Com decretoBolsonaro, mais2 bilhõesmunições podem ser compradas por brasileiros que já têm armas:

Fotografiamunições

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Novas regras liberam aquisiçãoaté 5.000 munições por arma e por ano

Dessa forma, os novos limites permitem que pelo menos 2,1 bilhõesprojéteis sejam comprados por quem já tem autorização para ter armas. Sob as regras anteriores, a quantidade máximamunições autorizada seria193 milhões - menos10% do total liberado pela nova norma.

Como a quantidadearmamentos no Brasil deve crescer por causa da recente flexibilização na posse e no porte também assinada por Bolsonaro, a quantidadebalas que podem ser adquiridas tende a aumentar ainda mais.

Além disso, o novo decreto permite a compramunições mais potentes, como a9 milímetros - que antes era proibida.

O presidente Bolsonaro argumentou que o decreto tem mais a ver com a "liberdade individual" do cidadão ter acesso às armas do que com projetossegurança pública.

"Esse nosso decreto não é um projetosegurança pública. É, no nosso entendimento, algo até mais importante que isso. É um direito individual daquele que porventura queira ter uma armafogo ou buscar a posseuma armafogo, seja um direito dele, obviamente respeitando e cumprindo alguns requisitos", afirmou Bolsonaro, durante assinatura da primeira versão do decreto,7maio.

"Por exemplo, nós tínhamos direito a 50 cartuchos por ano. Então, passaram para 1.000", completou o presidente. "Nós fomos no limite da lei. Nós não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu oportunidade para nós, nós fomos lá no limite."

O decreto está sob questionamentoduas frentes: pode acabar sendo suspenso total ou parcialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ou ser derrubado pelo Congresso Nacional, que também tem instrumentos legais para fazê-lo.

Bolsonaro assinou novo decreto para flexibilizar regras sobre armas nesta terça

Crédito, WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL

Legenda da foto, Bolsonaro assinou decreto que flexibilizava regras sobre armas no dia 7maio, mas três semanas depois recuoualguns pontos

Mais munições nas mãoscivis

É provável que muitas das pessoas que têm armas não utilizem todo o limitecompramunição. Mas caso uma pessoa adquira esse volume, poderá dar,média, 14 tiros por dia no períodoum ano.

Como o limite é por arma, se essa mesma pessoa tiver quatro armas - o número máximo permitido no decreto, exceto no casocaçadores, atiradores e colecionadores - pode comprar 20 mil projéteis e atirar 55 vezes por dia durante todo o ano.

O texto do decreto não deixa claro se munições usadas dentroclubestiros também seriam consideradas nesses limites. Ou seja, quando uma pessoa com portearma vai praticarum clubetiro, a quantidademunições que utilizar será descontada do total a que tem direitoum ano?

De qualquer forma, o volumemunições liberado é muito superior ao usado nos treinamentospoliciais militaresSão Paulo, por exemplo. Durante toda a formação, que leva um ano e meio, um recrutasoldado atira 350 vezes,média. Já no curso anualreciclagem, um PM efetua 50 disparos.

O total2,1 bilhões é, também, muito superior às comprasmunições pelas forçassegurança pública brasileiras. Entre 2004 e 2018, a maior compraprojéteis pelas Forças Armadas foi19 milhõesunidades, realizada pela Marinha, segundo dados obtidos pela BBC News Brasil por meio da LeiAcesso à Informação. Em segundo vem uma compra9,6 milhõesbalas feita pelo Exército.

"O aumento do limite para 5.000 unidades é muito acimaqualquer critério razoável. O teto era 50 unidades e,forma abrupta, o governo o aumentou100 vezes. Quando você extrapola esse limite para todas as pessoas que já têm arma, daria para atirartoda a população brasileira", diz Bruno Langeani, diretor e pesquisador do Instituto Sou da Paz.

De fato, o limite5.000 munições para cada uma das 350 mil armas já registradas para defesa pessoal é suficiente para atirar oito vezescada um dos 208 milhõesbrasileiros.

Já Bene Barbosa, presidente da ONG Viva Brasil e ativista pelo direito ao acesso a armasfogo, diz que o limite anterior,50 unidade por ano, "era completamente irrisório".

"Esse novo limite atende àquelas pessoas que desejam treinar comarma. Levandoconta o custo da munição, que seria algotornoR$ 10 por cartucho, a pessoa gastaria R$ 50 mil para comprar o limite5.000 unidades. Provavelmente isso não vai acontecer com ninguém. Na prática, essa quantidade vendida será bem menor", afirma Barbosa.

Alguns países, como Estados Unidos e Canadá, não estabelecem limites para compramunição. Então, na prática, é possível comprar até mais do que as 5.000 balas autorizadas pelo novo decreto brasileiro.

Mas, segundo Robert Muggah, diretorpesquisa do Instituto Igarapé, "muito mais países têm regras que limitam o númeromunições que podem ser compradas por civis". No Chile, por exemplo, são liberadas 500 munições por armadefesa pessoal; no México e na África do Sul, 200.

Revólver com tambor aberto

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O decreto pode acabar sendo derrubado por questões jurídicas

Tráfico e contrabandomunição

Para além dos números, o aumento da ofertamunições esbarraoutros problemas crônicos na áreasegurança pública no Brasil, como o tráfico e o contrabandomunição. Para especialistas consultados pela BBC News Brasil, com as novas regras, criminosos poderão ter acesso mais fácil às balas.

"O aumento dos limitescompra é uma ótima notícia para o crime organizado", diz Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas e membro do Fórum BrasileiroSegurança Pública. "Há dois pontos problemáticos: a facção criminosa poderia roubar ou furtar quem tem muita munição ou, ainda, contratar pessoas sem antecedentes criminais para comprar munição legal e abastecer seu arsenal. A chancevocê rastrear esses desvios é muito pequena."

Na sexta-feira (24/05), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal, encaminhou uma nota técnica ao Congresso Nacional na qual critica as novas regras sobre munições: "Em realidade, o regulamento cria as condições para a vendalarga escala e sem controlemunições e armas, o que certamente facilitará o acesso a elas por organizações criminosas e milícias e o aumento da violência no Brasil".

Bene Barbosa, por outro lado, não acredita que o crime organizado possa se aproveitar dos novos limites para aumentar seus estoques: "O desviofunção acontece com qualquer coisa e tem que ser combatido e punido. Agora, imaginar que o mercado ilegal está mais abastecido é bobagem. Hoje, os criminosos já têm acesso a quantidade gigantescamunições que entram no país via contrabando".

Hoje, todo cidadão com mais25 anos, sem antecedentes criminais, com residência fixa e ocupação lícita, bem como com aptidão técnica e psicológica pode ter uma armafogo. O novo decreto também permitiu que mais categorias profissionais pudessem solicitar o porte (andar armado), como advogados, agentes públicos e moradoresáreas rurais.

No caso das munições, o decretoBolsonaro também estabelece que o próprio dono da arma deve comunicar ao Exército ou à Polícia Federal a quantidadebalas compradaaté 3 dias depois da data da aquisição. Porém, o texto não cita se haverá fiscalização nem punição caso esses dados não sejam informados.

Em 2005, uma portaria do Exército criou uma plataforma eletrônica na qual lojasmunição deveriam informar ao governo quem comprou projéteis e o númerounidades adquiridas - o sistema é chamadoSicovem. Não está claro se o novo decreto vai sobrepor essa regra do Exército ou se ela continua valendo.

Duas mulheres abraçadasluto,meio a policiais, na periferiaBelém, após assassinato10 pessoas a tirosum bar

Crédito, Claudio Pinheiro/AFP

Legenda da foto, Mais10 pessoas foram mortas a tirosum barBelém,19maio; especialistas dizem que volume maiormunições pode dificultar futuras investigações

Marcação das munições

Para especialistassegurança, o aumento exponencialmunições disponíveis também pode prejudicar as investigaçõescrimes, principalmente homicídios, que já têm taxasresolução muito baixas no Brasil. Isso porque projéteis vendidos para civis não são numeradoslotes, como é obrigatóriocasoarmamentos comprados por forçassegurança.

Quando se marca uma munição, é possível descobrir, por exemplo, quem a comprou e para onde ela foi enviada. Saber o endereço final do equipamento adquirido pelo Estado ajudou a esclarecer o assassinato da juíza Patrícia Acioli, morta por policiais militares2011, no RioJaneiro. Os projéteis usados no crime haviam sido enviados para um batalhãopoliciais que estavam sendo julgados por ela.

Um relatório do escritório da ONU para Paz, Desarmamento e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, divulgado recentemente, recomendou que toda a munição brasileira "seja devidamente marcada e gravada", mesmo aquela vendida a civis. Porém, apenas 23%toda a munição vendida no Brasil é marcadalotes atualmente.

Por outro lado, a indústria armamentista argumenta que não tem tecnologia suficiente para marcar todas as munições fabricadas no Brasil e que fazer isso aumentaria muito os custosprodução.

"Para investigação há um grande prejuízo, porque, com mais munição na sociedade, ficará mais difícil rastrear aquelas usadas nos crimes e saber quem a adquiriu e como ela chegou às mãos dos criminosos. A marcação permitiria saber quem está vendendo munição", diz Langeani, do Sou da Paz.

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