Autismo: o jovem com transtorno que desafiou diagnósticos e se formouna casa de apostamedicina:na casa de aposta

Enã Rezende com o diploma

Crédito, Estúdio Marães

Legenda da foto, 'Sempre soube que teriana casa de apostalutar mais que os outros para conquistar meus objetivos', diz Enã Rezende

Na manhãna casa de apostaquinta (17), quando visitamos Enã e os familiares, eles se preparavam para um jantar que aconteceria no período da noite,na casa de apostahomenagem aos formandosna casa de apostamedicina. Foi o terceiro eventona casa de apostacomemoração à conclusãona casa de apostacurso da turma. Na noite anterior, houve uma cerimônia religiosa.

"Na colaçãona casa de apostagrau dele, fiqueina casa de apostachoque, sem expressar muita emoção, porque estava me lembrandona casa de apostatudo o que vivemos desde que ele era pequeno. Mas ontem, no culto ecumênico, não aguentei e chorei bastante", revela Érica.

Enã é autista. Desde a mais tenra idade, enfrentou preconceito e sofreu bullying por contana casa de apostasuas características. Em razão das ofensas que ouviana casa de apostacolegas, ele afirma que costumava se sentir inferior. O jovem conta que a conclusão do cursona casa de apostamedicina é também uma formana casa de apostaprovar para si que é capaz.

"Eu dizia para mim: tenho que vencer na vida e mostrar que está todo mundo errado. Sempre soube que teriana casa de apostalutar mais que os outros para conquistar meus objetivos", diz o rapaz,na casa de apostafala mansa e poucos gestos.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), popularmente conhecido como autismo, é uma desordem complexa do desenvolvimento cerebral. Ele se caracteriza por dificuldades na socialização e comunicação, alémna casa de apostapadrõesna casa de apostacomportamentos considerados repetitivos, como ações semelhantesna casa de apostacurto espaçona casa de apostatempo.

Segundo estudo feito por cientistas americanos, a estimativa éna casa de apostaque, aproximadamente, uma a cada 59 crianças têm alguma característica do TEA.

A infância

Quando Enã tinha pouco maisna casa de apostaum anona casa de apostavida, os pais começaram a perceber que o garoto possuía características diferentes das demais criançasna casa de apostasua idade.

Enã Rezende na infância

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Quando entrou para a escola, Enã enfrentou preconceito e bullying por causana casa de apostasua condição

"Uma das primeiras coisas que percebemos foi a dificuldade na fala. Ele não articulava bem as palavras. Além disso, ele também tinha dificuldadesna casa de apostacompreensão e não conseguia olhar nos olhos. Em contrapartida, tudo o que eu ensinava, ele aprendia na primeira vez", relembra Érica.

Aos dois anos, Enã foi diagnosticado com psicose infantil, relacionada a dificuldades no desenvolvimento da criança e hoje mais associada à esquizofrenia. Érica cursava psicologia e considerava que o diagnóstico não se enquadrava no caso do filho.

"Desde o início, sempre soube que era uma informação errônea. A psicose poderia ser muito próxima do autismo, mas não era o caso do meu filho. Sempre imaginei que ele tivesse autismo. O diagnóstico é difícil até hoje. Duas décadas atrás era mais complicado ainda", diz.

O garoto passou a receber acompanhamento psicológico e fonoaudiológico para ter melhor desenvolvimento.

Anos mais tarde, no início da vida escolar, Enã passou a sofrer bullyingna casa de apostarazãona casa de apostasuas características.

"Mesmo com acompanhamento fonoaudiológico, eu tinha muita dificuldadena casa de apostafala. As pessoas não me entendiam direito. Além disso, eu também era desengonçado", diz o jovem.

"As pessoas riam dele. Mas acho que ele não notava isso", completa Érica.

"Eu notava, sim, mas não comentava", diz o médico,na casa de apostaseguida.

Érica relata que as pessoas costumavam perguntar sobre o motivo das dificuldadesna casa de apostafala ena casa de apostainteração do filho.

"Eu achava psicose infantil um diagnóstico muito confuso. Então falava apenas que ele era um pouco diferente", conta a psicóloga.

Na época, Enã se questionava sobre o fatona casa de apostaas pessoas o acharem diferente.

"Eu explicava a situação para ele,na casa de apostauma maneira mais simples e leve, para que ele pudesse entender", conta a mãe.

Aos sete anos, enquanto estava na fasena casa de apostaalfabetização, uma professorana casa de apostaEnã chamou a mãe dele para conversar. A mulher informou que o garoto tinha dificuldades extremas e não conseguiria ser alfabetizado.

"Então, eu mudei elena casa de apostaescola. Além disso, uma tia dele, que é uma exímia educadora, passou a ensiná-lo e logo o meu filho foi alfabetizado", conta Érica.

O sonhona casa de apostacursar medicina

Ainda na infância, Enã sofreu uma grande perda. Ele tinha sete anos quando o pai morreuna casa de apostaum acidentena casa de apostacarro.

Enã Rezende com o pai e a mãe na infância

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A morte do paina casa de apostaacidente do carro, quando Enã tinha sete anos, despertou interesse pela medicina

"Eu ficava me perguntando sobre o motivona casa de apostaisso ter acontecido com ele. Foi muito triste", relembra.

Com a perda do marido, Érica e os dois filhos, o mais novo tinha seis meses, se mudaramna casa de apostaJales (SP), onde viviam, para Rondonópolis (MT), cidade natal dela.

Desde a morte do pai, Enã costumava perguntar com frequência sobre o acidente do pai, que, durante a colisão, teve traumatismo cranioencefálico e não resistiu.

"Eu ficava questionando minha mãe sobre como tinha ficado a cabeça dele. Ela até comprou um esqueleto para me explicar. Não era uma curiosidade normal para uma criança, mas isso me interessava", comenta.

Foi justamente o interessena casa de apostasaber como o pai havia ficado após o acidente que fez com que Enã se encantasse pela medicina.

"Costumo dizer que isso foi o embrião para que eu decidisse seguir na área da saúde", frisa.

A influência do acidente do pai foi tamanha que ele planeja se especializarna casa de apostaneurocirurgia.

"Espero que eu possa salvar as vidasna casa de apostaoutros pais. A do meu pai não pôde ser salva, mas quero impedir que outras crianças fiquem sem pai", relata.

A ausência paterna, ele revela, foi uma das coisas que mais o marcaram ao longo da vida.

"Na adolescência, sempre perguntava aos meus amigos como era a experiênciana casa de apostater um pai acompanhando o seu crescimento."

Enã Rezende com uniformena casa de apostamédico

Crédito, Estúdio Marães

Legenda da foto, "Alguns médicos me disseram que não revelam que são autistas por medo do preconceito'

Com o objetivona casa de apostacursar medicina, Enã se mudouna casa de apostaRondonópolis para a capital mato-grossense, quando estava no terceiro ano do ensino médio. Em Cuiabá, morou na casana casa de apostauma tia, depois foi morar sozinho e passou a ser mais independente. Ele aprendeu a dirigir e trafegava com frequência pelas rodoviasna casa de apostaMato Grosso para visitar a família no interior do Estado.

Sobre o autismo

Só quando estava com 19 anos é que Enã foi diagnosticado com autismo. Anos antes, a irmã caçula dele, filha do segundo casamentona casa de apostaÉrica, havia sido diagnosticada com o transtornona casa de apostanível severo. A psicóloga levou o filho para uma consulta com a psiquiatra que havia atendido a caçula. A médica fez exames no jovem, que também foi diagnosticado com TEA.

Érica explica que somente o filho do meio,na casa de aposta20 anos, não é autista.

"Não sei explicar o motivona casa de apostadois dos meus filhos serem assim. Já gastei muito com exames, para tentar descobrir, mas desisti, porque não há nada conclusivo para justificar isso", comenta.

Os estudos feitos sobre autismo apontam que a genética é um importante fator para o transtorno, mas o ambiente - como alterações na gestação ou no parto - também pode influenciar. As investigações sobre o tema ainda não são conclusivas.

O autismo é divididona casa de apostatrês níveis: leve (exige apoio), moderado (precisana casa de apostaapoio substancial) e grave (exige apoio muito substancial). A classificação acontece conforme a gravidade dos sintomasna casa de apostarelação à comunicação e aos comportamentos.

O psiquiatra Caio Borba Casella explica que a diferençana casa de apostagrau do autismo é que vai definir o modo como será conduzida a vida do indivíduo.

Enã Rezende com a mãe, padrasto, irmão e a irmã que também é autista

Crédito, Estúdio Marães

Legenda da foto, A irmã caçulana casa de apostaEnã, filha do segundo casamento da mãe, também foi diagnosticada com autismo

"Os quadros mais graves costumam vir junto com deficiência intelectual, então essas pessoas vão precisarna casa de apostamuito apoio ao longo da vida e não vão ser totalmente independentes. Pessoas com quadros mais leves podem ter uma vida normal. Talvez precisemna casa de apostaajuda ao longo do desenvolvimento, como a ajudana casa de apostaum psicólogo no aprendizado ou na socialização, mas poderão viverna casa de apostamodo independente", diz.

Enã foi diagnosticado com Síndromena casa de apostaAsperger, hoje considerada autismona casa de apostagrau leve. Ele conta que ficou "feliz e triste" ao receber o diagnóstico.

"Fiquei feliz porque fui ler a respeito e realmente senti que me encaixava naquelas características. Isso me deixou aliviado, porque vi que o fatona casa de apostaeu ser assim tem um nome. Mas fiquei triste porque vi que é uma condição neurológica irreversível. Por algum tempo, tive preconceito contra mim mesmo. Mas essa fase já passou, hoje lido muito bem com isso", declara.

A irmã dele, com 12 anos, tem o transtorno no nível mais grave.

"Ela sempre precisana casa de apostaajuda. É um desafio grande pra gente, mas é maravilhoso. Minha irmã é muito querida e amorosa. O fatona casa de apostaela ser autista não muda nada."

Ao comentar sobre a irmã, Enã enfatiza que o maior problema enfrentado por autistas é o preconceito. O jovem conta que, assim como ele, a caçula também sofre com a situação.

Enã Rezende com a mãe, padrasto, irmão e a irmã que também é autista

Crédito, Estúdio Marães

Legenda da foto, 'O preconceito contra ela é ainda mais forte', diz Enã sobre a irmãna casa de aposta12 anos, que sofrena casa de apostaautismo severo

"O preconceito contra ela é ainda mais forte. O que mexe comigo é quando as pessoas olham feio quando ela faz algum gesto ou dá um grito. Eu queria que parassemna casa de apostaolhar assim para ela. Fico muito chateado com essa situação."

Em razão do preconceito que viu os dois filhos sofrerem ao longo da vida, Érica criou, no fimna casa de aposta2016, um projeto social no qual vai a escolas para dar palestrasna casa de apostaconscientização sobre o autismo.

"Passei a perceber que talvez nem tudo fosse preconceito. Poderia ser apenas faltana casa de apostainformação", diz.

Todas as sextas-feiras, a psicóloga passa o dia indo a unidadesna casa de apostaensino e outros lugares, como hospitais, para falar sobre o tema.

"Acredito que maisna casa de aposta15 mil pessoas já assistiram às minhas apresentações e passaram a entender melhor o assunto", afirma.

A universidade

No fimna casa de aposta2012, Enã foi aprovado para medicina da Universidadena casa de apostaCuiabá (Unic). Ele começou o curso no início do ano seguinte. O rapaz revela que ficou feliz com o começo do curso, porém temia que fosse encontrar grandes empecilhos.

"Uma das dificuldades do autista é na comunicação. O meu maior medo era lidar com os pacientes, porque tenho dificuldadena casa de apostaolhar nos olhos das pessoas, por conta do autismo. Eu venci esse temor quando comecei a fazer atendimentos", ressalta.

Coordenadora do cursona casa de apostamedicina da Unic, a endocrinologista Denise Dotta conta que somente ficou sabendo do transtornona casa de apostaEnã no segundo anona casa de apostaque o jovem estava na universidade.

"Quando a mãe dele nos apresentou os exames e conversou com a gente, passamos a dar uma atenção especial. Ele nunca teve problemana casa de apostaaprendizagem. A dificuldade dele era nos relacionamentos, na integração com as outras pessoas da turma."

Enã Rezende com uniformena casa de apostamédico

Crédito, Emanoele Daiane

Legenda da foto, Na universidade, Enã era tido como aluno exemplar - não reprovouna casa de apostanenhuma disciplina

"O Enã é uma pessoa extremamente inteligente, mas por conta dessa dificuldadena casa de apostainteração, acabava ficando mais isolado. Então, passamos a tomar iniciativas, junto com professores e os próprios colegas, para que ele fosse colocadona casa de apostagrupos e tudo isso o ajudou na inserção social", conta à BBC News Brasil.

Na universidade, Enã era tido como aluno exemplar. O rapaz não reprovouna casa de apostanenhuma disciplina. Ele costumava ajudar os colegas da salana casa de apostaque estudava e chegou a ser monitor no curso, para auxiliar alunosna casa de apostaoutras turmas.

O curso superior foi financiado por meio do Fundona casa de apostaFinanciamento Estudantil (FIES). O jovem deverá começar a pagar a partir do próximo ano.

Em meadosna casa de aposta2017, Enã fez uma publicação nas redes sociais na qual, pela primeira vez, falou abertamente sobre o fatona casa de apostaser autista. Ele recebeu apoiona casa de apostacolegas e conhecidos. O caso repercutiu e ele foi chamado para participarna casa de apostaprogramasna casa de apostatelevisão. Depoisna casa de apostarelatarna casa de apostahistória, conta que leu comentários ofensivos na internet.

"Algumas pessoas me disseram que nunca se consultariam com um médico autista. Isso é puro preconceito", lamenta.

Ele ressalta que tais críticas demonstram desconhecimento sobre o tema.

"Se uma pessoa não quiser ser ajudada por um médico somente por ele ser autista, ela que sairá perdendo. O autista é uma pessoa extremamente focada, que vai lutar com unhas e dentes para ajudar. Eu tenho a mesma capacidade que qualquer médico", assevera.

O futuro

Um dos momentos mais aguardados por Enã era a colaçãona casa de apostagrau. Para ele, a cerimôniana casa de apostafinalizaçãona casa de apostacurso parecia um sonho "maluco e maravilhoso".

Havaiana customizada para a formatura

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A famíliana casa de apostaEnã customizou itens, como chinelos, para homenagear o jovem nos eventosna casa de apostaformatura

"Fiquei um pouco nervoso na hora, mas depois foi um alívio. É importante lembrar que tenho uma grande responsabilidade pela frente por ser médico, sendo autista ou não."

Ele ressalta que não é o primeiro autista a se formar no Brasil. Segundo o jovem, outros profissionais que possuem o mesmo transtorno entraramna casa de apostacontato com ele após descobrir a históriana casa de apostaEnã nas redes sociais.

"Alguns médicos me disseram que não revelam que são autistas por medo do preconceito", diz.

No iníciona casa de apostafevereiro, ele vai começar a trabalharna casa de apostauma unidade do Exército,na casa de apostaRondonópolis.

Lembrancinhas da formatura

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A família não poupou esforços para comemorar a formatura do jovem no cursona casa de apostamedicina

"Todo médico recém-formado precisa se apresentar para o Exército. Quando foi a minha vez, disse que tinha interessena casa de apostaprestar serviços como médico e eles me aceitaram", comenta.

Enã passará um ano trabalhando no local. Em 2020, ele planeja iniciar a especializaçãona casa de apostaneurologia.

Ao fim da entrevista, o médico diz que tem algo importante a dizer e pede para mandar um recado para outros autistas.

"Eu sei que para alguns, as percepções podem ser difíceis. Vocês vão ter dificuldades, mas nunca incapacidades. Se vocês têm um sonho, corram atrás dele. Não desistam", diz.

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