Os gastos bilionários que Bolsonaro propõe para a Defesa e que levarão a cortesoutras áreas2021:
Já a proposta para a Saúde prevê gastosR$ 135 bilhões para 2021, uma pequena elevação1,7%relação ao que o governo propôs no ano passado para o orçamento2020 (R$132,8 bilhões), mas uma redução drástica ante o orçamento atual da pasta para este ano (R$ 173,4 bilhões), que foi substanciamente elevado pelos gastos emergenciais para conter a pandemiacoronavírus.
Outras pastas preteridasrelação às Forças Armadas foram Meio Ambiente (queda4,7% para R$ 2,1 bilhões), Agricultura (redução1,7% para R$ 14,4 bilhões) e Desenvolvimento Regional (menos 6% para R$ 8,9 bilhões).
A pastaCiência e Tecnologia, porvez, teve um redução grande dapropostaorçamento (queda25%, para R$ 5,2 bilhões), mas parte da redução se deve ao seu desmembramento para recriação do Ministério das Comunicações (orçamentoR$ 2,7 bilhões), órgão que recebeu também recursos que eram da Presidência da República (redução63% para R$ 1,6 bilhão).
A proposta do governo, no entanto, pode ser alterada pelo Congresso, onde há resistênciaautorizar que a Defesa seja beneficiadarelação a outras áreas. Devido à pandemia, o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino chegou a ironizar a perspectivamais recursos para as Forças Armadas emconta no twitter.
"Inícioum sonho: as pessoas vão valorizar mais ciência, saúde e educação. A realidade da pandemia: Ciência, Saúde e Educação vão perder $. Defesa vai aumentar. Pelo visto não é vacina que resolve, são tanques", postou19agosto.
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FinalTwitter post
A situação se explica pela força dos militares no atual governo — egressos das Forças Armadas ocupam hoje quase metade dos 23 cargos ministeriais, com destaque para o chefe da Casa Civil, general Braga Netto.
"Em princípio, cabe a cada ministro buscar recursos para suas áreas. Mas, dentro do governo Bolsonaro, temos uma certa anomalia,que os militares têm uma força maior, inclusive com influência sobre pastas importantes, como Saúde e Educação", ressalta o estudioso das Forças Armadas Augusto Teixeira, professor do DepartamentoRelações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Gasto elevado com pessoal dificulta investimentos
A BBC News Brasil entrevistou autoridades da Defesa e acadêmicos para entender melhor o Orçamento das Forças Armadas e os argumentos contra e a favor do aumento proposto.
O Ministério da Defesa sustenta que a alta4,7% é modesta e essencial para manterdia o pagamentocontratos dos projetos estratégicos, que significariam prejuízo maior à frente se não fossem honrados. São investimentos programadosgovernos anteriores, previstos, por exemplo, na Estratégia NacionalDefesa2008 (governo Lula), como a compra36 caças Gripen da sueca Saab para substituir os modelos F-5 adquiridos dos Estados Unidos1975.
Esses projetos — que incluem também veículos blindados, submarinos e aperfeiçoamento da vigilância das fronteiras (Sisfron) com usoradares, sistemascomunicação e veículos aéreos não tripulados — já consumiram R$ 47,3 bilhões nos últimos 20 anos e ainda devem exigir mais R$ 83,9 bilhões nas próximas duas décadas.
"Os projetos estratégicos não foram invenção do governo atual. São projetosEstado. Hoje, o que estamos tentando é manter o cronograma que vem sendo atrasados sucessivamente por faltarecursos para evitar que tudo que foi construído ao longo desses governos seja perdido", argumenta o porta-voz do Ministério da Defesa, almirante Carlos Chagas.
"E outro dado é que os principais aviões, blindados e navios das Forças Armadas estão visivelmente envelhecidos. O KC-390 (novo cargueiro desenvolvidoparceria com a Embraer) vem para substituir o C-130, aviões com mais60 anos. Estão voando aos trancos e barrancos, um gasto enorme para manter", reforça o militar.
No entanto, apenas uma parcela dos R$ 5 bilhões propostosaumento do orçamento da Defesa vão para esses gastos. A previsão do governo é que as despesas discricionárias (não obrigatórias, que incluem os investimentos) subamR$ 1,6 bilhão para R$ R$ 11,7 bilhões. O restante do aumento (R$ 3,4 bilhões) está comprometido pela expansão das despesas obrigatórias (principalmente salários, aposentadorias e pensões).
Estudiosos das Forças Armadas reconhecem que a Defesa brasileira precisa ser modernizada, mas criticam, porém, o fatoquase 80% do Orçamento militar no Brasil ser destinado a gastospessoal (salários, aposentadoria, entre outros).
Um levantamento do professor Juliano Cortinhas, do InstitutoRelações Internacionais da UniversidadeBrasília (UnB), mostra que, enquanto o gasto com pessoal das Forças Armadas brasileiras tem se mantidotorno76% do seu orçamento desde 1999, no caso da França esse percentual tem caído quase continuamente, chegando a 46%2016.
Ele compara também o tamanho do efetivo dos dois países. No caso da Marinha, por exemplo, enquanto o Brasil tem 85 mil militares, a França tem 35 mil. Játermosnavios (fragatas e contratorpedeiros) e submarinos, a frota francesa é o dobro da brasileira.
"Os militares argumentam que nosso efetivo precisa ser grande porque o território e litoral do Brasil são muito maiores. Mas do que adianta com poucos navios? Vamos proteger a costa a nado?", questiona Cortinhas.
Professor cobra 'cotasacrifício' dos militares
Os gastos com pessoal do Ministério da Defesa seguirão crescendo2021, sob o impacto da reestruturação da carreira proposta pelo governo Bolsonaro e aprovada pelo Congresso no ano passado, que elevou salários como formacompensar a reforma da previdência militar. Essa reestruturação prevê também redução do efetivo militar (hoje360 mil)10% ao longouma década.
Para Júlio César Rodriguez, professorRelações Internacionais da Universidade FederalSanta Maria (UFSM), a Defesa deveria ter feito uma opção entre a reestruturação da carreira e os investimentos estratégicos. Embora seja crítico do Tetogastos, ele diz que, estando a regravigor, todos os ministérios deveriam darcotasacrifício.
"Você tem que demonstrar para a sociedade que fez uma escolha interna. E não que outros ministérios devem cortarnome do Ministério da Defesa", opina.
"Os gastos (planejados pele Defesa) nem são tão vultosos, mas, por outro lado, quando você coloca que vai tirar daqui para colocar ali, aí a justificativa social e política (para os gastos militares) se limita muito", acrescenta.
Em resposta às críticas, o Ministério da Defesa disse que a remuneração dos militares está longe do topooutras carreiras federais, como aservidores dos Poderes Legislativo e Judiciário. A pasta também afirmou que o contingente militar estáacordo com as grandes dimensões do território brasileiro e disse que, diferentemente da Marinha francesa, a brasileira acumula mais funções, sendo MarinhaGuerra, guarda costeira, responsável pelo mapeamento hidrográfico, alématuar na Amazônia.
"Nós estamos muito, muito longeter uma Força Armada mínima para a dimensão do Brasil. Você pode ver a dificuldadefiscalizar a costa inteira. Nós tivemos por exemplo o problema do navio que soltou óleo (principalmente no litoral do Nordeste, há um ano). Se não tiver patrulha, acaba tendo um monteirregularidades", argumenta também o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro da SecretariaGoverno.
"Tem que ter satélites monitorando as embarcações, tem que ter equipamento, tem que ter gente bem qualificada para usar os equipamentos", exemplifica ele.
Sem guerras, investimentos para 'dissuasão'
O Brasil não se envolveconflitos externos desde a Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando cerca25 mil brasileiros foram enviados à Itália para combater o nazifascismo. Apesar disso, militares e acadêmicos ouvidos pela reportagem dizem que os investimentosDefesa são necessários como instrumento"dissuasão", ou seja, para desencorajar possíveis ameaças externas.
As Forças Armadas têm a missãodefender o vasto território brasileiros (cerca8,5 milhõeskm²), com destaque para os mais17 mil kmfronteira com dez países, a floresta Amazônica e a chamada Amazônia Azul, área oceânica com 5,7 milhõeskm² ricapetróleo e por onde passam 95% do nosso comércio internacional.
Nesse sentido, um investimento considerado importante é o desenvolvimentoum submarino nuclear, sonho acalentado desde os anos 70. Entre as vantagensrelação a um convencional está a capacidadeficar períodos muito mais longos submersos, ser mais silencioso e atingir profundidade e velocidade maiores.
O governo Lula assinou acordo com a Françatransferênciatecnologia2009. No entanto, a construção do submarinopropulsão nuclear só deve começar2023, com entrega prevista para dez anos depois. Os investimentos também incluíram o desenvolvimentotecnologia própriaenriquecimentourânio eestaleiro e base navalItaguaí, no RioJaneiro.
"A principal explicação para essa demora foram os sucessivos cortes orçamentários. Então, temos que renegociar, prorrogar contratos. Em algumas paradas (do investimento), a gente chega a perder mãoobra especializada, porque não consegue pagar o engenheiro e ele vai trabalharoutro lugar", afirma o almirante Carlos Chagas.
O projeto Prosub prevê também a construçãooutros quatro submarinos convencionais, sendo que o primeiro será incorporado à frota da Marinha2021. Hoje, a Defesa brasileira conta com cinco modelos antigos, mas apenas dois estãocondiçõesuso.
Investimentos geram empregos, argumentam militares
Além da obrigaçãocumprirmissão constitucionalproteção externa, as Forças Armadas também justificam seus investimentos como formadesenvolver a base industrialDefesa do país, gerando empregos, exportações e desenvolvimento tecnológico.
O cargueiro KC-390, por exemplo, é uma aeronavetransporte desenvolvidauma parceria da Força Aérea Brasileira (FAB) com a Embraer firmada2014 para compra28 unidades. Após atrasotrês anos, três foram entregues a partir2019 e têm sido usadas no combate a queimadas na Amazônia e no transportemateriaissaúde para enfrentamento da pandemia. Portugal já fechou a compracinco unidades, o que os militares comemoram como um possível portaentrada para o mercado da Otan (aliança militarpaíses europeus e da América do Norte).
Já o projeto Astros 2020, do Exército, prevê a modernização do sistemalançamentomísseis e foguetes do Brasil — tecnologia que o Brasil nunca chegou a usar, mas considerada importante para dissuasãoataques. Parceira do Exército nesse projeto, a Avibras, empresa privada sediadaSão José dos Campos (SP), exporta sistemaartilharia há décadas para paísesÁsia, Oriente Médio e África.
Comprablindados é questionada
Projetos como o submarino nuclear, os caças e o Astros 2020 foram considerados importantes pelos acadêmicos ouvidos pela BBC News Brasil. No entanto, houve críticas ao Projeto Guarani, veículo blindado que está substituindo os antigos Urutu e Cascavel — 440 já foram entregues pela Iveco, empresa italiana com fábricaMinas Gerais. A Defesa já investiu R$ 1,9 bilhão dos R$ 20,8 bilhões previstos até 2040.
"É um programa enorme e não vejo o benefício desses blindados para uma guerra do futuro. O Brasil não será invadido. Os Estados Unidos gastaram nas guerras do Afeganistão e no Iraque US$ 6 trilhões e se meteramuma crise enorme. O Brasil é muito maior que esses dois países", avalia Cortinhas.
O Ministério Defesa, porvez, diz que os blindados são usadosOperaçõesGarantia da Lei e da Ordem (GLO) e já permitiram, por exemplo, fazer a ocupaçãoáreas dominadas pelo tráficodrogas no RioJaneiro sem necessidadeintensa trocatiros, reduzindo os riscos às comunidades. O uso das Forças Armadas nesse tipooperação, porém, é muito criticada por especialistassegurança pública que não consideram os militares preparados para essa finalidade. Mesmo dentro do Exército há resistências às GLOs
"GLO faz parte das atribuições constitucionais (das Forças Armadas), independentese gostar, tem sido empregado constantemente e não há indicações que vá deixarser empregado", responde o almirante Chagas.
"O Guarani é um projeto muito importante. Atende às funçõesdefesa do território, principalmente no sul do país, onde há grandes campos onde os blindados são fundamentais para permitir um deslocamento rápido", disse ainda.
Para o professor da UnB, porém, o crescente uso dos militaresfunções civis, como segurança pública, combate a queimadas na Amazônia, ou ocupando milharescargos na administração federal no atual governo, representam um risco à democracia.
"Esse aumentofunções gera dois problemas: os militares acabam ganhando um peso político maior do que deviam e, por outro lado, ficam menos preparados para atuar na defesa externa", crítica Cortinhas.
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