Governo inicia megaexpedição para se aproximarbetano c9míndios isolados no Amazonas:betano c9m
'Quadrilhas profissionais'
A equipe - composta por servidores da Funai, colaboradores locais, um médico, uma enfermeira, um técnicobetano c9menfermagem e cercabetano c9m20 índios da região - partiu da cidadebetano c9mTabatinga (AM) rumo à base da Funai no rio Ituí, dentro da terra indígena.
No domingo, o grupo deixou a base para uma viagembetano c9mdois diasbetano c9mbarco até o rio Coari. Eles devem passar alguns dias acampados antesbetano c9mse deslocar por outros dois dias até as proximidades da aldeia isolada, entre o fim desta semana e o início da próxima.
A Polícia Federal, o Exército e a Polícia Militar do Amazonas farão bloqueiosbetano c9mrios da região durante a expedição. Segundo Pereira, a ação policial busca barrar e investigar "quadrilhas profissionaisbetano c9minfratores ambientais que pescam tartaruga e pirarucu" dentro da terra indígena e promoveram quatro ataques com armasbetano c9mfogo à base da Funai nos últimos 14 meses.
O Exército mobilizou helicópteros para evacuar a equipebetano c9mcasobetano c9memergências.
betano c9m Que povos são considerados isolados?
Requisitada pelos índios matis, a expedição divide especialistas e outros indígenas do Vale do Javari - críticos dizem que a missão pode agravar os conflitos na área, alémbetano c9mviolar o direito à autodeterminaçãobetano c9mum grupo que decidiu viverbetano c9misolamento.
O governo considera isolados os grupos sem relações permanentes com a sociedade nacional ou com outros povos indígenas. A Funai estima que o grupo isolado korubo tenha entre 30 e 40 integrantes.
A etnia se fragmentou nas últimas décadasbetano c9mmeio a rusgas internas e conflitos com comunidades vizinhas. Em 1996 e entre 2014 e 2015, dois grupos korubo foram contatados e se afastaram da comunidade que permanece isolada.
O grupo contatadobetano c9m2014 e 2015 também vinha reivindicando à Funai um reencontro com os parentes isolados. "Eles argumentam que, se não puderem ir para lá, vão se vingar dos matis, vai ter uma nova guerra e vai morrer todo mundo lá dentro", diz Bruno Pereira.
Seis korubo contatados integram a missão e serão os primeiros a se aproximar dos isolados. Segundo Pereira, ele farão uma varredura na aldeia à procurabetano c9mbordunas, porretes usados como armas pelos indígenas.
Ele diz que, mesmo que os isolados recebam bem os primeiros visitantes, os outros membros da expedição só entrarão na aldeia se os anfitriões concordarem.
Caso contrário, a equipe montará um acampamento a algumas dezenasbetano c9mquilômetros da aldeia. Segundo Pereira, eles poderão passar vários meses no local, comunicando-se com o grupo isolado por intermédio dos visitantes e monitorandobetano c9msaúde.
Para Antenor Vaz, ex-servidor da Funai que já chefiou a Frentebetano c9mProteção Etnoambiental do órgão no Vale do Javari, a operação é arriscada. Ele diz que índios korubo contatadosbetano c9m1996 já tentaram visitar o mesmo grupo isoladobetano c9m2009, mas foram rechaçados.
"Dois índios contatados foram cercados e quase morreram. Levaram bordunadas na cabeça e se salvaram por sorte", ele afirma à BBC News Brasil.
Maior concentraçãobetano c9mpovos isolados no mundo
Duas vezes maior que o Estado do Riobetano c9mJaneiro, a Terra Indígena Vale do Javari tem, segundo a Funai, a maior concentraçãobetano c9mpovos isolados do mundo, com 16 dos 107 registrosbetano c9mgrupos não contatados na Amazônia brasileira.
No mesmo território vivem comunidadesbetano c9moito etnias contatadas, que somam cercabetano c9m4,5 mil integrantes.
Desde 1987, após várias décadasbetano c9mencontros que resultarambetano c9mgraves conflitos e epidemias entre índios isolados, a Funai mudoubetano c9mpolítica e passou a evitar contatá-los. Pelas diretrizes atuais, o órgão só pode ir ao encontro desses grupos se eles correrem graves riscos ou se a iniciativa partir dos próprios índios.
Para Bruno Pereira, a vulnerabilidade dos korubo justifica a missão: "Ou a gente intervém, permitindo que eles tenham a integridade física respeitada e mantida, ou ficamos jogando com a sorte, e isso pode ocasionar um novo confrontobetano c9mdimensão até maior."
Em 2014, segundo um relatório da Funai, o grupo isolado korubo perdeu entre oito e 15 membros, mortos pelos matis numa emboscada com armasbetano c9mfogo. Para pesquisadores que estudam a região, o númerobetano c9mvítimas pode ser maior.
O ataque buscava vingar a mortebetano c9mdois índios matis, atacados a pauladas por seis korubo que haviam se aproximadobetano c9muma aldeia rival naquele mesmo ano.
A Justiça pode punir indígenas por crimes, desde que os infratores tenham consciência do delito. Cabe à polícia estadual coibir e investigar crimes entre indígenas, enquanto a Polícia Federal é responsável por proteger os territóriosbetano c9magressões externas.
Questionada pela BBC News Brasil, a Secretariabetano c9mSegurança do Amazonas não respondeu se as mortes foram investigadas.
A animosidade entre os grupos cresceu a partirbetano c9m2010, quando os matis tentaram reocupar áreas onde viveram no passado e que são vizinhas ao território korubo, na região dos rios Branco e Coari.
Os korubo organizavam expedições para saquear comida, panelas e ferramentas dos matis, que passaram cobrar a Funai a contatar o grupo e solucionar o conflito. Entre 2014 e 2015, os próprios matis fizeram contato com 21 índios korubo, que se afastaram da aldeia isolada e passaram a viver junto do grupo korubo contatado anteriormente,betano c9m1996.
Críticas à Funai
Numa conferência da Sociedade para a Antropologia das Terras Baixas da América do Sul (Salsa, na siglabetano c9minglês), no Peru,betano c9m2017, o líder matis Make Turu disse que a Funai demorou a intervir na região.
"A Funai não agiu como ela deveria ter agido para evitar esse conflito. Ao contrário, a Funai agiu ofendendo os matis, provocando mais mal ainda, mais divisão, mais raiva."
Segundo Turu, apesar da matança recente, os povos matis e korubo não são inimigos. "O paibetano c9mminha mãe é korubo. Então eu sou korubo. Nós somos misturados."
Os dois grupos falam línguas parecidas, da família Pano Setentrional. Procurado pela BBC News Brasil, Turu não quis dar entrevista sobre o conflito.
A expedição divide indígenas do Vale do Javari. Em maiobetano c9m2018, a Funai se reuniu com lideranças locais e avisou que faria uma operação para se aproximar dos korubo isolados.
Coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), Paulo Marubo afirmou na ocasião que o contato teria efeitos imprevisíveis. "Os povos precisam se unir, mas a gente não sabe o que pensam os isolados. Eles ainda têm aquela dor pela mortebetano c9mseus parentes", disse Marubo, segundo a ata do encontro.
Procurado pela BBC News Brasil, Marubo também não quis dar entrevista sobre o tema.
O ex-servidor da Funai Antenor Vaz, consultor internacionalbetano c9mpolíticas para povos isolados, faz outras críticas à expedição. Segundo ele, o direito dos povos indígenas à autodeterminação, previsto na Constituição e referendado por acordos internacionais firmados pelo Brasil, postula que cabe aos grupos isolados decidir pelo contato.
Ele afirma que a Funai poderia adotar outras iniciativas para mediar o conflito no Vale do Javari, trabalhando junto aos grupos vizinhos da comunidade e coibindo invasões no território.
"Há vários exemplos na Funaibetano c9msituaçõesbetano c9mque os contatos pareciam irreversíveis, havia ameaças muito grandes a alguns povos isolados, mas decidiu-se por eliminar as ameaças para que a autodeterminação fosse respeitada", ele afirma.
Para Vaz, porém, "a debilidade (da Funai) hoje é tamanha que, diante das pressões, o caminho mais fácil é fazer o contato".
O ex-servidor diz que, alémbetano c9mdesrespeitar um grupo que optou pelo isolamento, a decisão pelo contato pode impactar os modosbetano c9mvida e a saúde dos indígenasbetano c9mmodo irreversível.
"O perigo é estabelecer padrões antigos: fornecer tudo num primeiro momento, sedentarizar o grupo e, depois, os recursos financeiros e humanos sumirem." Ele afirma que os korubo já contatados vivem graves problemasbetano c9msaúde por causa das mudanças nos hábitosbetano c9mvida.
Cuidados com a saúde
Bruno Pereira, da Funai, lista as ações planejadas para evitar que a aproximação resultebetano c9mconflitos ou doenças. Antesbetano c9mse deslocar para a área dos isolados, a equipe passará uma semana sendo monitorada pelos agentesbetano c9msaúde.
Chefe da Divisãobetano c9mProgramas e Projetosbetano c9mSaúde Indígena da Sesai (Secretaria Especialbetano c9mSaúde Indígena), Roberta Cerri diz que a maior preocupação é impedir que alguém gripado tenha contato com os isolados. "As doenças respiratórias são nossa prioridade, porque eles não têm memória imunológica dos nossos vírus mais corriqueiros", afirma Cerri.
Se os isolados adoecerem após o contato, poderão ser tratados pela equipebetano c9msaúde ou, nos casos mais graves, transportados por um helicóptero da Sesai até o hospital do Exércitobetano c9mTabatinga. A equipe tentará convencer o grupo a se deixar vacinar e a fazer o teste para malária, doença endêmica na região.
"Tomaremos injeções e tiraremos sangue antes para eles verem que não é feitiçaria", diz Bruno Pereira.
A preocupação com a saúde do grupo se baseia no trágico históricobetano c9mcontatos com índios isolados no passado - dos quais foram vítimas os próprios matis, que agora pedem a intervenção junto aos korubo.
Os matis foram contatados pelo governo brasileirobetano c9m1976, para que a Petrobras pudesse prospectar petróleo na região. A estatal abandonou as atividades após três trabalhadores serem mortos a bordunadas pelos korubo,betano c9m1984.
Comunidade dizimada
No artigo "Isolados e ilhados: indigenismo e conflitos no Vale do Javari", publicadobetano c9m2017 pelo periódico Estudos Ibero-Americanos, os pesquisadores Felipe Milanez e Barbara Arisi citam uma carta na qual os matis descrevem os efeitos do contato.
Uma epidemiabetano c9mgripe se espalhou rapidamente pelo grupo, matando dois terços dos membros da etnia. Em 1986, um servidor da Funai calculou que os matis não passavambetano c9m50 membros.
A população vem se recuperando desde então -betano c9m2014, a Sesai contou 457 integrantes da etnia.
Coautor do artigo e professorbetano c9mHumanidades da Universidade Federal da Bahia, Felipe Milanez diz que a incursão no território korubo não se compara com as grandes expediçõesbetano c9mcontato com índios isolados do passado.
Segundo ele, desta vez, o processo tem sido protagonizado por indígenas que já se relacionam com a comunidade isolada, e não por órgãos do Estado interessadosbetano c9mabrir territórios para a exploração econômica.
Milanez diz que o próprio conceitobetano c9mcontato não se aplica à expediçãobetano c9mcurso. "Falarbetano c9mcontato é um mito colonial e não faz sentido algum no Vale do Javari, onde um grupo não está isolado do outro."
Para ele, as negociações entre indígenas e órgãos do Estado para organizar a expedição representam o maior avanço na política para povos isolados do Brasil das últimas décadas.
"A ideia é construir outra relação entre os matis e os korubo. Forçar o isolamento ali já provocou muitas mortes", avalia Milanez.
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