Bolsonaro: a infância do presidente entre quilombolas, guerrilheiros e a rica famíliabwin minesRubens Paiva:bwin mines

Casabwin minesque Bolsonaro moroubwin minesEldorado

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Casabwin minesque Bolsonaro moroubwin minesEldorado Paulista,bwin minesfrente ao rio Ribeira

Dentro da igreja, durante anos, negros dos quilombosbwin minesEldorado ocuparam os últimos bancos, com medobwin minesserem expulsos da frente do altar – os mesmos quilombolas que, para Bolsonaro, "não servem nem para procriar", como dissebwin minesuma palestrabwin mines2017.

Uma das torres do santuário foi doada por Jaime Almeida Paiva, homem mais rico e "coronel" da pobre Eldorado por vinte anos. Donobwin minesuma das maiores fazendas do Vale do Ribeira, "Dr. Jaime" era pai do deputado opositor à ditadura e desaparecido político Rubens Paiva, alvobwin minesacusaçõesbwin minesBolsonaro durante toda a vida pública do hoje presidente.

Apesarbwin minesBolsonaro ter nascidobwin minesGlicério e vividobwin minesvárias partes do Estadobwin minesSão Paulo, ébwin minesEldorado que algunsbwin minesseus temas favoritos têm origem. A BBC News Brasil foi à cidadebwin mines15 mil habitantes para narrar os fatos que ajudaram a formar as ideias do novo mandatário do país.

Casa que foi construída por Jaime Paiva na fazenda Caraitá

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Casa da família Paiva era vista como "mansão" pelos habitantes da cidade

O domínio dos Paiva

Bolsonaro é um grande críticobwin minesRubens Paiva, ex-deputado federal que fez oposição ao regime militar e desapareceubwin mines1971. Paiva aparece com frequência nas falas do presidente sobre a ditadura, um dos temas recorrentesbwin minesseus discursos.

No plenário da Câmara, Bolsonaro chegou a negar que o deputado tenha morrido durante uma sessãobwin minestortura, como foi atestado pela Comissão Nacional da Verdade, e, ao longo dos anos, fez várias acusações contra ele. Uma delas é abwin minesque Rubens Paiva ajudou o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca a montar uma guerrilha no Vale do Ribeira, onde fica Eldorado. Não há provasbwin minesque essa colaboração tenha acontecido.

"Por coincidência, a famíliabwin minesRubens Paiva tinha uma fazenda na cidadebwin minesEldorado Paulista, no Vale do Ribeira, São Paulo, chamada Fazenda Caraitá. O sr. Rubens Paiva fez com que o guerrilheiro, traidor e desertor Lamarca ocupasse abwin minesfazenda e lá fizesse uma basebwin minesguerrilha", disse Bolsonarobwin minessessãobwin mines2013.

Praçabwin minesEldorado Paulista

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Eldorado Paulista, onde o presidente passou toda a adolescência, é uma pequena cidade do interiorbwin minesSP

A fazenda Caraitá sustentou a economiabwin minesEldorado por maisbwin minesvinte anos. O "doutor" Jaime Paiva, como moradores ainda chamam o empresáriobwin minesSantos que se tornou um grande fazendeiro do Vale do Ribeira, começou a comprar terras alibwin mines1941. Sua propriedade só foi vendidabwin mines1975, depoisbwin minesBolsonaro mudar-se para Resende (RJ), onde começoubwin minescarreira militar.

Enquanto o presidente morava na cidade – e por muitos anos antes disso –, Jaime Paiva era o chefebwin minesboa parte da população. Ele tinha plantaçõesbwin minesbanana e laranja, criaçõesbwin minesgado e uma serrariabwin minesmóveis, alémbwin minesser responsável pela vida social do lugar: a festa da Rainha da Laranja, a mais importante do ano, era organizada pela família.

Mais do que uma liderança informal, Paiva foi prefeito duas vezes. Na primeira,bwin mines1956 a 1959, fez a ponte sobre o rio Ribeira e uma das escolas locais. Na segunda,bwin mines1968, eleito pela Arena, partido da ditadura, ficou pouco menosbwin minesum ano.

Quadrobwin minesJaimebwin minesAlmeida Paiva

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Jaimebwin minesAlmeida Paiva ajudou a desenvolver Eldorado, mas também era chamadobwin minescoronel

"Teve uma Eldorado antes e uma depois do Paiva", diz Nilzilene Araújobwin minesOliveira,bwin mines56 anos, vice-diretora da escola Dr. Jayme Almeida Paiva, onde Bolsonaro estudou até ir para o Exército,bwin mines1973. Enquanto o presidente e Nilzene eram alunos, no entanto, o colégio chamava-se Ginásio Escolarbwin minesEldorado Paulista. A homenagem ao "doutor" veio sóbwin mines1976.

"Mas do pontobwin minesvista econômico, Eldorado desenvolveu muito com o velho Paiva", Nilzilene continua. "Embora ele fosse forte, bem firme... mas isso era necessário porque ele era capitalista."

Enquanto ela fala, a ficha do ex-colega está à mostra sobre a mesa da secretaria. O fato parece deixar o diretor da escola, Domingos Pontes Junior, incomodado. "Melhor não tirar foto, não. Não tem autorização da família", ele diz, sentado ao lado da vice. "Melhor só anotar. Sabe, são notas parciais, no segundo ano ele foi melhor", Domingos sacode a cabeça.

No primeiro ano do ensino médio, Estudos Sociais (combinaçãobwin minesgeografia e história) foi a melhor matériabwin minesBolsonaro: 8,7. Em Educação Moral e Cívica, disciplina criada durante a ditadura e que exaltava o nacionalismo, teve umbwin minesseus piores desempenhos (6,8), ao ladobwin minesQuímica (6,5).

Não há registros dos filhos ou netosbwin minesPaiva nos mesmos arquivos. Rubens Paiva tinha 12 anos quando o pai comprou as primeiras terras por ali – ele e os irmãos estudarambwin minescolégiosbwin mineselitebwin minesSão Paulo.

Escola Dr. Jaymebwin minesAlmeida Paiva

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Escola onde Bolsonaro estudou hoje leva o nome do paibwin minesRubens Paiva

"Não se tinha acesso ao Paiva, só aos empregados", Nizilene retoma o assunto. "Eram muito ricos... mas ele fazia a festa da Rainha da Laranja e todos iam."

Pouco antes, na mesma secretaria, um professorbwin minesHistória aposentado falava dos "dois lados"bwin minesPaiva.

"Foi um marco histórico – para o bem e para o mal. Como todo mundo trabalhava lá, quando a fazenda fechou, a cidade entroubwin minesdecadência. Mas ele era amado e odiado, sabe?", disse José Milton Galindo.

O tom é frequente nas declarações sobre o empresário que fez fortunabwin minesSantos, como despachante. De um lado, ele era o homem visionário que alargou as ruas da antiga áreabwin minesgarimpo – Eldorado foi batizada assimbwin minesrazão do primeiro ciclo do ouro no Brasil –, desenvolvendo o urbanismo local. De outro, era o coronel autoritário que não conversava com o povo, trazia empregados do Nordeste no paubwin minesarara e pagava os funcionários com "boró", moeda própria que só valia nos comércios da região.

Antônio Carlosbwin minesMelo Cunha ebwin minesmulher, Mara Cristina

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Colegabwin minesBolsonaro na escola, Antônio diz que a cidade via os Paiva com 'outros olhos'

"Quando tinha a festa da Laranja, se ele cismava com a pessoa, quebrava o copo na mão dela com a bengala. Andava cheiobwin minescapangasbwin minesvolta", diz Antônio Carlosbwin minesMelo Cunha,bwin mines64 anos, engenheiro agrônomo aposentado e amigobwin minesJair Bolsonaro dos temposbwin minescolégio. Foibwin minesseu avô que Paiva comprou as terras da fazenda.

Em livro sobre o casobwin minesRubens Paiva, Segredobwin minesEstado, o jornalista Jason Tércio narra que até o deputado chamava o paibwin mines"coronel" e discutia com ele sobre política. Em diálogo reconstruído por Tércio durante a Ceiabwin minesNatalbwin mines1970, na fazenda Caraitá, Jaime teria dito a Rubens: "a única política que tu deve fazer com os militares é a política da boa vizinhança".

Filho do deputado, o escritor Marcelo Rubens Paiva conta que o pai era brigado com o avô e por isso ia pouco à fazenda. Ele diz que não sabe responder aos comentários sobre Jaime, porque morava no Rio com os pais e a irmã.

"Querida, meu avô foi prefeito. Não sei se quebrou copos nas pessoas."

Nessa época, Rubens havia voltado do exílio há anos, depoisbwin minester seu mandato pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) cassado após o golpebwin mines1964, e trabalhava como engenheiro civil. No entanto, ele ainda ajudava perseguidos políticos a sair do país e mantinha contato com exilados.

Menosbwin minesum mês depois daquele Natal,bwin minesjaneirobwin mines1971, Rubens Paiva seria levado por militares para depor e não voltaria mais.

Casa construída por Jaime Paiva na fazenda Caraitá

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Rubens e Jaime Paiva teriam passado último Natal antes do desaparecimento do deputado na fazenda Caraitá

A casa da fazenda – e o resto da cidade

"Ato Contínuo, 1970. Aí, eu entro na história", disse Bolsonaro durante uma sessão da Câmarabwin minessetembrobwin mines2014.

"Eu tinha 15 anosbwin minesidade e morava na cidadebwin minesEldorado paulista. Ali – já mudoubwin minesnome – existia a Fazenda Caraitá. Proprietário: família Rubens Paiva. Rubens Paiva tinha uma chácara ali. Do cocoruto, do topo da cidadebwin minesEldorado Paulista, cidade bastante pequena, via-se a chácarabwin minesRubens Paiva, a montante do Ribeirabwin minesIguape..."

A dois quilômetros do centrobwin minesEldorado, a fazenda, que não se chama mais Caraitá nem pertence aos Paiva, ainda estábwin minespé. Hoje ela ébwin minesum produtorbwin minesbananas, que usa a terra para plantação, mas não mora ali. Apesarbwin minesdescuidado, o casarãobwin minesteto europeu mantém os aresbwin mines"mansão", como era chamado pelo povo da cidade.

As paredes azuis, brancas na épocabwin minesRubens Paiva e Bolsonaro, ainda exibem as sacadas estreitas que permitiam aos hóspedes uma vista privilegiada do grande jardim e, à esquerda, dos hectaresbwin minesmexericas e bananas.

Os quartos são oito ou nove, pequenos, segundo os filhos do atual proprietário, que oferecem apenas um tour pelo terreno porque a casa está fechada. Nele, há, como havia nos anos 1960, duas piscinas – adulta e infantil –, uma casabwin mineshóspedes e outrabwin minesbonecas, uma casinhabwin minescachorrobwin minesformabwin minescastelo, e um mirante para dois lagos artificiais. Na casabwin minesbonecas,bwin minesdois andares, com sala, cozinha e quarto com varanda, mesas e cadeirasbwin minesminiatura ocupam o espaço perto da porta, como se alguém ainda brincasse por lá.

Carimbo da fazenda Caraitá

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Fazenda Caraitá tinha até o próprio dinheiro, segundo moradores

Antesbwin minesentrar pelo alto portãobwin minesferro que demarca o espaço do casarão, percorre-se uma estradabwin minesterra. Paralelas a ela, à direita e à esquerda, pequenas casasbwin minesarquitetura semelhante estão enfileiradas.

"Tinha dezenasbwin minescasas aqui", diz um dos filhos do proprietário, ao pararbwin minescaminhonetebwin minesfrente ao portão. "Eram dos funcionários do Paiva. Isso aqui era uma cidade, tinha até escola." A maior parte das construções está abandonada – poucas estão ocupadas por empregados do dono atual.

Sem muita gente por ali, o único barulho vembwin minesLala e Laica, cadelas pastor alemão que respiram ofegantes debaixo da caminhonete. "Como ficou sem vigia, o pessoal acabou roubando até os tijolos, por isso só tem essas", o jovem diz, secando o suor da testa. A temperatura beira os 40ºC.

A relaçãobwin minesEldorado com os Paiva era,bwin minesalguma forma, dividida pelo portão da fazenda. Do ladobwin minesfora, para além do bairro privado dos funcionários, a vida do povo seguia alheia aos luxos do casarão. O Vale do Ribeira era e ainda é uma das regiões mais pobres do Estadobwin minesSão Paulo, com uma renda médiabwin minesdois salários mínimos, segundo o IBGE.

Nos anos 1970, a situação era mais dramática. O emprego forabwin minesCaraitá era escasso e o dinheiro, difícil. As famílias pobres se viravam como podiam: pescavam, vendiam produtosbwin minesportabwin minesporta, cuidavambwin minesfazendas.

No caso dos Bolsonaro, o patriarca Percy Geraldo Bolsonaro trabalhava como dentista prático: fazia extrações, obturações, próteses, mesmo sem ter instrução universitária. Percy era a única opção numa comunidade sem dentistas e chegou a ser indiciadobwin minesinquérito policial por "exercício ilegalbwin minesmedicina, odontologia ou farmácia", mas foi absolvidobwin mines1973.

Boa parte das pessoas entrevistadasbwin minesEldorado teve dentes extraídos por Percy,bwin minesquem lembram com carinho. "A gente era muito humilde na época, então os dentes iam estragando e o pai mandava tirar", conta a vice-diretora Nilzilene. "Geraldo era uma pessoa maravilhosa. Quando eu tinha uns 8, 9 anos, fui tirar um dente com ele. Depois que acabou, ele disse para minha mãe: 'Agora leva a menina pra tomar um sorvete'."

Apesarbwin minestrabalhar muito, os ganhosbwin minesPercy Bolsonaro nem sempre eram suficientes para sustentar a mulher e os seis filhos. Fumando um cigarro atrás do outro no pequeno consultório, às vezes ficava até tarde da noite com o 'buticão' – um grande alicatebwin minesferro –bwin minesmãos, arrancando molares. Ao final do serviço, era compreensivo com os clientes que não podiam pagar: quem não tivesse dinheiro, que desse galinhas ou porcos.

"Eles eram muito pobrezinhos, milha filha", diz Lúcia Lima Melo,bwin mines72 anos, do portão da casa onde mora há 47 anos, ao fim da entrevista com ela e seu marido, Reinaldo. Durante anos, eles foram vizinhos dos Bolsonaro, e Reinaldo tornou-se amigobwin minesPercy.

Na conversa com a BBC News Brasil, ele contou que o dentista prático era conhecido por seu sensobwin mineshumor e educação. Era atencioso, mas também não perdia a piada. Chamava os conhecidosbwin mines"morfiosos", outro jeitobwin minesdizer "leprosos", explicou o vizinho. Reinaldo riu ao lembrar as tiradas do amigo, como quando ele repetia que "preferia ter as filhas todas prostitutas do que filhos viados".

Reinaldobwin minesMelo e Lúcia Lima Melo

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, 'Eles eram muito pobrezinhos', diz Lúcia, ex-vizinha dos Bolsonaro, sobre a família

"Quantos quartos têm ali?", a reportagem pergunta a Lúcia, ainda no portão. A antiga casa dos Bolsonaro, hoje pintadabwin minesazul claro, é a próxima, à direita.

"Acho que só dois", ela responde, olhando para o lado.

"Então era pequeno para a família", a reportagem diz.

"Eles não tinham dinheiro, não", ela abaixa a voz. "Não faltava comida, mas bens eles não tinham: carro, casa. Eram pobres mesmo. Mas que bom que graças a Deus chegaram onde chegaram, né", ela sorri por entre as barrasbwin minesferro.

Para ajudarbwin minescasa, Jair pescava e buscava maracujá no mato para vender, alémbwin minesdescarregar caminhõesbwin minesadubo e, numa brincadeira cheiabwin minesdesejo, procurava ouro nos ribeirões pela madrugada.

Vivendo no aperto, a maioria da população precisava coexistir com a riqueza dos Paiva, numa convivência descrita como amigável por alguns e distante por outros. Os últimos argumentam que a relação era boa só para os "puxa-sacos" da família, muitos deles membros da Igreja. Como Aracy, mulherbwin minesJaime, era católica fervorosa, padres e coroinhas que iam rezar missa na fazenda acabavam se aproximando do casal.

"Fui amigo dos netosbwin minesPaiva. Conheci Rubens Paiva, convivi com Marcelo e os irmãos", diz Antônio Avelinobwin minesMelo Cunha, policial aposentado e donobwin minesuma pousadabwin minesEldorado que hoje mora no litoral paulista.

"Na época, eu era coroinha e ia rezar missa na fazenda. Doutor Jaime e Dona Ceci (como Aracy era chamada) me convidavam para almoçar ou jantar com eles. Aí foi estreitando nossa amizade. Eu usava o lago para brincar, tinha um aquaplano. Ficava na piscina, tocava violão. Era uma fazenda-cidade."

Bolsonaro e seu pai no Vale do Ribeira

Crédito, Reprodução/Instagram/@jairmessiasbolsonaro

Legenda da foto, Para ajudar a família, Bolsonaro pescava e buscava maracujá no mato

Assim como Antônio, o agricultor Celso Luiz Leite,bwin mines63 anos, cuja irmã casou com um dos irmãosbwin minesBolsonaro, era coroinha. Ele se lembrabwin minesAracy abraçando-o depois das missas. Se "doutor" Jaime tinha famabwin minesdurão,bwin minesmulher era vista com benevolência.

"Quando o resto da família vinha para cá, nos finaisbwin minessemana e férias, eu ia lá ajudar nas missas, já que o padre era puxa-saco. Mas ela era muito simpática", diz Celso, sentadobwin minesseu sítio, às margens do Ribeira.

Celso dábwin minesombros ao falar que o fazendeiro "não dava muita bola para gente".

"Só para a turma com mais grana... mas, por outro lado, era ele quem dava emprego."

Apesarbwin minesnão ser um cara "ruim", como Celso repete, Jaime ebwin minesfamília não eram sempre bem vistos pelos moradores. Entrevistados descreveram que nos mesesbwin minesverão, quando filhos e netos visitavam a fazenda, era comum ver os Paiva cavalgando seus cavalosbwin minesraça pelas ruas.

Celso Luiz Leite, 63, e Maria do Carmo Ferreira Leite, 56

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Celso Leite foi coroinha quando criança e se aproximou dos Paiva ao rezar missas na fazenda Caraitá

Recostadobwin minesseu sofá, Antônio Carlos, um dos amigosbwin minesinfânciabwin minesBolsonaro, tenta encontrar uma palavra para definir a família. "Eles eram... como eu posso dizer?", ele coça a cabeça enquantobwin minesmulher o observa da porta da cozinha. "Eles eram... vistos com outros olhos! O pessoal via como gente rica, né."

Antônio falabwin minesuma vezbwin minesque visitou a fazenda para fazer companhia a uma das netasbwin minesJaime Paiva, que estava se tratandobwin minesuma leucemia. Adolescentes, ele e a mulher foram até lá com alguns amigos para conversar com ela e tocar violão.

"Nessa época, íamos por causa da doença dela, mas não tínhamos amizade com eles, não", dizbwin minesmulher, Mara Cristina, apoiada no batente da porta. "Os jovensbwin mineslá não davam muita bola para os daqui."

Por "lá" também passava Rubens Paiva que, segundo relatos dos moradores entrevistados, tinha uma chácara anexa à do pai com uma pistabwin minespouso para chegar à cidadebwin minesavião. Após a publicação desta reportagem, o filhobwin minesRubens Paiva, Marcelo Rubens Paiva, disse que a chácara não pertencia a seu pai, mas a seu tio Carlos e que a pistabwin minespouso ficava na cidade vizinhabwin minesRegistro e nãobwin minesEldorado. A BBC News Brasil foi ao cartório registrobwin minesmóveis, onde não teve acesso aos documentos sobre as terras, mas apenas foi informada que a família começou a comprar terrenos na regiãobwin mines1941 e vendeu a propriedadebwin mines1975.

João Evangelista Correa, amigobwin minesBolsonaro desde a infância

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, João Evangelista Correa diz que era convidado para jogar bola com Rubens Paiva

Um dos moradoresbwin minesEldorado mais próximos do presidente, o funcionário público aposentado João Evangelista Correa, conta do diabwin minesque entregou um bolo a Rubens a pedido da confeiteira local. Ele e um colega caminharam os dois quilômetros até a fazenda na esperançabwin minesganhar um trocado pelo serviço. Chegando lá, João diz que Rubens olhou irritado para os meninos: "o que vocês querem aqui? Falei que ia buscar na cidade". Ao responderem que a confeiteira havia prometido uma gorjeta, teriam ouvido um "não" resoluto.

"Não tinha amizade com pobres", diz João Evangelista, das cadeiras estofadas que ficam embwin minesgaragem.

Ele é um dos poucos que narra interaçõesbwin minesBolsonaro com os Paiva, já que quando adolescente Jair não era um grande frequentador das festas da Rainha da Laranja ou do clube Caraitá, fundado pela família. Seus conhecidos dizem que ele preferia pescar a ir a bailes.

João conta que, apesar da eventual irritação, Rubens convidava os meninos para jogar futebol nas terras da família. Bolsonaro teria participadobwin minesalgumas partidas.

Quando parlamentar, ao citar mais uma vez as supostas relações entre os Paiva e o guerrilheiro Carlos Lamarca, Bolsonaro disse que conheceu o ex-deputado.

"Eu sou paulista do Vale do Ribeira,bwin minesEldorado. Ali conheci Rubens Paiva, com 10 anosbwin minesidade", dissebwin minessessão da Câmarabwin minesmarçobwin mines2016.

Jair Bolsonarobwin minesdiscurso como deputado, na Câmara

Crédito, Marcelo Camargo/Ag. Brasil

Legenda da foto, Em discursobwin minesmarçobwin mines2016, Bolsonaro disse que conheceu Rubens Paiva aos dez anos

Alémbwin minesjogar bola na fazendabwin minesRubens, Bolsonaro teria sido, nas palavras do agricultor Celso Leite, "um dos maiores ladrõesbwin minesmexerica da família Paiva". Ele conta isso aos risos, explicando que os furtos, comuns entre os meninos locais, eram "só farra mesmo". Para protegerbwin minesplantação, Jaime Paiva teria colocado um vigiabwin minesplantão e um cãobwin minesguarda, que teria corrido atrásbwin minesCelso ebwin minesBolsonaro enquanto os meninos fugiambwin minesdireção ao rio.

"Íamosbwin minescanoa até um lugar que tinha uma laranja muito boa. Quando o cachorro latia, a gente pulava n'água."

Bolsonaro e os Paiva

Bolsonaro não parece ter memórias felizes dos Paiva. A biografia Mito ou Verdade: Jair Messias Bolsonaro, escrita por seu filho Flávio Bolsonaro, indica que as diferençasbwin minesclasse incomodavam o presidente.

No livro, Flávio escreve que "parte considerável do território da cidadebwin minesEldorado Paulista erabwin minesdomínio particular, uma fazenda enorme chamada Caraitá – que hoje seria um latifúndio".

Na mesma página, é mencionada a chácarabwin minesRubens Paiva, que aparece como irmão e não como filhobwin minesJaime Paiva – Rubens tinha um irmão chamado Jaime, mas este não era dono da fazenda, como dito na biografia.

Nessa chácara, escreve Flávio, "tinha piscina, algo raro à época, mas que não era socializada com a criançada da vizinhança – que ficava apenas admirando,bwin mineslonge, onde os filhos da família Paiva se refrescavam".

Bolsonaro posa com timebwin minesEldorado

Crédito, Reprodução/Instagram/@jairmessiasbolsonaro

Legenda da foto, Piscina dos Paiva 'não era socializada com a criançada da vizinhança', escreve Flávio Bolsonaro sobre juventude do pai

Mito ou Verdade ainda narra que os filhosbwin minesRubens Paiva eram da mesma faixa etáriabwin minesBolsonaro e, "não raras vezes", eram vistos comprando picolés Kibonbwin minesEldorado, "inacessíveis à garotada local, que ao ver um deles jogar o palito fora, corria na expectativabwin minesestar premiado com 'vale um picolé' marcado na madeira".

Sobre esse episódio, um dos filhosbwin minesRubens Paiva, Marcelo Rubens Paiva, diz que "não tomava sorvete" e "não tinha irmãos", mas apenas irmãs.

"Talvez ele me confunda com meus primos", ele diz. "Quando ele tinha 16 anos, eu tinha 11 e foi a última vez que fui a Eldorado."

No parágrafo seguinte do livro é citada,bwin minesnovo, a suposta ligação entre os Paiva e Lamarca que, porbwin minesafinidade com a família, teria escolhido uma área próxima à fazenda para montar a guerrilha. A afirmação foi feitabwin minesvários discursosbwin minesBolsonaro na Câmara.

"A verdade está lábwin minesEldorado Paulista!", Bolsonaro disse no plenário da Casabwin minesfevereirobwin mines2013. "Está todo mundo vivo lá. A Fazenda Caraitá estábwin minescartório. A basebwin minesrenda do Lamarca está lá na fazenda da família Paiva. É muito fácil verificar isso."

Em visita ao registrobwin minesimóveis da cidade, a BBC News Brasil confirmou que a compra e venda da fazenda estão, sim, documentadas. Mas nada indica que os Paiva tenham fornecido recursos a Lamarca. Nem os antigos amigos do presidente, João Evangelista e Antônio Carlos, dizem conhecer essa versão da história.

"Nunca ouvi falar que financiava o Lamarca, não", disse Antônio quando perguntado sobre o tema.

Rubens Paiva com a família

Crédito, Arquivo/família Paiva

Legenda da foto, Marcelo Rubens Paiva diz quebwin minesfamília não tinha ligação com Lamarca

Apesarbwin minesnão haver indíciosbwin minesajuda financeira, o guerrilheiro chegou a cruzar as terras da família durantebwin minesfuga,bwin mines1970, como escreveu Marcelo Rubens Paivabwin minestexto publicado no jornal Folhabwin minesS.Paulobwin mines1994.

"Meu tio Jaime acenou para ele, pouco antes do tiroteio com a Força Públicabwin minesEldorado (...) O tiroteio foi a metros da fazenda, ao lado da Escola Jaime Paiva. Lamarca atravessou também o sítio 0K, do meu tio Carlos, e seguiu para Sete Barras."

Depois do tiroteio, conta o escritor, a fazenda foi invadida por soldados que procuravam armas e tentavam estabelecer conexões entre os Paiva e Lamarca. Segundo ele, empregados e amigos da família chegaram a ser presos e torturados, e Carlos levou um tiro no pé acidentalbwin minesuma das barreiras para cercar Lamarca.

À BBC News Brasil, Marcelo Rubens Paiva disse que a família não tinha nenhuma relação com Lamarca e que seu pai era contra a luta armada.

"Ele não era comunista, mas do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e se elegeu deputado pelo PTB."

As teoriasbwin minesBolsonaro sobre esses dois personagens se estendem até ao desaparecimentobwin minesRubens Paiva. Ele argumenta que o ex-deputado não foi morto por agentes da repressão, mas por membros da esquerda comandada por Carlos Lamarca. Segundo Bolsonaro, o grupobwin minesLamarca teria chegado à conclusãobwin minesque ele foi denunciado por Rubens Paiva depois que este foi preso.

"Ninguém resiste à tortura (…). Então, o grupo do Lamarca suspeitou que Rubens Paiva o havia denunciado", disse Bolsonaro na Câmarabwin minesmarçobwin mines2012. "E esperaram o momento certo. Quando o Rubens Paiva foi detido pelo Exército, postobwin minesliberdade, com toda a certeza, foi capturado e justiçado pelo bando do Lamarca e pelo bando da Esquerda, da VPR. E aí a culpa recai sobre as Forças Armadas."

Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade divulgou um documento inédito do Arquivo Nacional sobre as circunstâncias da morte do ex-deputado. O coordenador da Comissão, Claudio Fonteles, afirmou "não haver dúvidas"bwin minesque Paiva fora torturado e morto nas dependências do DOI-Codi do Rio.

Bustobwin minesRubens Paiva na Câmara

Crédito, Zeca Ribeiro/Ag. Câmara

Legenda da foto, Netobwin minesRubens Paiva acusa Bolsonarobwin minester cuspidobwin minesbusto do seu avô

Às palavrasbwin minesBolsonaro somam-se ações que marcarambwin minesanimosidade contra os Paivas. Em um relato publicado no Facebookbwin minesoutubro, o netobwin minesRubens Paiva, Chico Paiva Avelino, diz que,bwin mines2014, o então parlamentar do PP cuspiu no busto que a Câmara inauguravabwin mineshomenagem a seu avô. No texto, Chico diz quebwin minesmãe e tia faziam discursos emocionados quando foram interrompidas.

"Era Jair Bolsonaro, junto com alguns amigos (talvez fossem os filhos, na época eu não sabia quem eram), que se deu ao trabalho do sairbwin minesseu gabinete e virbwin minesnossa direção, gritando que 'Rubens Paiva teve o que mereceu, comunista desgraçado, vagabundo!'. Ao passar por nós, deu uma cusparada no busto. Uma cusparada. Em uma homenagem a um colega deputado brutalmente assassinado."

A BBC News Brasil procurou o Palácio do Planalto para falar sobre o episódio, mas não teve resposta.

O gestobwin minesBolsonaro não foi noticiado na época, mas jornais reportaram como ele vaiou o discurso do então líder do PSOL na Câmara, deputado Ivan Valente (SP), durante a inauguração do busto.

Após a publicação do textobwin minesChico no Facebook, Marcelo Rubens Paiva dedicou uma coluna no jornal Estadobwin minesS. Paulo a elencar – e responder – as acusações que Bolsonaro fez a seu pai e à família nos últimos vinte anos.

"Como deputado, Jair Bolsonaro costuma proferir desde os anos 1990 na Câmara dos Deputados discursos mentirosos sobre meu pai, Rubens Paiva, um deputado federal como ele", Marcelo escreveu tambémbwin minesoutubro.

"A família Rubens Paiva, alémbwin minesconviver com a dor morte sob tortura absurda por tantas décadas, ainda tem que aturar o ódio delirantebwin minesBolsonaro (...)"

Os Paiva deixaram Eldorado nos anos 1970 e hoje os Bolsonaro são a família mais abastada da cidade. Os irmãos do presidente têm uma redebwin mineslojasbwin minesmóveis ebwin minesmaterialbwin minesconstrução presentebwin minesmaisbwin minesdez municípios do Vale do Ribeira.

A BBC News Brasil foi à lojabwin minesum sobrinhobwin minesBolsonaro, um dos poucos parentes que ainda vivembwin minesEldorado, mas disseram que ele estava viajando.

Carlos Lamarca

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Lamarca passou por Eldoradobwin mines1970 e influenciou destinobwin minesBolsonaro

O tiroteiobwin minesLamarca

Não muito acontecebwin minesEldorado. É até difícil distinguir dias úteisbwin minesferiados, já que o movimento nas ruas é parecido, as lojas abertas e vazias, a mesma dupla tocando violão no Centro, os conhecidos se cumprimentandobwin minesnovo ebwin minesnovo pelas calçadas.

Não ébwin minesse estranhar que um tiroteio na praça da cidade tenha gerado tanto rebuliçobwin mines1970 – agitação que se mantém até hoje, quando os moradores recontam o enfrentamento entre Carlos Lamarca e a polícia. Falarbwin mines8bwin minesmaiobwin mines1970 na cidade é como perguntar onde alguém estava no dia da queda das Torres Gêmeasbwin minesNova York: todo mundo tem uma história.

"Quando Lamarca passou eu tinha dez anos. Foi muito tiro! A gente era pequena, mas era atenta. Meu pai disse 'abaixa, abaixa' e foi todo mundo para debaixo da mesa", diz Nilzilenebwin minesOliveira, a vice-diretora da escola Dr. Jayme Almeida Paiva. "O pai da minha amiga foi baleado e ficou com chumbo no corpo até morrer!"

Os relatos ouvidos divergembwin minesalguns pontos, mas combinados com registros históricos sobre a passagembwin minesLamarca pelo Vale do Ribeira constroem uma narrativa sobre o que aconteceu naquela noite – e onde Bolsonaro estava ao longo da ação.

Carlos Lamarca foi um dos principais nomes da oposição armada à ditadura brasileira como um dos líderes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Ele chegou a ser capitão do Exército, mas desertou e foi expulso da corporaçãobwin mines1969, quando já estava engajado na luta contra o regime. Participoubwin minesassaltos a bancos para financiar as atividadesbwin minesseu grupo e comandou o sequestro do embaixador suíço no Brasil, Giovanni Enrico Bucher,bwin mines1970, que foi trocado por 70 presos políticos. Nesse mesmo ano, considerado inimigo número um dos militares, Lamarca foi duramente perseguido.

Rio Ribeira do Iguape

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Lamarca escolheu região do Vale do Ribeira para montar uma guerrilha nos anos 1970

A perseguição pelo Vale do Ribeira

Em abrilbwin mines1970, um militante da VPR capturado no Riobwin minesJaneiro revelou que Lamarca estava no Vale do Ribeira, próximo a Registro, formando um grupobwin minesguerrilha. Lá, contou o militante preso, o ex-capitão ensinava tática, tiro, desenhava uniformes e construía armadilhas.

O que os livros não detalham foi que, antesbwin minesse juntar a seus companheiros, Lamarca teria circulado sozinho pela região. Antônio Avelinobwin minesMelo Cunha, policial aposentado e donobwin minesuma pousadabwin minesEldorado, diz que chegou a conhecer o ex-capitão, que se apresentava como estudante universitário, assim como ele. O guerrilheiro teria se hospedado no hotel Eldorado, que ainda fica na praça central da cidade, e dito que gostariabwin minesconhecer as cavernas da região – hoje uma das principais atrações locais.

"Ele estava procurando meu avô Guilherme, que tinha sido pesquisador do Exército e descobriu algumas cavernas. Lamarca se aproximoubwin minesmim perguntando se eu conhecia alguém da família e eu respondi que era neto. Mas não sabia com quem estava falando", diz Cunha.

O ex-capitão teria pedido ao estudante que o levasse até as cavernas e, mesmo avisado que enfrentaria um diabwin minescaminhada, não hesitou.

Cunha convidou dois amigos para se juntarem a eles, alémbwin minesum mateiro que sempre andava com seu avô. Enquanto caminhavam na mata fechada, surpreendeu-se com a agilidade do novo amigo.

"Ele dizia que era universitário, mas caminhava na frente da gente e do mateiro também, cortando galho com facão", diz.

Carlos Lamarca

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Lamarca quando ainda era capitão do Exército; moradores dizem que ele passou um tempobwin minesEldorado

Lamarca teria ficado alguns dias na cidade, conta o policial aposentado, participando dos bailes e pedindo música para a bandinha local, da qual ele fazia parte. Aquele tempo serviria para que conhecesse a região a fundo antesbwin minesorganizarbwin minesguerrilha.

Mas recebida a informação sobre o paradeirobwin minesLamarca,bwin minesabrilbwin mines1970, o Exército foi rápidobwin minesenviar 1,5 mil homens ao Vale do Ribeira.

À procurabwin minesseu inimigo número 1, as tropas fecharam estradas, prenderam dezenasbwin minespessoas e varreram a serra com helicópteros, bombardeando a floresta.

Moradorbwin mines"sítio", como os habitantesbwin minesEldorado se referiam aos bairros afastados do Centro, o diretor da escola Dr. Jayme Almeida Paiva, Domingosbwin minesPontes Junior, lembra bem dos helicópteros. Foi a primeira vez que viu um.

"O Exército pousou no meio do campobwin minesfutebol, quando o pessoal estava jogando. Os policiais queriam saber se meu tio tinha ajudado Lamarca a fugir, porque ele roubou a canoa do meu tio e desceu o rio. 'Foi roubo mesmo? Foi roubo?' eles ficavam gritando."

Informado do perigo, Lamarca desativou suas basesbwin minesguerrilha próximas a cidadebwin minesJacupiranga. Oito membros foram emborabwin minesônibus, misturados à população. Outros dois foram capturados na estrada. Sobraram sete.

Praçabwin minesEldorado

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Praçabwin minesEldorado foi palcobwin minestiros entre Lamarca e policiais militaresbwin mines1970

Esses caminharam na floresta por três semanas, até que no dia 8bwin minesmaio entraram num vilarejo e alugaram o caminhãobwin minesum comerciante. O homem fechou negócio, mas enviou um cavaleiro para avisar a polícia, que montou uma pequena barreirabwin minespoliciais na praça centralbwin minesEldorado. Por volta das sete da noite, quando o caminhãobwin minesLamarca parou na cidade, um policial pediu que os sete passageiros descessem com documentosbwin minesmãos. Foi aí que os tiros começaram.

Tal versão não bate com a contada por moradores. Eles dizem que o grupobwin minesguerrilheiros roubou o caminhão, obrigando seus donos a dirigirem até Eldorado enquanto ficavam escondidos na traseira, debaixobwin minesuma lona. Quando o veículo parou no postobwin minesgasolina, os policiais teriam desconfiado da movimentação, puxado a lona e passado a atirar.

Nessa hora, Bolsonaro estariabwin minesaula na escola Dr. Jayme Almeida Paiva, que fica a 100 metros da praça. Antônio Carlosbwin minesMelo Cunha, amigo do presidente eleito, conta que estava na mesma sala quando alguém apareceu na porta para avisar que Lamarca tinha passado por Barra do Braço, a 30 kmbwin minesEldorado, e se aproximava.

"Pediram para o diretor liberar os alunos, mas não deu tempo porque pouco depois veio o tiroteio. Tivemos que ir rastejando. A polícia não tinha arma e o pessoal do Lamarca tinha armamento pesado", diz.

Antônio Carlosbwin minesMelo Cunha

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, "O pessoal do Lamarca tinha armamento pesado", diz Antônio, que tinha idadebwin minesBolsonaro na época

Como ele, Bolsonaro e outros alunos moravam próximo ao rio Ribeira, do outro lado da cidade, e precisaram atravessar a praça. Antônio diz que o grupobwin minesadolescentes viu um dos policiais feridos ser carregado, cobertobwin minessangue, atébwin minescasa. O homem foi atingido na perna e depois precisou amputá-la.

"Os soldados estavam sendo massacrados!", ele arregala os olhos. "Um grupobwin mineshomens invadiu a delegacia para pegar armamento. A gente gostava do Exército. Os outros, para nós, eram terroristas."

Moradores relatam que Lamarca gritava "não queremos nada com vocês, nosso negócio é com o Exército", tentando evitar mais tiros. Mesmo assim, dois PMs e uma mulher foram baleados. Ninguém morreu.

O 'moleque' na caça à Lamarca

Lamarca aparecebwin mines33 discursosbwin minesBolsonaro no plenário da Câmara desde 1995. Como deputado, ele repetiu que, quando adolescente, ajudou os militares a procurarem o guerrilheiro na mata.

"Eu soubwin minesEldorado Paulista. Eu participei,bwin minesforma bastante discreta, porque tinha 15 anosbwin minesidade, da caça ao Lamarca, ao lado do Ribeira", disse Bolsonarobwin minessessãobwin minesmarçobwin mines2012.

A mesma história foi citadabwin minesentrevista ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, já como candidato a Presidência. A afirmaçãobwin minesque teria ajudado na caça à Lamarca "ainda moleque" levou a revista Época a publicar uma reportagem dizendo que Bolsonaro teria misturado dois episódios para engrandecerbwin minesbiografia.

No texto, o jornalista Plínio Fraga narra o causo do chamado "moleque sabido"bwin minesItapecerica da Serra que,bwin mines1969, ao anotar a placabwin minesum Fusca, teria dado aos militares a primeira pista sobre Lamarca – "moleque" este que não seria o presidente, explica o jornalista. Fraga argumenta que na passagem do guerrilheiro pelo Vale do Ribeira, um ano depois, não haveria registro da ajudabwin minesBolsonaro.

Mata do Vale do Ribeira

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Bolsonaro diz que ajudou soldados a procurar Lamarca no Vale do Ribeira

Apesarbwin minesa BBC News Brasil não ter encontrado documentos sobre a participação do presidente, moradores que testemunharam a operaçãobwin minesbusca dizem que era comum o Exército pedir e receber dicasbwin minespessoas que conheciam os arredores, inclusive adolescentes. O contato entre militares e população foi frequente, já que soldados rondaram a região por semanas. Lamarca só conseguiu escapar do Vale do Ribeira três semanas depois do tiroteio.

Filho do escrivãobwin minespolíciabwin minesEldorado na época, Antônio Avelino conta que foi informante do Exército, narrando seus encontros com Lamarca. Segundo ele, Bolsonaro fez o mesmo.

"Jair Bolsonaro também foi informante. Ele conhecia bem o mato. Indicava para onde eles podiam ter fugido."

Mesmo com todos esses esforços, Lamarca não foi capturado ali. Depois do enfrentamentobwin minesEldorado, escapoubwin minesdireção a Sete Barras. A pouco maisbwin minesum quilômetro da cidade, seu grupo foi interceptado por uma tropa da PM. Os guerrilheiros abriram fogo, ferindo catorze policiais e rendendo outros 18.

O pelotão era comandado pelo tenente Alberto Mendes Júnior,bwin mines23 anos, que se tornou refém do grupo. Depois que doisbwin minesseus companheiros foram capturados, Lamarca decidiu que o tenente deveria morrer.

Tenente Alberto Mendes Júnior

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Tenente Alberto Mendes Júnior, morto por grupobwin minesLamarca, e citado como herói por Bolsonaro

O assassinatobwin minesMendes Júnior é usado por Bolsonaro como símbolo da violência que a esquerda teria praticado contra os militares durante a ditadura. Ele mencionou o militar ao rebater o pagamentobwin minesindenização aos familiaresbwin minesLamarca, ao criticar a criação da Comissão Nacional da Verdade e até ao defender a possibilidadebwin minesum regimebwin minesexceção no casobwin minesvitóriabwin minesDilma Rousseff nas eleiçõesbwin mines2010.

"O Tenente Alberto, heroicamente, trocou-se por outros soldados subordinados seus para seguir mata a dentro como refémbwin minesCarlos Lamarca, o grande traidor", disse Bolsonaro no plenário da Câmarabwin mines1996. "E depois, como Lamarca não precisava mais dele, porque estava livre, já longe das tropas das Forças Armadas, submeteu-o a bárbaras torturas,bwin minesque inclusive foi obrigado a engolir os seus órgãos genitais, assassinando-o a coronhas."

A versãobwin minesque, antesbwin minesser morto, Mendes teria sido obrigado a engolir seus órgãos genitais não consta nos documentos do Exército, disponíveis no Arquivo Nacional, nem nos escritos do general Carlos Alberto Brilhante Ustrabwin minesA Verdade Sufocada, livrobwin minescabeceira do presidente. Em um capítulo destinado apenas a descrever o assassinato, Ustra relata apenas que Mendes foi morto com "violentos golpes na cabeça", deferidos por Yoshitame Fujimore, outro membro da VPR, com a coronhabwin minesseu fuzil.

Post na páginabwin minesEduardo Bolsonaro

Crédito, Reprodução/Facebook

Legenda da foto, Eduardo Bolsonaro também fez post associando Lamarca à família Paiva

Soldados e meninos

Depois da trocabwin minestiros na praça, soldados continuarambwin minesEldorado para impedir que o ex-capitão reaparecesse por ali. Moradores contam que os militares acampavam na ponte que passa sobre o rio Ribeira e liga a cidade a Sete Barras, ao norte. A ponte fica no quarteirão onde os Bolsonaro moravam. Os vizinhos Reinaldo e Lúcia Melo lembram os diasbwin minesque recebiam os pracinhas da operação para o almoço ou um cafézinho.

"O sargentobwin minesGuaratinguetá vinha tomar cafébwin minescasa. Eles lanchavam, eu fritava uns bolinhosbwin mineschuva. Ficaram maisbwin minesuma semana acampados aí. As meninas iam lá conversar com eles e muitas ficaram grávidas depois. Meninos iam conversar também, tinham fascínio por esse negóciobwin minesarma", diz Lúcia na pequena sala onde cabos e sargentos pediam licença para entrar.

Os amigosbwin minesinfânciabwin minesBolsonaro relatam como as crianças e adolescentes procuravam os soldados para saber se o "terrorista" já tinha sido capturado.

"Depois do tiroteio, estávamos conversando com um pracinha quando ele enroscou a arma no cinto e ela disparou. Pegou só no sapato dele, que ficou cravado no chão", ri Antônio Carlos, o colegabwin minesturma. "A gente era a favor do militarismo, nunca tivemos problema."

Em versão bem conhecida da história – e repetida pelo próprio presidente –, um desses soldados entregou um panfleto sobre o alistamento militar para o jovem Jair.

Bolsonaro no Exército

Crédito, Reprodução/Instagram/@jairmessiasbolsonaro

Legenda da foto, Amigo diz que, depoisbwin minespassagembwin minesLamarca, Bolsonaro só falavabwin minesir para o Exército

O sonho da Presidência

João Evangelista, colegabwin minescolégio e parceirobwin minespescarias do presidente, diz que depois da fugabwin minesLamarca, Bolsonaro passou a repetir seu novo sonho: ir para o Exército. Três anos mais tarde, ele entraria na Academia Militar das Agulhas Negras.

"Depois disso daí, ele sempre falava que queria ir para o Exército. Achou bonito o trabalho deles."

Em Mito ou Verdade, Flávio Bolsonaro escreve como seu pai "conheceu e se encantou pelo Exército Brasileiro, quando sentiu tocar no seu coração a vontadebwin minesservir ao seu país".

Para um ex-prefeito da cidade, a influência da passagembwin minesLamarca na escolhabwin minesBolsonaro é reforçada pela posturabwin minessua família, que não era uma grande apoiadora da ditadura. Fernando Cláudiobwin minesFreitas, que administrou a cidade entre 1982 e 1988, era vereador pelo MDB quando Percy Geraldo Bolsonaro, paibwin minesJair, se candidatou à prefeitura pelo mesmo partido,bwin mines1976. A sigla abrigava os opositores da ditadura.

Percy tentou o cargo mais duas vezes –bwin mines1982 e 1988, dessa vez pelo PDS (Partido Democrático Social), sucessor da Arena e extintobwin mines1993 –, mas nunca foi eleito.

O paibwin minesBolsonaro foi fichado e monitorado pela ditadurabwin minesrazãobwin minessua candidatura pelo MDB. Documentos oficiais mostram que o Departamentobwin minesOrdem Política e Social (Dops), o Serviço Nacionalbwin minesInformação (SNI) e o comando da Aeronáutica monitoraram suas atividades políticas e registraram o crime pelo qual ele tinha sido acusado,bwin minesexercício ilegalbwin minesprofissão (medicina, odontologia ou farmácia).

Documento do Ministério da Justiça sobre atividades políticasbwin minesPercy Geraldo Bolsonaro

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Paibwin minesBolsonaro foi fichado pela ditadura quando se candidatou à prefeito pelo MDB,bwin mines1976

Sobre o ex-colegabwin minespartido, Freitas diz que era "um cara democrático, liberal e tranquilo".

Ele acredita que o caminho seguido por Bolsonaro foi ditado pelo episódiobwin minesLamarca e cita seus irmãos como prova: "tanto é que os outros cinco seguiram caminhos diferentes".

Só o caçula, Renato, foi militar. Depoisbwin minescandidatar-se à Prefeiturabwin minesMiracatu por duas vezes e não ser eleito, ebwin minesser exonerado do cargobwin minesassessor especial da Assembleia Legislativabwin minesSão Paulo sob o argumentobwin minesque seria funcionário-fantasma, hoje ele administra lojasbwin minesmóveis no Vale do Ribeira. Os outros irmãos também estão no comércio.

Cláudio lembra que a oposição ao governo era feita "dentro da legalidade e da normalidade". Não havia ali defensores do comunismo ou socialismo, mas pessoas contrárias a ações do regime, como o desaparecimentobwin minesinimigos políticos. A disputa entre Arena e MDB era mais parecida a uma partidabwin minesfutebol do que a um campobwin minesbatalha, ele compara.

Fernando Cláudiobwin minesFreitas

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Ex-prefeitobwin minesEldorado, que foi colegabwin minespartidobwin minesGeraldo Bolsonaro, diz que ele era "democrático e liberal"

Seja como for, Bolsonaro decidiu-se pela vida militar.

Depoisbwin minespartir para Resende, no interior do Riobwin minesJaneiro, voltava nas folgas para Eldorado. Numabwin minessuas visitas, reunido com os amigos, teria expressado o já famoso desejobwin minesser presidente do Brasil. João Evangelista estava lá quando isso aconteceu e narra o momento à BBC News Brasil.

Ele diz que depoisbwin minesjogar bola, um grupobwin minesmeninosbwin mines18 ou 19 anos, Bolsonaro entre eles, conversava sobre as novidades dos últimos meses. O jovem militar começou a falar sobre como estava subindo na hierarquia do Exército – ele havia deixadobwin minesser aspirante a oficial e passava a tenente.

Bolsonaro no Exército

Crédito, Reprodução/Instagram/@jairmessiasbolsonaro

Legenda da foto, Quando estava no Exército, Bolsonaro já dizia que queria ser presidente

"Jair, então logo logo você vai ser presidente", disse um colega.

"Mas é o meu sonho", ele respondeu. "Um dia ser presidente!"

João explica o contexto da conversa. Segundo ele, o colega dizia que, subindo rápido assim, um dia Jair poderia tornar-se general e assumir a Presidência do Brasil como Castelo Branco, Costa e Silva e Médici haviam feito. Um dia, Bolsonaro poderia tornar-se o comandante máximo do regime.

"Naquela época, era o militarismo que tomava conta do Brasil. 1970 era o Garrastazu, Garrastazu Médici", ele explica.

"Jair disse 'meu sonho é um dia ser presidente' só que naquela época era o militarismo. Porque era militar, né, general, coronel, que ia para a Presidência."

Virginia e Leonila

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Leonila Pontes (esq.) ebwin minesprima, Virginia, nasceram no quilombo do Abobral

Uma cidade, doze quilombos

Leonila tem uma casa no mesmo lugar que seu tataravô escolheu para morar. Para chegar até lá, é preciso subir uma estrada íngreme por entre a mata do Vale do Ribeira. Tão complicado é o caminho que a reportagem é desaconselhada a continuar – pedras podem se soltar, furando um pneu ou causando acidentes.

O difícil acesso não é coincidência. O tataravóbwin minesLeonila construiubwin minescasa ali justamente por isso. Afinal, escravo fugido, ele não queria ser encontrado.

A famíliabwin minesLeonila da Costa Pontes,bwin mines69 anos, faz parte do quilombo Abobral, um dos doze que existembwin minesEldorado Paulista. Como o município é o quarto do Estadobwin minesdimensão territorial, com quilômetrosbwin minesbananais entre seus bairros, todas as comunidades cabem embwin minesárea. A maioria foi reconhecida nos últimos anos, como no casobwin minesAbobral, oficializadabwin mines2015. O lugar, no entanto, não teve suas terras demarcadas.

Para a maioria dos moradores entrevistados, a forte presençabwin minesquilombolas na região foi um dos motivos para que a votaçãobwin minesBolsonaro não fosse tão expressivabwin minesEldorado. O presidente teve 54% dos votos contra 45%bwin minesFernando Haddad (PT).

"O PT é forte aqui com os quilombos, as ONGs e a igreja católica. Para mim o número foi vergonhoso, tinha que ter sido muito mais", diz a professora aposentada Mara Cristinabwin minesFreitas Cunha, mulherbwin minesAntônio Carlos, um dos velhos amigosbwin minesBolsonaro.

Apesar da torcidabwin minesMara Cristina, não havia sinaisbwin minesapoio ao presidente pela cidade. Adesivosbwin minessua campanha foram vistosbwin minestrês carros e duas janelas ao longobwin minesquatro diasbwin minesviagem. Não havia banners, faixas ou bandeiras do Brasil, usados como símbolo da candidaturabwin minesBolsonaro.

Ao perguntar a moradores por que escolheram seu conterrâneo para o cargo mais alto do país, o motivo que se destacava não era ideológico, mas econômico: "Esperamos que ele trabalhe para melhorar o Vale do Ribeira".

Do outro lado, a preferência dos quilombolas por Haddad não vem apenas da proximidade do PT com movimentos sociais, mas da indignação que uma declaraçãobwin minesBolsonaro causou.

Em abrilbwin mines2017, já pré-candidato a Presidência da República, ele dissebwin minesuma palestra no Clube Hebraica, no Riobwin minesJaneiro, que havia visitado um quilombobwin minesEldorado Paulista e seus habitantes "não faziam nada".

"O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Maisbwin minesR$ 1 bilhão por ano é gasto com eles", discursou.

O então deputado também afirmou que, se eleito, nenhum "centímetro" a mais seria destinado para reservas indígenas ou quilombolas.

Dos 12 quilombosbwin minesEldorado Paulista, apenas um, Ivaporonduva, já teve suas terras demarcadas.

Quilombo do Abobral

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Quilombolas dizem que terreno onde antes plantavam hoje estão ocupados por "terceiros"

Os outros, como Abobral, veem os terrenos onde faziam seus roçados serem ocupados por bananais e casasbwin mines"terceiros", como os quilombolas chamam os que passaram a comprar terra na região a partirbwin mines1970, diminuindo a área que os descentesbwin minesescravos usavam havia séculos. As negociações feitas desde então são pouco claras, diz Leonila, e não se sabe se os compradores têm qualquer registro que comprove a posse dos hectares.

Para ela, apesarbwin minesser um passo importante, o reconhecimento das comunidades quilombolas, possibilidade que surgiu com a Constituiçãobwin mines1988, não mudou muita coisa. Suas terras seguem encolhendo e as diferençasbwin minestratamento continuam.

No fundo da igreja

Leonila franze a testa quando a reportagem pergunta sobre as mençõesbwin minesBolsonaro a seus amigos negros, citados para rebater acusaçõesbwin minesracismo. Gotasbwin minessuor correm por debaixobwin minesseus óculos enquanto ela aperta os olhos.

"Isso pode ser lá onde ele nasceu, masbwin minesEldorado, não! Sempre foi separado. Hoje está menos, mas é porque está enrustido. Naquela época, se fosse do sítio e pobre era discriminado. Se fosse negro, pior ainda!"

O paibwin minesLeonila fazia parte da Congregação Mariana, uma associação públicabwin minesleigos católicos, e todo domingo caminhava por horas para ir a missa na cidade. Ele sempre levava os filhos, para quem recomendava: "não sentem na frente senão vão tirar vocêsbwin mineslá".

"Ele colocava a gente bem na porta da igreja, no fundinho, e sempre ficamos ali", conta.

Portarretrato dos tiosbwin minesLeonilabwin minesjogobwin minesfutebolbwin minesEldorado

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Membros da famíliabwin minesLeonilabwin minesjogobwin minesfutebolbwin minesEldorado; para ela, sempre houve segregação

No carro, ao voltar do quilombo para Eldorado, onde hoje mora com uma prima, Leonila diz que ainda não se sente bem na cidade. Elas se mudaram há alguns anos, quando um tio adoeceu e precisoubwin minestratamento no hospital local. Para explicar seu desconforto, lembrabwin minesuma procissãobwin minesque ela e outras duas mulheres negras foram escolhidas para carregar a imagem da santa. Ao deixarem a igreja, um grupo teria tirado a estátuabwin minessuas mãos.

"Só faltaram me derrubar", ela balança a cabeça.

"Privilegiados" e "acomodados" são algumas das palavras usadas por moradores para falar dos quilombolas. Esses entrevistados têm a idadebwin minesBolsonaro ou são mais velhos e, apesarbwin minesnão representarem a opinião geral, indicam que uma distância persiste.

"Depoisbwin mines1990, eles foram denominados quilombos", a professora aposentada Maria Cristina diz, quando perguntada sobre as comunidades.

E o que mudou?, a reportagem insiste.

"Eles agora têm vantagens", seu marido Antônio Carlos entra na conversa. "Têm privilégios. Depois disso aí começou a pipocar quilombo", diz, sem tirar os olhos da televisão. Um filme antigo está passando.

"As áreas que demarcaram para os quilombos é um absurdo", ele continua.

"Mas Bolsonaro falabwin minesgarantir a propriedade privada", a mulher retoma a palavra.

"Talvez essas demarcações absurdas acabem!"

Virginia e Leonila

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Virginia e Leonila tiveram dentes extraídos pelo paibwin minesBolsonaro, o dentista prático da cidade

Dinheiro emprestado e dentes arrancados

Leonila conhece os Bolsonaro. Quando Percy Geraldo chegou com a família a Eldorado, para administrar uma fazenda às margens do Ribeira, ela diz que o dentista pediu dinheiro emprestado a seu pai, então um inspetorbwin minesquarteirão. Sem conseguir pagar, Geraldo ofereceu seus serviços. Vários dentesbwin minesLeonila foram arrancados por ele.

"O pai era um homem muito humilde. Ele tinha um gabinete na cidade, bem organizadinho e bem pobrezinho. Essa aqui também tirou dente", ela diz, apontando para Virginia,bwin minesprima, que senta a seu lado no pátio da Igreja do Abobral.

"Arranquei todos os dentes com ele", Virginia ri, mostrando a dentadura.

"Ele contava que Jair tinha 17 anos e tinha ido para o Riobwin minesJaneiro", lembra Leonila.

Se, quando criança, sentada na cadeira do pequeno consultóriobwin minesEldorado, o filho do dentista era indiferente para ela, hoje Jair Bolsonaro é umabwin minessuas maiores preocupações.

Ela diz temer o que presidente possa fazer com os quilombos:bwin minesnão demarcar terras a incentivar a construçãobwin minesbarragens que poderiam deixar as comunidades debaixo d'água.

Leonila faz parte do Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira, uma centralbwin minesmovimentos sociais criadabwin mines1990. Por quase trinta anos, o grupo lutou contra projetosbwin mineshidrelétricas no rio Ribeirabwin minesIguape que, segundo seus representantes, ameaçariam comunidades quilombolas, pequenos agricultores, ribeirinhos e caiçaras.

Em 2016, o Ibama decretou a inviabilidade ambiental da usinabwin minesTijuco Alto, projeto da Companhia Brasileirabwin minesAlumínio (CBA), sepultando a obra. O lagobwin minesTijuco Alco atingiria dois municípiosbwin minesSão Paulo (Ribeira e Itapirapuã Paulista) e três no Paraná (Adrianópolis, Dr. Ulysses e Cerro Azul) e poderia afetar toda a bacia hidrográfica do rio Ribeira do Iguape. No ano passado, o Ministériobwin minesMinas e Energia publicou uma portaria que extinguiu a concessão para o aproveitamentobwin minesenergia da mesma usina.

O medobwin minesLeonila, no entanto, é que um governo Bolsonaro promova a voltabwin minesprojetos como esse, apoiado por parte da populaçãobwin minesEldorado. Moradores dizem que uma hidrelétrica movimentaria a economia local.

Em outubro, após a vitóriabwin minesBolsonaro no segundo turno, o presidente do Fórumbwin minesMeio Ambiente do Setor Elétrico (FMASE), Marcelo Moraes, disse que o governo recém-eleito aceleraria o processobwin mineslicenciamento ambientalbwin minesgrandes empreendimentosbwin minesenergia elétrica, com destaque para usinas. O FMASE é o principal interlocutor do setorbwin minesdebates sobre questões ambientais.

"Só peço a Deus que ele não maltrate a gente", Leonila diz, secando o suor da testa. A manhã avança quente sobre os bananais.

"Que esperar muito dele a gente não espera. Mas peço que não maltrate a gente..."

Visto do quilombo de

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Quilombobwin minesIvaporunduva fica ainda dentro da áreabwin minesEldorado

Resistência

Católico também, Setembrino Marinho não pede a Deus. Um dos líderes do quilombobwin minesIvaporunduva e presidente do PTbwin minesEldorado, ele diz que resistir lhe interessa mais. Como seus antepassados fizeram há séculos.

A 45 km do centrobwin minesEldorado, mas ainda parte da cidade, Ivaporunduva aparece depoisbwin minesuma horabwin minesviagem por estradas esburacadas e duas pontes, a última feitabwin minesestreitas placasbwin minesmadeira sobre pilaresbwin minesconcreto. A comunidade,bwin mines3,7 mil hectares e 80 famílias, ocupa aquela terra desde o século 17, quando a área ainda servia à mineraçãobwin minesouro.

Uma das histórias sobre a origembwin minesIvaporunduva conta que a antiga proprietária do lugar, dona Maria Joana, adoeceu, foi tratar-sebwin minesPortugal e acabou morrendo por lá, por voltabwin mines1690. Viúva e sem parentes, a fazenda teria ficado para seus escravos.

"Eles foram abandonados aqui", diz Setembrino,bwin minesfrente abwin minesvenda, um cubículobwin minesmadeira onde vende cerveja, refrigerante e cachaça.

Mas "abandonados" seria a palavra? Não estariam livres?

"Não", Setembrino sacode a cabeça, secando o peito com a camiseta que leva pendurada no ombro. "Eles não sabiam o que fazer. Junto com a Maria Joana tinham o que comer, o que beber. E, quando ela foi embora, se eles atravessassem o rio, eram capturados. Tinham que ficar aqui."

Os escravos decidiram reunir-se na igreja, que antes da mortebwin minesMaria Joana já estavabwin minesconstrução. Ali formou-se o quilombo.

Casabwin minesquilombobwin minesIvaporunduva

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Oitenta famílias vivembwin minesquilombobwin minesIvaporunduva, a 45 km do centrobwin minesEldorado

A igrejabwin minesbarro batido e estruturabwin minesmadeira, iniciada pelos escravos a pedidobwin minessua dona e terminada por vontade própria, ocupa o centro e a parte mais alta da comunidade. Levou o nomebwin minesNossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Nas ruasbwin minesterras não bem paralelas, mas concêntricas, estão as casasbwin minesalvenaria dos moradores. De um lado, margeiam o rio Ribeira; do outro, os paredõesbwin minesmata que se estendem, intocados, morro acima.

"A maioria da Mata Atlântica está aqui", diz Setembrino. "Falam que o Vale do Ribeira é o Nordestebwin minesSão Paulo, mas não é verdade. A gente é muito ricobwin minestudo:bwin minesfloresta,bwin mineságua,bwin minescachoeira."

Para Setembrino, o que incomoda os críticos é o fatobwin minesos quilombolas serem pobres, pretos e terem terra.

"Estamosbwin minesdiasbwin minescrise política, econômica, mas aqui não tem crise porque ninguém passa fome. Plantamos o que precisamos. Mas falarbwin minesdar terra para preto e pobre é difícil, porque terra é poder."

Setembrino Marinho

Crédito, Fernando Cavalcanti/BBC News Brasil

Legenda da foto, Um dos líderesbwin minesIvaporunduva, Setembrino diz que Bolsonaro faloubwin minesseu quilombobwin minesdiscurso

Visitasbwin minesBolsonaro

O líderbwin minesIvaporunduva não se recordabwin minesnenhuma visitabwin minesBolsonaro, mas diz ter certeza que o presidente se referia a este quilombo durante a palestra no Clube Hebraica.

"Ele falou que visitou uma comunidade que tinha maquinário e nós temos três tratores. Além disso, é a mais conhecida e organizada da região", ele argumenta.

Contra as acusaçõesbwin minesque "não fazem nada", Setembrino diz que Ivaporunduva fornecebwin mines600 a 800 caixasbwin minesbananas orgânicas por semana para as prefeiturasbwin minesEmbu, Campinas e Santo André. O alimento vai para merenda escolar. No total, diz, a comunidade gera quase R$ 33 mil por mês com o fornecimento da fruta, alémbwin minesreceber gruposbwin minesturistas para conhecer a área.

Como a resposta sugere,bwin minestática é mais incisiva do que abwin minesLeonila. Ele teme, sim, que Bolsonaro faça mudanças na região, como incentivar a construçãobwin minesbarragens ou abrir áreasbwin minesreserva para mineração, mas pretende manter a postura ofensiva.

Até 25 anos atrás, os quilombolas proibiam a entradabwin minespessoas estranhas ali, o que seus antepassados faziam há séculos, para evitarbwin minesrecaptura. Os motivos mudaram, diz Setembrino, mas a necessidadebwin minesfechar-se permanece.

"Eles deixaram isso pra nós. Não temos medobwin mineslutar", diz, arregalando os olhos negros.

*Esta reportagem foi atualizada às 12h46bwin mines18bwin minesjaneirobwin mines2019.

bwin mines Imagensbwin minesFernando Cavalcanti/BBC News Brasil, Arquivo Nacional, Ag. Brasil, Ag. Câmara, Família Paiva e Instagram do presidente Jair Bolsonaro.

Línea.
  • bwin mines Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube bwin mines ? Inscreva-se no nosso canal!
Pule YouTube post, 1
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosbwin minesautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticabwin minesusobwin minescookies e os termosbwin minesprivacidade do Google YouTube antesbwin minesconcordar. Para acessar o conteúdo cliquebwin mines"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdobwin minesterceiros pode conter publicidade

Finalbwin minesYouTube post, 1

Pule YouTube post, 2
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosbwin minesautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticabwin minesusobwin minescookies e os termosbwin minesprivacidade do Google YouTube antesbwin minesconcordar. Para acessar o conteúdo cliquebwin mines"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdobwin minesterceiros pode conter publicidade

Finalbwin minesYouTube post, 2

Pule YouTube post, 3
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosbwin minesautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticabwin minesusobwin minescookies e os termosbwin minesprivacidade do Google YouTube antesbwin minesconcordar. Para acessar o conteúdo cliquebwin mines"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdobwin minesterceiros pode conter publicidade

Finalbwin minesYouTube post, 3