'Basta ter oportunidade': indígena brasileira se junta a Mandela e Malala com principal prêmioprimeira aposta grátisdireitos humanos da ONU:primeira aposta grátis
"Sempre fui minoria por onde passei", diz a advogadaprimeira aposta grátisentrevista à BBC News Brasil. "Isso que me impulsionou a provar que somos capazes, que o indígena não é inferior e que basta ter uma oportunidade, que ele agarra."
Em pouco maisprimeira aposta grátisuma horaprimeira aposta grátisconversa, ela se lembra que na escolaprimeira aposta grátisBoa Vista (RR), onde era a única indígena, era chamada pejorativamenteprimeira aposta grátis"caboclinha". Quando passouprimeira aposta grátisquinto lugar no vestibular para o cursoprimeira aposta grátisDireitoprimeira aposta grátisuma universidade federal, foi questionada se entenderia o que diriam os professores.
"Quando fiz a inscrição do vestibular, me lembro que as pessoas olhavam com caraprimeira aposta grátis'você está na fila errada'", diz.
"Minha identidade está na minha cara, eu não tenho mistura. É essa cara da Amazônia que nós temos", diz.
Agora, "a cara da Amazônia" se junta a uma trupeprimeira aposta grátispremiados que inclui alguns dos nomes mais celebrados da História, como Martin Luther King, Nelson Mandela e Malala Yousafzai.
Criadoprimeira aposta grátis1968, o prêmioprimeira aposta grátisDireitos Humanos da ONU é visto como uma espécieprimeira aposta grátisNobel da Paz concedido pelas Nações Unidas - já que boa parteprimeira aposta grátisseus vencedores também recebeu, posteriormente, a honraria mais importante do planeta.
"Vejo isso como responsabilidade, não vaidade", diz a vencedora.
Bolsonaro e 'aculturação'
Ao mesmo tempoprimeira aposta grátisque Joênia apertava as mãos do Secretário Geral da ONU, António Guterres, da presidente da Assembleia-Geral, María Fernanda Espinosa, e da ex-presidente chilena e Alta Comissáriaprimeira aposta grátisDireitos Humanos, Michelle Bachelet, o futuro governo brasileiro discutia a "incorporação dos índios à sociedade" por meio da revisãoprimeira aposta grátisdemarcaçõesprimeira aposta grátisterras indígenas como a Raposa Serra do Sol - justamente onde Joênia nasceu.
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) costuma justificar a ideia dizendo que "índios precisam se integrar à sociedade".
"Por que no Brasil o índio tem que ficar recluso naprimeira aposta grátisterra como se fosse alguém da idade da pedra? Isso não pode continuar acontecendo", disse o presidente eleito pelo Facebook, na terça, enquanto a brasileira circulava pelos corredores da sede da ONUprimeira aposta grátisNova York.
"Eu cresci entre dois mundos: o urbano e o da comunidade indígena", diz a advogada à BBC News Brasil. Mas se engana quem achar que ela concorda com a ideiaprimeira aposta grátisintegração.
"Eu posso muito bem ser o que você é sem deixarprimeira aposta grátisser eu."
E ela explica: "A terra indígena é uma casa, uma moradia para estes povos. Mas nós não estamos presos. A não ser que ele queira isso. Dali podemos entrar e sair quando quisermos, somos cidadãos brasileiros detentoresprimeira aposta grátisdireitos e a Constituição nos garante o poderprimeira aposta grátisir e vir."
Para a advogada, não faz sentido a ideiaprimeira aposta grátisdesvincular o direito à terra pelos indígenas da cidadania, da buscaprimeira aposta grátisespaços ouprimeira aposta grátisnovos conhecimentos.
"A demarcação não é um favor. Não depende da opiniãoprimeira aposta grátisgovernos. É um dever estatal, determinado pela Constituição como obrigação do Estado brasileiro, e não se liga ao fatoprimeira aposta grátisum indígena ter um curso, viajar para fora, usar a tecnologia".
A reportagem lembra que é comum que pessoas reajam negativamente a imagensprimeira aposta grátisindígenas com celulares ou roupasprimeira aposta grátisgrifeprimeira aposta grátisáreas demarcadas -primeira aposta grátiscontraposição aos habitantesprimeira aposta grátistribos isoladas ou aos índios nus encontrados por Pedro Álvares Cabralprimeira aposta grátis1500.
"Eu poderia estar exigindo que os brancos usassem aquelas perucas, aquelas calçonas (da épocaprimeira aposta grátisCabral). A cultura não é estagnada para ninguém. É dinâmica e o povo brasileiro sabe disso", diz. "Existem avanços, ganha-se cidadania, e não é por isso que se perde a cultura. A cultura são as crenças, o modoprimeira aposta grátisviver,primeira aposta grátispensar, são as raízes, a língua. E tem indígenas que não falam mais a própria língua, mas não é por isso que deixamprimeira aposta grátisser indígenas", diz.
Para Joênia, "ou se é indígena, ou não se é".
"O fatoprimeira aposta grátisum indígena ir a uma universidade, pintar o cabeloprimeira aposta grátislouro, usar um laptop, falar inglês, morar nos EUA, não vai tirar aprimeira aposta grátisidentidade, não. E isso vale para ele: se eu colocar o Bolsonaro na comunidade (indígena), ele pode viver lá 30 anos, mas não vai virar indígena."
Em entrevista ao jornal O Globo, nesta terça-feira, o ex-ministro do STF Ayres Britto mostrou concordar.
"Depois que o Estado paga uma dívida histórica, civilizatória, ele não pode mais estornar o pagamento e voltar a ser devedor (...) A lógica da Constituição não foi substituir a cultura dos índios pela dos brancos. Foi somá-las."
'Observar as pessoas'
Convidada para palestras ao redor do mundo, Joênia é hoje referência internacional no "direitoprimeira aposta grátisconsulta prévia" - criada pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ela determina a necessidadeprimeira aposta grátisconsultas as comunidades indígenas e quilombolas para uso, gestão e conservação dos seus territórios e foi ratificada pelo Brasil e outros 19 paísesprimeira aposta grátis1989.
A rotina como advogada - e agora deputada federal eleita com 8.491 votos pela Rede - é bem distinta da infância pobreprimeira aposta grátisRoraima.
"Minha mãe achava que precisava colocar os filhos na escola, o que eu acho correto. Não tinha escola na comunidade na época, então, nos mudamos para Boa Vista e passei parte da infância lá", lembra.
"Já viu indígenaprimeira aposta grátisclasse média? Agora talvez tenha, mas para a minha família sempre foi difícil. Minha mãeprimeira aposta grátisBoa Vista vendia frutas, farinha, gomaprimeira aposta grátistapioca, trabalhava na casa das pessoas. Nossa família sempre foi humilde, nunca teve bens. Meu pai nunca ligou para isso. Eramos ricosprimeira aposta grátisconhecimento, mas economicamente, não."
Caçula entre 8 irmãos, ela conta que teve o primeiro trabalho formal aos 14 anos, "fazendo cadastrosprimeira aposta grátisuma igreja".
"Eu era a única indígena numa escolaprimeira aposta grátisnão-indígenas e era muito ruim ser diferente dos outros. Eram filhosprimeira aposta grátisfazendeiros,primeira aposta grátispessoas que vinhamprimeira aposta grátisforaprimeira aposta grátisRoraima. As crianças geralmente reproduzem o que os pais falam e,primeira aposta grátisBoa Vista, eles têm o costumeprimeira aposta grátischamar índioprimeira aposta grátiscaboclo. Falavam: 'ah, aquela caboclinha'. Para nós, é uma ofensa. Como 'indiozinho', 'indiazinha'. Isso menospreza nossa origem. Eu talvez não percebesse naquela época, mas hoje vejo pelo meu sobrinho, pelas pessoas que vi crescendo e sofrendo."
Joênia diz não guardar mágoas.
"Aprendi muito cedo a observar as pessoas. O Wapichana é muito paciente. Fala manso, presta atenção antesprimeira aposta grátisfalar, observa. É algo cultural. Você pensa que ele não está entendendo nada, ele está quietinho, ele adquire conhecimento assim. Minha aprendizagem foi rápida porque eu ouvia. E desde pequenininhos, aprendemos a respeitar os mais velhos. Enquanto todo mundo fazia bagunça, eu ouvia."
Raposa-Serra do Sol
Principal temaprimeira aposta grátisdiscussão sobre indígenas na atual equipeprimeira aposta grátistransição do governo Bolsonaro, a demarcação da terra Raposa-Serra do Sol foi o primeiro trabalho a trazer visibilidade internacional a Joênia - que desde que se formou usa o nomeprimeira aposta grátisseu povo como sobrenome.
Com mil quilômetros quadrados e maisprimeira aposta grátis20 mil indígenas, a região é uma das maiores demarcações do país e alvoprimeira aposta grátisdisputas desde pelo menos o início do século passado. Em 1996, a terra foi demarcada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Nove anos depois, foi homologada por Luiz Inácio Lula da Silva.
Os conflitos na região continuaram, especialmente por disputas entre os moradores e fazendeirosprimeira aposta grátisarroz (ou "arrozeiros") que se instalaram na região nos anos 1970. Como advogada, Joênia há atuava há maisprimeira aposta grátis10 anos na defesa dos interesses dos indígenas que lutavam pela saída dos fazendeiros.
Em 2008, a tensão na região se agravou e o governo chegou a enviar soldados da Forca Nacional para a retirada dos arrozeiros, que resistiram. Sem solução, o caso acabou chegando ao STF.
No ano seguinte,primeira aposta grátisuma sessão histórica, o tribunal determinou que as terras pertenciam à União após a participaçãoprimeira aposta grátisJoênia, que pela primeira vez levou o idioma Wapichana à corte mais importante do paísprimeira aposta grátisuma sustentação oralprimeira aposta grátisdefesaprimeira aposta grátisseu povo.
"Eu me especializei na demarcaçãoprimeira aposta grátisterras e não simplesmente apareci lá no Supremo. Foi consequênciaprimeira aposta grátisum longo trabalho", ressalta.
"Foi um caso emblemático porque o Supremo teve a oportunidadeprimeira aposta grátisanalisar detalhadamente por 11 ministros e se posicionar. O STF decidiu que o processoprimeira aposta grátisRaposa-Serra do Sol, que era uma área demarcadaprimeira aposta grátisforma contínua, quer dizer, sem brecha para cidades ou moradores não-índios, seria o modelo constitucional para a demarcaçãoprimeira aposta grátisterras indígenas no Brasil."
Segundo Joênia, a corte confirmou o que a Constituição já diz desde 1988.
"Que somos povos originários, que temos direito a demarcações que considerem o meio ambiente, o lado espiritual e tradicional, que estamos criando as terras indígenas não só para agora, mas para as futuras gerações. Analisaram o laudo antropológico para verificar se direitosprimeira aposta grátispessoas ou terceiros eram lesados e concluíram que não, que nada ali era fraudulento", diz.
Ela comenta as críticas dos que apontam que as demarcaçõesprimeira aposta grátisáreasprimeira aposta grátisfronteira poderiam colocarprimeira aposta grátisrisco a soberania nacional.
"Até mesmo essa questão que sempre falam da Amazônia, que os índios estão internacionalizando, vendendo para os americanos, o Supremo respondeu. Não, a terra indígena é da própria União, é uma terra pública que tem uma posse diferente, uma posse exclusiva. Mas nem por isso o índigena pode dispor da terra, ou a União aliená-la. Aquela terra éprimeira aposta grátisuso coletivo."
Ainda segundo a decisão, a presença dos indígenas nas terras não permite pesquisa e lavraprimeira aposta grátisminérios. As Forças Armadas, porprimeira aposta grátisvez, têm o direitoprimeira aposta grátisentrar nas terras sem consultar os índios ou a Funaiprimeira aposta grátiscasoprimeira aposta grátisriscos ou ameaças.
Deputada federal
Após a vitóriaprimeira aposta grátisBrasília, Joênia aceitou um convite da Universidade do Arizona para o mestradoprimeira aposta grátisDireito.
"Eu sempre tive vontadeprimeira aposta grátisme aperfeiçoar nos direitos internacionais para defender melhor. Fui aprender inglês do zero. Passei um ano e pouco só estudando inglês até passar nos exames."
Hoje, mestreprimeira aposta grátisdireito e vencedora do prêmioprimeira aposta grátisdireitos humanos da ONU, ela se prepara para mais uma estreia.
"Estou mudando agora da Joênia advogada para a parlamentar. Vai ser um trabalho novo para mim."
Ela conta que nunca havia se envolvido com partidos até as eleições.
"Diferente da política dos brancos, que se autoindicam, eu fui indicada por uma assembleia indígena para participar da política. Eles votaram para me indicar", diz.
A estreiaprimeira aposta grátisuma mulher indígenaprimeira aposta grátismaisprimeira aposta grátisum séculoprimeira aposta grátisParlamento no Brasil acontecerá junto à posseprimeira aposta grátisuma das legislaturas mais conservadoras da história brasileira. Como lidar com a pressãoprimeira aposta grátisruralistas e defensores do fim dos direitos exclusivos concedidos pela Constituição a povos tradicionais?
"As comunidades indígenas não significam um empecilho ao desenvolvimento. O planejamento econômicoprimeira aposta grátisum Estado tem que ser feito a partir da realidade das demarcaçõesprimeira aposta grátisterras, e não simplesmenteprimeira aposta grátisuma espera ou boicoteprimeira aposta grátisprocedimentosprimeira aposta grátisdemarcação para se pensar a economia", avalia a nova deputadaprimeira aposta grátisRoraima - cujo território é formadoprimeira aposta grátis46,7% por terras indígenas.
"Se não se faz até agora, entendo como faltaprimeira aposta grátiscapacidade."
Dentroprimeira aposta grátismais um espaço dominado por brancos, ela pretende contar mais com a sociedade do que com políticos.
"Se por um lado há meia dúziaprimeira aposta grátisruralistas, por outro há uma populaçãoprimeira aposta grátisminorias que se sente representada por mim ali. É uma população que precisaprimeira aposta grátisrepresentação. A política velha é formada por pessoas que só pensamprimeira aposta grátisbenefícios individuais. Eu vou levar valores coletivos. Vou contar também com redesprimeira aposta grátisapoiadores, pessoas que compreendem a importância dos povos indígenas no mundo, e fazer com que eles se tornem cada vez mais visíveis."
"Eu te disse: sempre fui minoria por onde passei. Para mim, não vai ser estranho."
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