'Só arrancaram a casa do lugar, e fim': 4 anos depois, desapropriados da Copa questionam remoções desnecessárias:slotv online

Paula Santos, cuja família foi removidaslotv onlinecasaslotv onlineRecife
Legenda da foto, Paula Santos eslotv onlinefamília ainda não conseguiram receber a indenização pela desapropriação do terreno que pertencia a seus sogros perto da Arena Pernambuco,slotv onlineRecife/ Crédito: Eduardo Amorim

"Aquilo tirou nosso sonho, nossa estabilidade. Nossa perspectivaslotv onlineviverslotv onlineum lugar seguro. Hoje moramos no Ramal da Copa, com o terreno aberto para a pista, com carros passando, sem segurança, sem vizinhos. É muito descaso", diz.

Os dramasslotv onlinemoradores que sofreram desapropriações nos preparativos para a Copa do Mundoslotv online2014 se repetiramslotv onlineoutras cidades-sede no Brasil, nas quais milharesslotv onlineremoções foram conduzidas também para abrir espaço para projetosslotv onlineinfraestrutura para o megaevento, como corredores expressos para BRTs (sistemaslotv onlineônibus rápido) e alargamentoslotv onlinevias.

Somente no Rioslotv onlineJaneiro,slotv onlineacordo com cálculos do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas da cidade, maisslotv online22 mil famílias passaram por remoções ou desapropriações entre 2009 e 2015 –slotv onlineprocessos relacionados tanto ao mundialslotv onlinefutebol quanto aos Jogos Rio 2016.

Um deles foi Jorge Santos,slotv online57 anos, último morador a sair da Vila Recreio 2, comunidadeslotv online183 famílias no Recreio dos Bandeirantes, desapropriada para a construção do BRT Transoeste.

Jorge Santos, o último morador a ser removido da Vila Recreio II, no Rio
Legenda da foto, Jorge Santos, o último morador a ser removido da Vila Recreio II, no Rio/ Crédito: Núcleo Piratiningaslotv onlineComunicação

"Passou a Copa, passou a Olimpíada e 80% do nosso espaço continua lá, vazio", diz Santos.

Para ele, os custos e o processoslotv onlinesediar a Copa do Mundo fizeram o mundial "perder a graça" para os brasileiros.

"A Copa aconteceuslotv onlinecima da desgraçaslotv onlinemuita gente Brasil afora. Graças a Deus a Alemanha enfiou aquele 7x1, porque se Brasil tivesse vencido, teria sido o argumentoslotv onlineque tudo valeu a pena. O Brasil precisavaslotv onlineuma lição."

'Maniaslotv onlinegrandeza'

De acordo com relatos ouvidos pela BBC News Brasil, muitas famílias removidas no processoslotv onlinepreparação para os megaeventos continuam sentindo os impactos no longo prazo.

Os prejuízos incluem a precarização da situaçãoslotv onlinemoradia; a contraçãoslotv onlinedívidas; a rupturaslotv onlinelaços comunitários; a mudança para regiões periféricas e por vezes dominadas por facções criminosas; e processos burocráticos e extensos para receber indenização.

Isso fora a frustração sentida nos casosslotv onlineque áreas desapropriadas acabaram não sendo usados para os fins que justificaram a remoção. Foi o casoslotv onlineparte das remoções ocorridas no Recife, onde havia planosslotv onlineconstruir uma ambiciosa "cidade da Copa" nos arredores da Arena Pernambuco, que foi erguida no municípioslotv onlineSão Lourenço da Mata, na região metropolitana da capital.

"Pernambuco tem maniaslotv onlinegrandeza, e o projeto inicial era alardeado como uma cidadeslotv onlineponta. Era para ser a primeira 'smart city' da América Latina, com a arena, shoppings, escolas e universidades", lembra a arquiteta e urbanista Ana Ramalho, professora da Faculdade Damas. "Nada daquilo foi construído, só o estádio", diz.

Protesto por mortesslotv onlineloteamento traz cruzes com corações inscritos com nomesslotv onlineidosos que morreram
Legenda da foto, Protesto por mortes: pouco antes da Copa, moradores realizaram um protesto contabilizando oito idosos que haviam morrido lutando contra as remoções no Loteamento São Francisco,slotv onlineCamaragibe / Crédito: Eduardo Amorim

Ramalho integrava o núcleo interdisciplinarslotv onlinepesquisa do Observatório das Metrópoles que acompanhava, nas doze cidades-sede brasileiras, os impactos da Copa do Mundo, coordenando o núcleoslotv onlineRecife.

Ela estima que 900 famílias tenham sofrido desapropriações na região do estádio, mas o número não é oficial – a arquiteta diz que, apesarslotv onlinereiterados pedidos feitos ao governo do Estado na época, números oficiais não foram repassados ao gruposlotv onlinepesquisa.

Procurada pela BBC News Brasil, a Procuradoria-Geral do Estadoslotv onlinePernambuco (PGE-PE) informou que 121 imóveis foram desapropriados no municípioslotv onlineCamaragibe, nos arredores do estádio, para dar lugar às obras do Ramal Cidade da Copa, para o Terminal Integradoslotv onlineÔnibusslotv onlineCamaragibe Camaragibe e para a construção do Corredor Viário Leste-Oeste.

Das seis faixas inicialmente projetadas, entretanto, o Ramal da Copa acabou ficando com apenas duas; e o terminal integrado não foi construído.

"A área ficou largada, com um terreno vazio que hoje está cercado, murado", diz Ramalho. "Quatro anos depois, não se chegou a algum lugar. Não há evidência da utilidade pública que levou à desapropriaçãoslotv onlinetantas famílias naquela região", afirma a arquiteta.

Questionada pela BBC News Brasil, a Secretaria das Cidades do Estadoslotv onlinePernambuco afirma que a área ainda será utilizada para a ampliação do Terminal Integradoslotv onlineCamaragibe.

"Será realizada nova licitação para a revisão do projetoslotv onlineampliação do terminal", diz o órgão, por meioslotv onlinesua assessoriaslotv onlineimprensa.

Mortes 'de desgosto'

Depois que seu sogro morreu, há quase quatro anos, Paula Santos e o marido gastaram o dinheiro "que não tinham" para fazer seu inventário e construir uma casa simples, até hoje inacabada, para substituir o imóvel demolido. É lá que vive hoje com seus dois filhos, na parte do terreno que ficou nas mãos da família.

Eles ainda aguardam a indenização pela área desapropriada, que está presaslotv onlinejuízo. Jáslotv onlinesogra, a viúvaslotv onlineSeu Ramos, Neuza Lucinda,slotv online64 anos, mora no cômodo que ele construiu antesslotv onlinemorrer,slotv onlineuma parte baixa do terreno, que alaga sempre que chove.

A nora diz que as condições são precárias. "Ela estaslotv onlinedepressão, morandoslotv onlineuma lama, no barraco que ele construiu. Falamos para ela vir morar com a gente, mas ela não quer. Não quer sairslotv onlinecasa", diz.

"Tiraram tudo que a gente tinha, e nada foi feito. Foi um descaso total. A gente era feliz. Hoje, estamos enraizadosslotv onlinedívidas. Só arrancaram a casa do lugar, e fim", exaspera-se.

Paula Santos conta onze pessoas da comunidade que morreram durante as desapropriações no Loteamento São Francisco.

Em maioslotv online2014, pouco antes da Copa, foi realizado um protesto pela morteslotv onlineoito idosos falecidos no processoslotv onlineluta contra as remoções. Depois disso veio a morteslotv onlineseu Ramos, logo depois da Copa, eslotv onlineJerônimo Sebastiãoslotv onlineOliveira, alguns meses depois.

Jerônimo Sebastiãoslotv onlineOliveira,slotv online72 anos, morador do Pernambuco que morreu pouco após a Copaslotv online2014
Legenda da foto, Jerônimo Sebastiãoslotv onlineOliveira,slotv online72 anos, morreu pouco após a Copaslotv online2014/ Crédito: Eduardo Amorim

Em maioslotv online2014, a BBC News Brasil entrevistou seu Jerônimo no Loteamento São Francisco. Ele tinha 72 anos e estava profundamente desgostoso comslotv onlinesituação, vivendoslotv onlinefavor na casaslotv onlineuma sobrinha. Havia recebido uma indenização que dizia ser menos que metade do valorslotv onlinesua casa, e insuficiente para comprar um novo imóvel.

"Eu tinha construído o meu futuro, que era a minha casa, com muito esforço. E,slotv onlinerepente, eles vêm e fazem uma derrota dessas com a gente. Derrubaram o que era nosso sem dar nosso direito", disse na época.

"Ele tinha um sítio que foi desapropriado para o Ramal da Copa e acabou indo morar pertoslotv onlineum lixão,slotv onlineuma favela,slotv onlineuma situação muito dramática", lembra o pesquisador Eduardo Amorim, que fezslotv onlinedissertaçãoslotv onlinemestrado sobre "os silêncios e silenciamentos da cobertura midiática na Copa do Mundoslotv onlinePernambuco" pela Universidade Federalslotv onlinePernambuco (UFPE).

Romildo Ramos, que tinha um sítio completo com árvores frutíferasslotv onlineRecife
Legenda da foto, Romildo Ramos,slotv online68 anos, tinha um sítio completo com árvores frutíferas no Loteamento São Francisco,slotv onlineRecife, e morreuslotv onlineinfarto logo depois da Copaslotv online2014/ Crédito: Eduardo Amorim

Paula Santos diz que ele ficou "desesperado" depoisslotv onlineir morar na favela. "Ele não tinha como morar ali. Ficou desvairado, com a cabeça a mil por ora, falando que ia vender novamente para comprarslotv onlineoutro lugar. Caiuslotv onlinedepressão e faleceu."

'Eu comprei meu imóvel'

Ana Ramalho lembra que o Loteamento São Francisco era regularizado. As pessoas que viviam ali haviam comprado seus terrenos e não tinham históricoslotv onlineresistência nemslotv onlineocupação.

"As pessoas falavam para elas que deviam protestar, fechar avenidas, queimar pneus na rua. E elas falavam: 'Eu não faço isso, eu nunca fiz isso. Eu comprei meu imóvel. Como é que agora eu vou queimar pneu na rua?'"

Para a arquiteta, o processo envolveu erros "gritantes" do pontoslotv onlinevistaslotv onlineplanejamento urbano. "E do pontoslotv onlinevista humano, foi muito triste ver o interesse privado, do empreendedor, se sobrepor à gestão urbana. Foi um processo muito agressivo", diz.

Terreno baldio deixado no Loteamento São Francisco após as desapropriações foi cercadoslotv onlineum muro, e tem sido usado para armazenar ônibusslotv onlineuma empresaslotv onlinetransportes privada
Legenda da foto, Terreno baldio deixado no Loteamento São Francisco após as desapropriações foi cercadoslotv onlineum muro, e tem sido usado para armazenar ônibusslotv onlineuma empresaslotv onlinetransportes privada / Crédito: Lara Salviano e Gabriela Passos/Universidade Católicaslotv onlinePernambuco

De acordo com a PGE-PE, das 121 desapropriações realizadas no local, 55 foram realizadasslotv onlineforma administrativa – ou seja, os proprietários entraramslotv onlineacordo com o Estado para receber o valor propostoslotv onlineindenização – e os pagamentos já foram quitados. As outras 66 foram por meioslotv onlineprocessos judiciais, envolvendo pendências jurídicas ou disputaslotv onlinevalores, mas o pagamento foi liberadoslotv onlinecercaslotv online90% dos casos.

Nos demais, as indenizações estão depositadasslotv onlinejuízo eslotv onlineliberação depende do cumprimentoslotv onlinerequisitos legais, como comprovaçãoslotv onlinepropriedade dos imóveis e a regularização fiscal dos tributos incidentes sobre o bem expropriado.

Remoções 'desnecessárias'

No Rioslotv onlineJaneiro, a pressão surtida pelos megaeventos foi dupla, com as obras realizadas para sediar a Copaslotv online2014 e os Jogos Rio 2016.

De acordo com a arquiteta e urbanista Giselle Tanaka, pesquisadora do Institutoslotv onlinePesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ, o maior volumeslotv onlineremoções ocorreu entre 2009 e 2010.

A partirslotv onlineentão, o processo se deuslotv onlinemaneira mais espaçado, enfrentando maior mobilização e resistênciaslotv onlinecomunidades e denúnciasslotv onlineentidadesslotv onlinedefesaslotv onlinedireitos humanos.

Tanaka integrava o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas no Rio, que produziu relatórios periódicos sobre os impactos e violaçõesslotv onlinedireitos relacionados à organização dos megaeventos. Ela considera que o cenário deixado pelas remoções hoje confirma os avisos que o grupo fazia no passado.

"O fatoslotv onlinemuitas áreas desapropriadas continuarem vazias até hoje, quatro anos depois, só confirma que muitas remoções foram desnecessárias", diz. "Indica que as remoções não eram motivadas pela necessidadeslotv onlineobras, e sim por limpeza social. O objetivo era tirar moradores pobresslotv onlineáreas que se queria valorizar."

Entre os exemplos citados por Tanaka estão a Vila Autódromo, ao lado do Parque Olímpico; a favela Metrô Mangueira, próxima ao Maracanã; e as vilas Recreio 1 e 2, onde as remoções deram lugar a um amplo matagal ao lado da avenida das Américas.

Questionada, a Prefeitura do Rio não respondeu antes da publicação desta reportagem, informando que, por se tratarslotv onlineações da gestão passada, seria necessário mais tempo para levantar informações sobre a destinação dos terrenos.

Estádio do Maracanã, no Rio, visto por cima

Crédito, Reuters

Legenda da foto, De acordo com cálculos do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio, maisslotv online22 mil famílias passaram por remoções ou desapropriações entre 2009 e 2015

O jardineiro Jorge Santos,slotv online57 anos, lembra que a pressão sobre o Recreio 2, onde vivia com a família havia 16 anos, começou a ser sentida jáslotv online2007, época dos Jogos Panamericanos no Rio.

Com a aproximação da Copa, a comunidade obteve apoioslotv onlineentidadesslotv onlinedefesaslotv onlinedireitos humanos, como a Anistia Internacional, buscando demonstrar que a remoção não era necessária para o traçado do BRT. Entretanto, não conseguiram impedir a remoção.

"Derrubaram a minha casa com tudo dentro, e isso quando o BRT já estava funcionando", lembra Santos.

Ele recebeu cercaslotv onlineR$ 27 mil reaisslotv onlineindenização porslotv onlinecasa e pelo imóvelslotv onlinesua filha. O dinheiro foi gastoslotv onlinepouco tempo, vivendoslotv onlinealuguel. "Eu tinha sala, cozinha, banheiro, dois quartos e uma varanda, e me deram o valorslotv onlineum barraquinhoslotv onlinemadeira", diz.

Vizinhos que haviam concordadoslotv onlinenegociar com a prefeitura saíram recebendo bem mais, lembra, com valores que chegaram a R$ 150 mil.

"Como eu resolvi brigar, me deram o valor mínimo. Mas a minha luta não era pelo dinheiro. Era para morar onde eu tenho direito, até que me provem que o uso daquele espaço realmente é necessário. Nunca ficou provado que era necessário."

A maioria das famílias da Vila Recreio 2 optou por negociar indenizações com a prefeitura, mas parte concordouslotv onlineser reassentadaslotv onlinecondomínios do Minha Casa, Minha Vidaslotv onlineCampo Grande, na zona oeste do Rio. Entretanto, muitos acabaram não conseguindo ficar no local, dominado por gruposslotv onlinemilícia.

Santos hoje vive na Vila Taboinhas, a cercaslotv onlineum quilômetro da Vila Recreio 2. Com a vendaslotv onlineuma camionete, conseguiu adquirir um terreno e aos poucos está levantando uma nova casa. Sua situação fundiária, porém, ainda é irregular, e ele se frustra sempre que passa pela áreaslotv onlinesua antiga comunidade, o mato cobrindo os escombros que restaram das casas.

"Moradia não é só uma casa", afirma. "Há toda uma estruturaslotv onlinefamília, amizade, convivência, trabalho, escola para filhos, comunidade religiosa. Vocês que são modernos e estudados chamam issoslotv onlinepertencimento, não é? É um direito constituído, e que nos foi tirado."