, cinco delas.
Os serviços e a demanda doméstica
Pelo lado da oferta, na abertura por setores, aquele que mais sentiu o efeito da crise causada pela pandemia no segundo trimestre foram os serviços.
Entre abril e junho, eles recuaram 9,7%relação ao trimestre imediatamente anterior e 11,2% sobre o mesmo período2019, a maior queda da série histórica do PIB, que começa1996.
Como os serviços são um grupo bastante heterogêneo, respondendo por quase 70% do PIB, é preciso olhar o dado no detalhe para entender o que aconteceu.
Entre os 7 subgrupos que compõem os serviços no PIB, o pior desempenho foi o"outros serviços", com recuo19,8% sobre o trimestre imediatamente anterior.
"Aí entram serviços prestados às famílias — restaurante, recreação, turismo, que dependeminteração social —, educação e saúde privada, serviços domésticos...", exemplifica Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro, do Ibre-FGV.
"Esse é um grupo que tem peso relevante tanto dentro do PIB quanto no emprego", acrescenta a economista.
Mercadotrabalho e renda
Sem um horizonte claroquando a situação poderia se normalizar, parte dessas empresas tem demitido para tentar compensar a quedareceita e outras já fecharam as portas.
Os efeitoscurto prazo aparecem nos indicadoresdesemprego, que acabam tendo uma consequência menos visível sobre a renda: quanto mais tempo a economia levar para voltar a gerar vagas e absorver esse contingentetrabalhadores, menores tendem a ser os reajustes nos salários (já que teoricamente as empresas têm maior facilidade para contratar).
O desemprego e a restriçãorenda, porvez, jogam contra a retomada da demanda — um ciclo que, até que seja quebrado, diminui a velocidaderetomada da economia como um todo.
"Para que recuperação seja mais rápida, tem que haver perspectivademanda mais sólida", pondera Débora Freire, professora da UFMG e pesquisadora do CentroDesenvolvimento Regional (Cedeplar).
O efeito auxílio emergencial
O resultado dos serviços só não foi pior, acrescenta a economista, por causa do impacto positivo do auxílio emergencial, que ajudou a segurar o podercompra especialmente entre as classes mais pobres.
Cerca67 milhõespessoas receberam até agora o auxílioR$ 600. De abril a agosto, o governo desembolsou R$ 179 bilhões com o benefício.
Os desdobramentos dessa injeçãorecursos aparece mais nitidamente no subgrupo comércio, afirma José RonaldoCastro Souza Júnior, diretorEstudos e Políticas Macroeconômicas do InstitutoPesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
"O segmentosupermercados e farmácias ajudou a segurar o comércio", diz ele.
Um estudo recente do Ipea com dados da Pnad Contínua apontou que,julho, 4,4 milhõesdomicílios sobreviveram apenas com a renda do auxílio emergencial e que o montante desembolsado pelo governo mais do que compensou as perdas na massa salarial decorrentes da diminuição da renda do trabalho.
O Brasil foi um dos países emergentes que mais gastouproporção do PIB para atenuar o choque causado pela pandemia, ressalta Matos, do Ibre-FGV.
Para ela, a política compensatória forte é a principal explicação para o fatoque a retração da economia no Brasil foi muito menor do queoutros países da América Latina. O PIB do México caiu o dobro, cerca17% no segundo trimestre; do Chile, 13%; do Peru, 27%.
"A pergunta que não quer calar é o que vai acontecer quando começarem a retirar os estímulos", diz a economista.
Ela compara o país a um pacientetratamento: no momento, ele está estabilizado, mas o antibiótico — a capacidadeo governo continuar injetando recursos na economia — está acabando.
Uma vez que esses estímulos sejam retirados, será possível ter uma ideia melhor do que está acontecendo no mercadotrabalho, ela acrescenta.
Investimentos e a capacidadecrescimento do país
Se, do lado da demanda, o auxílio emergencial ajudou a conter a queda do consumo das famílias, não houve amortecedor para a retração dos investimentos.
A Formação BrutaCapital Fixo (a denominação dos investimentos no PIB) despencou 15,4% sobre o trimestre imediatamente anterior e 15,2% sobre o mesmo período2019.
Uma das razões para o desempenho é o ambientegrande incerteza, não apenas política.
"Essa foi uma crise muito diferente das outras, veiorepente, pegou o mundo inteirovelocidade grande, afetou oferta e demanda", diz Souza Júnior, do Ipea.
"Ainda estamos tentando entender como as coisas vão ficar. Nem temos solução para a pandemia ainda. É um marincerteza muito grande", acrescenta.
Investimentos são comprasmáquinas e equipamentos, construção civil. São recursos que, dependendo da forma como forem empregados, poder aumentar a capacidadecrescimentoum país no longo prazo — o PIB potencial, no jargão econômico.
A situação atual é preocupante porque os investimentos já vinhamuma trajetória bastante desconfortável. Depoiscaírem quase 30% entre 2014 e 2017, se recuperavamuma velocidade muito aquém do esperado, até voltarem a cair por causa da pandemia.
Apesar do cenáriojuros baixos, que favorecem o investimento, faltam ao Brasil outros ingredientes cruciais para as empresas retirarem projetos da gaveta, como a previsibilidade e uma demanda sólida por parte dos consumidores.
"A gente já começou essa crise com muito desemprego e uma limitação para gerar renda do trabalho", pondera Silvia Matos.
Redução da rentabilidade das empresas
Além da incerteza, a própria situação financeira das empresas também joga contra os investimentos.
"A principal questão da recuperação está nas empresas", diz a professora da UFMG Débora Freire.
Além das restrições impostas pela crise, a economista destaca que parte do setor privado está tendo dificuldade para acessar os programascrédito lançados pelo governo.
"Eles não estão funcionando como deveriam", completa.
Em outra frente, a conjuntura atual tem ajudado a espremer a rentabilidade das empresas, especialmente daquelas que,alguma forma, são afetadas pelo dólar.
A forte desvalorização do real nos últimos meses encareceu os insumos importados — mas, diante da demanda fraca, muitas empresas não estão repassando esse aumentocustos para os preços para tentar manter as vendas.
Essa dinâmica é visível quando se observam os índicesinflação, diz Souza Júnior, do Ipea. Aqueles que medem a variaçãopreços para os produtores têm crescido bem mais do que os que captam a variaçãopreços para consumidores.
Pode-se observar essa dinâmica no ÍndicePreços ao Produtor Amplo e no ÍndicePreços ao Consumidor, que compõem o IGP-M:
A dificuldadeacesso a crédito e as margenslucro apertadas têm impacto direto na saúde financeira das empresas, o que pode se refletirum aumento das falências.
Como consequência, há aumento do desemprego ou, no caso das empresas que conseguem sobreviver, desaceleraçãonovas contratações.
No caso dos investimentos, o Brasil também tem uma limitação pelo lado do setor público. A capacidade do governogastar é limitada diante do aumento expressivo do endividamento público nos últimos meses.
Em julho, a dívida pública atingiu o equivalente a 86,5% do PIB, o maior nível da série histórica do Banco Central, que começa2006. A estimativa da equipe econômica é que, até o fim do ano, ela atinja 100% do PIB.
Um caminho seria explorar investimento externo, especialmenteum momento atual,que os juros estão baixosboa parte dos países e o mundo está banhadoliquidez.
Nesse sentido, entretanto, o Brasil tem perdido oportunidades, diz Matos, do Ibre-FGV.
O excessoalinhamento com os Estados Unidos, por exemplo, concentra energias que poderiam estar direcionadas também a outros mercados, como a China.
A questão ambiental, acrescenta a economista, também é uma restrição. O Brasil teria um "espaço enorme"um mundo que discute green bond (títulos para captaçãorecursos para financiar projetos na áreasustentabilidade) ou o mercadocréditoscarbono, mas dá preferência a uma agenda "com os óculos50 anos atrás", que desconsidera o meio ambiente.
"O Brasil é um país quegeral perde oportunidades, e está perdendo a oportunidadeatrair investimentos neste momento."
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