'Só arrancaram a casa do lugar, e fim': 4 anos depois, desapropriados da Copa questionam remoções desnecessárias:tv vitoria betnacional
"Aquilo tirou nosso sonho, nossa estabilidade. Nossa perspectivatv vitoria betnacionalvivertv vitoria betnacionalum lugar seguro. Hoje moramos no Ramal da Copa, com o terreno aberto para a pista, com carros passando, sem segurança, sem vizinhos. É muito descaso", diz.
Os dramastv vitoria betnacionalmoradores que sofreram desapropriações nos preparativos para a Copa do Mundotv vitoria betnacional2014 se repetiramtv vitoria betnacionaloutras cidades-sede no Brasil, nas quais milharestv vitoria betnacionalremoções foram conduzidas também para abrir espaço para projetostv vitoria betnacionalinfraestrutura para o megaevento, como corredores expressos para BRTs (sistematv vitoria betnacionalônibus rápido) e alargamentotv vitoria betnacionalvias.
Somente no Riotv vitoria betnacionalJaneiro,tv vitoria betnacionalacordo com cálculos do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas da cidade, maistv vitoria betnacional22 mil famílias passaram por remoções ou desapropriações entre 2009 e 2015 –tv vitoria betnacionalprocessos relacionados tanto ao mundialtv vitoria betnacionalfutebol quanto aos Jogos Rio 2016.
Um deles foi Jorge Santos,tv vitoria betnacional57 anos, último morador a sair da Vila Recreio 2, comunidadetv vitoria betnacional183 famílias no Recreio dos Bandeirantes, desapropriada para a construção do BRT Transoeste.
"Passou a Copa, passou a Olimpíada e 80% do nosso espaço continua lá, vazio", diz Santos.
Para ele, os custos e o processotv vitoria betnacionalsediar a Copa do Mundo fizeram o mundial "perder a graça" para os brasileiros.
"A Copa aconteceutv vitoria betnacionalcima da desgraçatv vitoria betnacionalmuita gente Brasil afora. Graças a Deus a Alemanha enfiou aquele 7x1, porque se Brasil tivesse vencido, teria sido o argumentotv vitoria betnacionalque tudo valeu a pena. O Brasil precisavatv vitoria betnacionaluma lição."
'Maniatv vitoria betnacionalgrandeza'
De acordo com relatos ouvidos pela BBC News Brasil, muitas famílias removidas no processotv vitoria betnacionalpreparação para os megaeventos continuam sentindo os impactos no longo prazo.
Os prejuízos incluem a precarização da situaçãotv vitoria betnacionalmoradia; a contraçãotv vitoria betnacionaldívidas; a rupturatv vitoria betnacionallaços comunitários; a mudança para regiões periféricas e por vezes dominadas por facções criminosas; e processos burocráticos e extensos para receber indenização.
Isso fora a frustração sentida nos casostv vitoria betnacionalque áreas desapropriadas acabaram não sendo usados para os fins que justificaram a remoção. Foi o casotv vitoria betnacionalparte das remoções ocorridas no Recife, onde havia planostv vitoria betnacionalconstruir uma ambiciosa "cidade da Copa" nos arredores da Arena Pernambuco, que foi erguida no municípiotv vitoria betnacionalSão Lourenço da Mata, na região metropolitana da capital.
"Pernambuco tem maniatv vitoria betnacionalgrandeza, e o projeto inicial era alardeado como uma cidadetv vitoria betnacionalponta. Era para ser a primeira 'smart city' da América Latina, com a arena, shoppings, escolas e universidades", lembra a arquiteta e urbanista Ana Ramalho, professora da Faculdade Damas. "Nada daquilo foi construído, só o estádio", diz.
Ramalho integrava o núcleo interdisciplinartv vitoria betnacionalpesquisa do Observatório das Metrópoles que acompanhava, nas doze cidades-sede brasileiras, os impactos da Copa do Mundo, coordenando o núcleotv vitoria betnacionalRecife.
Ela estima que 900 famílias tenham sofrido desapropriações na região do estádio, mas o número não é oficial – a arquiteta diz que, apesartv vitoria betnacionalreiterados pedidos feitos ao governo do Estado na época, números oficiais não foram repassados ao grupotv vitoria betnacionalpesquisa.
Procurada pela BBC News Brasil, a Procuradoria-Geral do Estadotv vitoria betnacionalPernambuco (PGE-PE) informou que 121 imóveis foram desapropriados no municípiotv vitoria betnacionalCamaragibe, nos arredores do estádio, para dar lugar às obras do Ramal Cidade da Copa, para o Terminal Integradotv vitoria betnacionalÔnibustv vitoria betnacionalCamaragibe Camaragibe e para a construção do Corredor Viário Leste-Oeste.
Das seis faixas inicialmente projetadas, entretanto, o Ramal da Copa acabou ficando com apenas duas; e o terminal integrado não foi construído.
"A área ficou largada, com um terreno vazio que hoje está cercado, murado", diz Ramalho. "Quatro anos depois, não se chegou a algum lugar. Não há evidência da utilidade pública que levou à desapropriaçãotv vitoria betnacionaltantas famílias naquela região", afirma a arquiteta.
Questionada pela BBC News Brasil, a Secretaria das Cidades do Estadotv vitoria betnacionalPernambuco afirma que a área ainda será utilizada para a ampliação do Terminal Integradotv vitoria betnacionalCamaragibe.
"Será realizada nova licitação para a revisão do projetotv vitoria betnacionalampliação do terminal", diz o órgão, por meiotv vitoria betnacionalsua assessoriatv vitoria betnacionalimprensa.
Mortes 'de desgosto'
Depois que seu sogro morreu, há quase quatro anos, Paula Santos e o marido gastaram o dinheiro "que não tinham" para fazer seu inventário e construir uma casa simples, até hoje inacabada, para substituir o imóvel demolido. É lá que vive hoje com seus dois filhos, na parte do terreno que ficou nas mãos da família.
Eles ainda aguardam a indenização pela área desapropriada, que está presatv vitoria betnacionaljuízo. Játv vitoria betnacionalsogra, a viúvatv vitoria betnacionalSeu Ramos, Neuza Lucinda,tv vitoria betnacional64 anos, mora no cômodo que ele construiu antestv vitoria betnacionalmorrer,tv vitoria betnacionaluma parte baixa do terreno, que alaga sempre que chove.
A nora diz que as condições são precárias. "Ela estatv vitoria betnacionaldepressão, morandotv vitoria betnacionaluma lama, no barraco que ele construiu. Falamos para ela vir morar com a gente, mas ela não quer. Não quer sairtv vitoria betnacionalcasa", diz.
"Tiraram tudo que a gente tinha, e nada foi feito. Foi um descaso total. A gente era feliz. Hoje, estamos enraizadostv vitoria betnacionaldívidas. Só arrancaram a casa do lugar, e fim", exaspera-se.
Paula Santos conta onze pessoas da comunidade que morreram durante as desapropriações no Loteamento São Francisco.
Em maiotv vitoria betnacional2014, pouco antes da Copa, foi realizado um protesto pela mortetv vitoria betnacionaloito idosos falecidos no processotv vitoria betnacionalluta contra as remoções. Depois disso veio a mortetv vitoria betnacionalseu Ramos, logo depois da Copa, etv vitoria betnacionalJerônimo Sebastiãotv vitoria betnacionalOliveira, alguns meses depois.
Em maiotv vitoria betnacional2014, a BBC News Brasil entrevistou seu Jerônimo no Loteamento São Francisco. Ele tinha 72 anos e estava profundamente desgostoso comtv vitoria betnacionalsituação, vivendotv vitoria betnacionalfavor na casatv vitoria betnacionaluma sobrinha. Havia recebido uma indenização que dizia ser menos que metade do valortv vitoria betnacionalsua casa, e insuficiente para comprar um novo imóvel.
"Eu tinha construído o meu futuro, que era a minha casa, com muito esforço. E,tv vitoria betnacionalrepente, eles vêm e fazem uma derrota dessas com a gente. Derrubaram o que era nosso sem dar nosso direito", disse na época.
"Ele tinha um sítio que foi desapropriado para o Ramal da Copa e acabou indo morar pertotv vitoria betnacionalum lixão,tv vitoria betnacionaluma favela,tv vitoria betnacionaluma situação muito dramática", lembra o pesquisador Eduardo Amorim, que feztv vitoria betnacionaldissertaçãotv vitoria betnacionalmestrado sobre "os silêncios e silenciamentos da cobertura midiática na Copa do Mundotv vitoria betnacionalPernambuco" pela Universidade Federaltv vitoria betnacionalPernambuco (UFPE).
Paula Santos diz que ele ficou "desesperado" depoistv vitoria betnacionalir morar na favela. "Ele não tinha como morar ali. Ficou desvairado, com a cabeça a mil por ora, falando que ia vender novamente para comprartv vitoria betnacionaloutro lugar. Caiutv vitoria betnacionaldepressão e faleceu."
'Eu comprei meu imóvel'
Ana Ramalho lembra que o Loteamento São Francisco era regularizado. As pessoas que viviam ali haviam comprado seus terrenos e não tinham históricotv vitoria betnacionalresistência nemtv vitoria betnacionalocupação.
"As pessoas falavam para elas que deviam protestar, fechar avenidas, queimar pneus na rua. E elas falavam: 'Eu não faço isso, eu nunca fiz isso. Eu comprei meu imóvel. Como é que agora eu vou queimar pneu na rua?'"
Para a arquiteta, o processo envolveu erros "gritantes" do pontotv vitoria betnacionalvistatv vitoria betnacionalplanejamento urbano. "E do pontotv vitoria betnacionalvista humano, foi muito triste ver o interesse privado, do empreendedor, se sobrepor à gestão urbana. Foi um processo muito agressivo", diz.
De acordo com a PGE-PE, das 121 desapropriações realizadas no local, 55 foram realizadastv vitoria betnacionalforma administrativa – ou seja, os proprietários entraramtv vitoria betnacionalacordo com o Estado para receber o valor propostotv vitoria betnacionalindenização – e os pagamentos já foram quitados. As outras 66 foram por meiotv vitoria betnacionalprocessos judiciais, envolvendo pendências jurídicas ou disputatv vitoria betnacionalvalores, mas o pagamento foi liberadotv vitoria betnacionalcercatv vitoria betnacional90% dos casos.
Nos demais, as indenizações estão depositadastv vitoria betnacionaljuízo etv vitoria betnacionalliberação depende do cumprimentotv vitoria betnacionalrequisitos legais, como comprovaçãotv vitoria betnacionalpropriedade dos imóveis e a regularização fiscal dos tributos incidentes sobre o bem expropriado.
Remoções 'desnecessárias'
No Riotv vitoria betnacionalJaneiro, a pressão surtida pelos megaeventos foi dupla, com as obras realizadas para sediar a Copatv vitoria betnacional2014 e os Jogos Rio 2016.
De acordo com a arquiteta e urbanista Giselle Tanaka, pesquisadora do Institutotv vitoria betnacionalPesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ, o maior volumetv vitoria betnacionalremoções ocorreu entre 2009 e 2010.
A partirtv vitoria betnacionalentão, o processo se deutv vitoria betnacionalmaneira mais espaçado, enfrentando maior mobilização e resistênciatv vitoria betnacionalcomunidades e denúnciastv vitoria betnacionalentidadestv vitoria betnacionaldefesatv vitoria betnacionaldireitos humanos.
Tanaka integrava o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas no Rio, que produziu relatórios periódicos sobre os impactos e violaçõestv vitoria betnacionaldireitos relacionados à organização dos megaeventos. Ela considera que o cenário deixado pelas remoções hoje confirma os avisos que o grupo fazia no passado.
"O fatotv vitoria betnacionalmuitas áreas desapropriadas continuarem vazias até hoje, quatro anos depois, só confirma que muitas remoções foram desnecessárias", diz. "Indica que as remoções não eram motivadas pela necessidadetv vitoria betnacionalobras, e sim por limpeza social. O objetivo era tirar moradores pobrestv vitoria betnacionaláreas que se queria valorizar."
Entre os exemplos citados por Tanaka estão a Vila Autódromo, ao lado do Parque Olímpico; a favela Metrô Mangueira, próxima ao Maracanã; e as vilas Recreio 1 e 2, onde as remoções deram lugar a um amplo matagal ao lado da avenida das Américas.
Questionada, a Prefeitura do Rio não respondeu antes da publicação desta reportagem, informando que, por se tratartv vitoria betnacionalações da gestão passada, seria necessário mais tempo para levantar informações sobre a destinação dos terrenos.
O jardineiro Jorge Santos,tv vitoria betnacional57 anos, lembra que a pressão sobre o Recreio 2, onde vivia com a família havia 16 anos, começou a ser sentida játv vitoria betnacional2007, época dos Jogos Panamericanos no Rio.
Com a aproximação da Copa, a comunidade obteve apoiotv vitoria betnacionalentidadestv vitoria betnacionaldefesatv vitoria betnacionaldireitos humanos, como a Anistia Internacional, buscando demonstrar que a remoção não era necessária para o traçado do BRT. Entretanto, não conseguiram impedir a remoção.
"Derrubaram a minha casa com tudo dentro, e isso quando o BRT já estava funcionando", lembra Santos.
Ele recebeu cercatv vitoria betnacionalR$ 27 mil reaistv vitoria betnacionalindenização portv vitoria betnacionalcasa e pelo imóveltv vitoria betnacionalsua filha. O dinheiro foi gastotv vitoria betnacionalpouco tempo, vivendotv vitoria betnacionalaluguel. "Eu tinha sala, cozinha, banheiro, dois quartos e uma varanda, e me deram o valortv vitoria betnacionalum barraquinhotv vitoria betnacionalmadeira", diz.
Vizinhos que haviam concordadotv vitoria betnacionalnegociar com a prefeitura saíram recebendo bem mais, lembra, com valores que chegaram a R$ 150 mil.
"Como eu resolvi brigar, me deram o valor mínimo. Mas a minha luta não era pelo dinheiro. Era para morar onde eu tenho direito, até que me provem que o uso daquele espaço realmente é necessário. Nunca ficou provado que era necessário."
A maioria das famílias da Vila Recreio 2 optou por negociar indenizações com a prefeitura, mas parte concordoutv vitoria betnacionalser reassentadatv vitoria betnacionalcondomínios do Minha Casa, Minha Vidatv vitoria betnacionalCampo Grande, na zona oeste do Rio. Entretanto, muitos acabaram não conseguindo ficar no local, dominado por grupostv vitoria betnacionalmilícia.
Santos hoje vive na Vila Taboinhas, a cercatv vitoria betnacionalum quilômetro da Vila Recreio 2. Com a vendatv vitoria betnacionaluma camionete, conseguiu adquirir um terreno e aos poucos está levantando uma nova casa. Sua situação fundiária, porém, ainda é irregular, e ele se frustra sempre que passa pela áreatv vitoria betnacionalsua antiga comunidade, o mato cobrindo os escombros que restaram das casas.
"Moradia não é só uma casa", afirma. "Há toda uma estruturatv vitoria betnacionalfamília, amizade, convivência, trabalho, escola para filhos, comunidade religiosa. Vocês que são modernos e estudados chamam issotv vitoria betnacionalpertencimento, não é? É um direito constituído, e que nos foi tirado."