Pedro Parente:'esperança' da Petrobras a pedidodemissão:
Começava, no entanto, o pior momentoParente na estatal desde que assumira o cargo.
A escaladapreços da gasolina e do diesel que catalisou a grevecaminhoneiros também gerou uma enxurradacríticas à políticapreços adotada há dois anos pela companhia, que busca a paridade com preços internacionais.
Membros do governo, como o ministroMinas e Energia, Moreira Franco, defenderam publicamente uma revisão do sistemapreços e senadores - inclusive do PSDB, partido com o qual Parente sempre teve boa relação - chegaram a cobrar no plenário que ele fosse demitido.
"Se o Pedro Parente não aceitar rever a políticareajuste, que ele saia da Petrobras, ou o presidente da República exerça o mínimoautoridade. Um governo minimamente sólido já o teria demitido", disse Cássio Cunha Lima (PSDB-PB)entrevista na semana passada.
Apenas meses antes, o cenário era oposto: diante da melhora dos indicadores financeiros da Petrobras, Parente chegou a ser aventado como possível candidato à Presidência, um nome que uniria a centro-direita nas eleiçõesoutubro.
Emcartademissão, enviada hoje ao presidente Michel Temer, Parente afirma que a greve desencadeou "um intenso e por vezes emocional debate sobre as origens da crise" e colocou a políticapreços "sob intenso questionamento".
"Tenho refletido muito sobre tudo o que aconteceu. Está claro, Sr. Presidente, que novas discussões serão necessárias. E, diante deste quadro, fica claro que a minha permanência na presidência da Petrobras deixouser positiva econtribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente. Sempre procurei demonstrar,minha trajetória na vida pública, que, acimatudo, meu compromisso é com o bem público. Não tenho qualquer apego a cargos ou posições e não serei um empecilho para que essas alternativas sejam discutidas."
Sarney, Collor e "ministro do apagão"FHC
Engenheiro, Parente foi funcionário da área contábil do Banco Central e, no governo Sarney, foi convidado por Andrea Calabi, então secretário do Ministério do Planejamento, para ir à recém-criada Secretaria do Tesouro Nacional.
"O Pedro foi cuidar do Siafi (Sistema IntegradoAdministração Financeira), que unificou 3,5 mil contas e foi importante dentro do esforço que a gente fazia para modernizar a administração as finanças públicas", ele diz.
Em 1991, já no governo Collor, o técnico assumiu a secretariaPlanejamento do então Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, onde assumiu a elaboração e execução do orçamento da União.
Depois do processoimpeachment e posterior renúnciaCollor, Parente foi para o exterior e ficou no Fundo Monetário Internacional (FMI) até 1993.
Ele estreou no governo Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, como secretário-executivo da pasta, chefiada então por Pedro Malan.
Clóvis Carvalho, um dos fundadores do PSDB e ex-ministro da Casa CivilFHC, lembra que os tucanos queriam trazê-lo para o governo desde a gestãoItamar Franco, mas Itamar resistiaincorporar àequipe antigos quadros do governo Collor.
Como secretário-executivo da Fazenda, ele assumiu a renegociação da dívida dos Estados - que, naquela época, ficaram proibidasemitir títulodívida - e trabalhou na implantação do Plano Real.
"Ele tinha a vantagemser engenheiro", brinca Carvalho, "o que era útil no meiotodos aqueles economistas. Vira e mexe a discussão ía muito para o campo teórico e, às vezes, a gente tinha dois dias para tomar uma decisão. A formação voltada para encontrar soluções ajudava", ele acrescenta.
De saída da Casa Civil, Carvalho sugeriu a FHC que Parente o sucedesse na pasta. Alémse dar bem com Malan - e a relação entre Fazenda e Casa Civil é geralmente difícil, já que a funçãoum é "pedir" e aoutro, "fechar as torneiras" -, ele também se dava bem com o Congresso, especialmente com Antônio Carlos Magalhães.
"Naquela época o ACM era presidente do Senado e estava começando a colocar as manguinhasfora (criticando o governo). O Parente se dava bem com o pessoal do PFL (atual DEM)", diz Carvalho.
Também era o PFL que controlava naquela época o MinistérioMinas e Energia, e o trânsitoParente no partido foi fundamental para que ele conseguisse colocarpráticas as medidas para controlar a crise energética2001.
"Ele tem como principais características o fatoser um homem político com olhar suficientementemercado e um administrador empresarial com forte sensibilidade política. Foi com esse binômio que conduziu o país para fora da crise elétrica. Soube propor importantes instrumentosmercado para aquela situação, mas o caminho percorrido foi eminentemente político", avalia Moutinho, da USP.
A solução passou por um rigoroso e amplo racionamento, pelo investimentolinhastransmissãoenergia - para ligar os reservatórios a áreas mais distantes -, por projetosnovas hidrelétricas na região da Amazônia e pela construçãousinas termelétricas, que produzem energia menos limpa e mais cara, mas que podem ser acionadasperíodosescassez nos reservatórios.
Petrobras, interferênciasgovernos e a políticapreços
Passados quase 15 anos - durante os quais foi vice-presidente executivo do grupo RBS (2003 a 2009) e CEO da Bunge (2010 a 2015), empresa do setoragronegócio -, Parente foi chamado novamente para debelar uma crise, desta vez na Petrobras.
Aos 63 anos, o carioca substituía Aldemir Bendine - que havia renunciado ao cargo e que seria preso um ano depois, no âmbito da operação Lava Jato - e se deparava com uma das maiores crises pelas quais a companhia havia passado desdefundação,1953.
"Era um buraco negro", ilustra Edmilson Moutinho dos Santos, professor do InstitutoEnergia e Ambiente da UniversidadeSão Paulo (USP).
"Receitasexportaçãoqueda, com o colapso do preço do óleo bruto, receitas domésticas reprimidas, com políticaspreços domésticos populistas, elevada taxaendividamento, com dívidas fora do controlerelação ao comportamento das receitas, perdacredibilidade nos mercadoscapitaislongo prazo, prejuízos crescentes", lembra o especialista.
Uma das marcassua gestão e a principal manifestação prática do "acabou a influência política na Petrobras" que marcou seu discursoposse foi a mudança na políticapreços.
O valor do combustível que saía das refinarias da empresa passou a acompanhar o mercado externo - ou seja, a se pautar pela variação do câmbio e da cotação do barrilpetróleo.
Entre 2011 e 2015, essas oscilações eram repassadasforma defasada, um mecanismo usado pelo governo para tentar segurar o aumento da inflação.
Quando a conjuntura internacional era desfavorável, a Petrobras chegou a importar combustível mais caro e a vendê-lo mais barato no mercado interno.
"O cenário se modificou com a introduçãoum viés muito mais populista pela presidente Dilma", diz o professor Edmilson Moutinho, da USP.
"Quebrou-se a tradição anterior e se voltou a adotar políticasintervençãopreços, como nos anos 1980, para controlar inflação, incentivando importações. Aliás, importações que geravam perdas crescentes para a Petrobras", ele afirma, referindo-se aos deficits consecutivoscaixa que contribuíram para aumentar o endividamento da estatal no período, chegando a US$ 100,4 bilhões2015.
A busca pela paridade internacional foi colocada desde a aprovação da Lei do Petróleo1997 - jamais se estabeleceu, entretanto, como ela deveria ser cumprida.
Durante as gestões dos presidentes FHC e Lula, diz o especialista, se consolidou a tradiçãobuscar a paridade no longo prazo. Com isso, a Petrobras ficou com a incumbênciafazer políticas amortecedoraspreço, reduzindo eventuais grandes oscilações para cima ou para baixo dos preços.
"Nada disso foi politicamente pacífico. A Petrobras era ferrenhamente contra o governo nos momentos que lhe eram desfavoráveis. Por outro lado, grandes consumidores, concentrados na Abrace, Fiesp ou Firjan, não saiam das páginas dos jornaismomentos que a empresa não baixava os preços domésticos na mesma velocidade dos preços internacionais."
Virada nos indicadores
Entre 2015 e 2017, a dívida líquida da Petrobras recuouUS$ 100,4 bilhões para US$ 84,9 bilhões.
A empresa voltou a cumprir as metasprodução e, no ano passado, bateu recorde pelo quarto ano consecutivo, com 2,15 milhõesbarris por dia.
Em 2017, as agênciasclassificaçãorisco Moody's e Standard&Poor's elevaram a nota da Petrobras, destacando a gestão da dívida - considerada um dos maiores desafios -, a melhora da governança e a chamada "políticadesinvestimentos".
Uma das saídasParente para reduzir endividamento e recuperar o caixa foi vender parte dos ativos da empresa e reduzir o númerofuncionários.
No ano passado, a empresa vendeu a distribuidora Petrobras Chile Distribución, se desfezsua participação na Guarani, que atua no mercadoaçúcar e etanol, e90%suas ações no gasoduto Nova Transportadora do Sudeste (NTS).
Em 2017 e 2018, a empresa tem a metaalcançar US$ 21 bilhões com as vendasativos.
O númerofuncionários diretos recuou78,4 mil2015 para 62,7 mil no fim2017, entre cortes e programademissão voluntária (PDV). Os terceirizados, porvez, passaram132 mil a 100 mil.
A reestruturação é fortemente criticada pela entidade que representa os trabalhadores, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), que estágreve desde quarta-feira.
A FUP critica a faltamecanismos na políticapreços que protejam o consumidor brasileiro e afirma que a estatal vem sendo administrada para atender exclusivamente aos interesses do mercado.
"O alinhamento internacional dos preçosderivados faz parte do desmonte da Petrobras. O objetivo é privatizar as refinarias, os dutos e terminais, assim como já ocorreu com os campos do pré-sal (referência ao projetodesobriga a empresaser operadora única dos campos), gasodutos, subsidiárias, entre dezenasoutros ativos estratégicos da estatal", diz a entidadecarta aberta divulgada no último dia 25.
Choque externo e 'erroavaliação'
Até o início deste ano, o cenário internacional vinha ajudando Pedro Parente.
Há alguns meses, contudo, a trajetória dos dois preços que determinam o valor do combustível ficou cada vez mais desfavorável para os consumidores brasileiros.
O petróleo, depoisdois anosmínimas recordes, vem ficando mais caro desde junho2017. De US$ 30 no início2016, o barril atingiu US$ 80 neste ano.
O dólar, porvez, tem ficado mais caro diante do aumento dos juros nos Estados Unidos - à medida que ele eleva a rentabilidade dos ativos americanos, considerados mais seguros, estimula a saídadólaresmercados como o Brasil.
A combinação dos dois fatores e da possibilidadereajuste diário dos preços, vigente há um ano, fez com que os preços explodissem. Na semana que antecedeu a paralisação dos caminhoneiros, a gasolina e o diesel sofreram altas por cinco dias consecutivos.
A adoçãoreajustes diários, para Moutinho, da USP, tinha "um quêsimbolismo". "Tratava-sepassar uma mensagem ao mercadocapitaislongo prazoque o governo renunciava à manipulação da estatal como instrumentopolítica pública com caráter mais populista", ele afirma.
O especialista faz uma crítica, entretanto, à forma como Parente se colocou diante do problema da escaladapreços.
"Talvez aqui tenha sido o descuido e,certa forma, a perdasensibilidade do governo e da Petrobras, e tambémParente,relação ao tamanho do choque que se produziu no mercado internacional do petróleo".
O choque externo, ele pondera, encontrou um país e uma economiacondições muito desfavoráveis para absorver seus impactos negativos.
"O tamanho da crise surpreendeu a todos. No entanto, os sinais que foram emitidos teriam permitido uma rápida gestãocrise e a introduçãomedidasflexibilização que talvez tivessem permitido evitar o atual caos."
Calabi, que destacaParente o "esforçoracionalizaçãorecursos, quer públicos ou privados", concorda que o engenheiro "talvez tenha ficado muito restrito à regra que propôs".
O ex-secretárioFazenda do EstadoSão Paulo é favorável à paridade com os preços internacionais, mas defende os esforços para amenizar a volatilidadepreços, com reajustes mais periódicos.
Para ele, essa é uma questão que vai além do fatoa Petrobras ser estatal, que se colocaria ainda que ela fosse privatizada - proposta, aliás, com a qual não concorda.
"Toda empresa, mesmo privada, tem suas responsabilidades sociais e políticas."
Para Moutinho, entretanto, o erroavaliação não justificava os pedidosdemissão que vinham sendo feitos por parlamentares. Para ele, Parente era "a melhor pessoa para buscar caminhossaída da atual crisecurto prazo sem sacrificar completamente ou essencialmente as estratégiasmédio e longo prazo que estavam previstas".
"Ele continua sendo o melhor gestorcrises que o país dispõe", afirmou Moutinho três dias antesParente pedir demissão.