'Oportunidade' ou 'ação indefensável'? Intervenção federal divide ex-secretáriosblaze cassino appsegurança do Rio:blaze cassino app

Militares participamblaze cassino appoperaçãoblaze cassino appSão Gonçalo, região metropolitana do Rio

Crédito, EPA

Legenda da foto, Militares participamblaze cassino appoperaçãoblaze cassino appSão Gonçalo, região metropolitana do Rio; trêsblaze cassino appquatro ex-secretáriosblaze cassino appsegurança do Rio apontaram para caráter paliativo da medida

O que representa e que mudanças podem trazer a figurablaze cassino appum "interventor" militar, pairando sobre o poder civil desempenhado pelo gestor da Secretariablaze cassino appEstadoblaze cassino appSegurança (Seseg), e com responsabilidade sobre as forçasblaze cassino apppolícia estaduais, federais e militares?

Para Marcelo Itagiba, delegado aposentado da Polícia Federal, a natureza do cargo lhe dá um poder maior do que tiveram os secretários - o que pode se traduzirblaze cassino appmaior liberdadeblaze cassino appação.

"Acho que ele tem uma independência para poder gerir a máquina da segurança pública sem as ingerências políticas que podem prejudicar seu trabalho", diz Itagiba, que foi secretário durante parte do governo Rosinha Garotinho, entre 2004 e 2006, e deixou o cargo para se candidatar a deputado federal (na legislaturablaze cassino app2007 a 2011).

Por não estar vinculado a partidos, ter sido nomeado por um decreto presidencial e estar descolado das forças políticas que compõem a base ou a oposição política ao governo estadual, o interventor seria muito menos poroso a pressões dos caciques locais por nomeações e cargos.

"Na condiçãoblaze cassino appinterventor, ele vai ter muito mais liberdade para agir e condiçõesblaze cassino appse articular melhor com as Forças Armadas no combate à criminalidade", opina Itagiba.

Marcelo Itagiba, delegado aposentado da Polícia Federal
Legenda da foto, Marcelo Itagiba: 'Acho que ele (o general Walter Braga Netto) tem uma independência para poder gerir a máquina da segurança pública sem as ingerências políticas que podem prejudicar seu trabalho' | Foto: Câmara dos Deputados

Para Roberto Aguiar, entretanto, que comandou a pasta durante nove meses, no breve governoblaze cassino appBenedita da Silva, o interventor não tem condiçõesblaze cassino apppromover mudanças estruturais, sendo parteblaze cassino appum "espetáculo" criado pelo presidente Michel Temer.

"Ele (General Braga Netto) foi colocado nesse grande esquema e vai tentar apresentar alguns atos espetaculosos, mas não vai ter condiçõesblaze cassino appimplementar mudanças. Porque não há um grande processoblaze cassino appreflexão por trás da intervenção, buscando soluções para além das ações já corriqueiras da polícia", considera.

Para Aguiar, que foi secretárioblaze cassino appSegurança Pública tambémblaze cassino appBrasília, alémblaze cassino appreitor e professor da Universidadeblaze cassino appBrasília (UNB), a intervenção é uma manobra políticablaze cassino appTemer diante da "impossibilidade"blaze cassino appaprovar a Reforma da Previdência. Assim, o presidente optou por promover uma "substituiçãoblaze cassino appprioridades", na qual colocou a pauta da segurança nos holofotes da agenda governamental.

"Com isso, implementaram uma medida que traz grandes indefinições. Não se sabe como vai ser aplicada, quais são os limites, quem vai aplicar", afirma Aguiar. "Comandos abstratos não funcionam. Comandos precisam ser operacionais."

'Improviso'

Para Luiz Eduardo Soares, não há como avaliar eventuais benefíciosblaze cassino appuma medida que já nasce "indefensável". Para ele, a intervenção tem uma sérieblaze cassino appcontradições internas e foi lançadablaze cassino appmaneira improvisada, sem um planoblaze cassino appação concreto e desconsiderando experiências pregressasblaze cassino appações militares que "não trouxeram resultados".

Soares foi subsecretárioblaze cassino appSegurança Pública durante o governo Anthony Garotinho, entre 1999 e 2000, ocupando à época o cargoblaze cassino appCoordenadorblaze cassino appSegurança, Justiça e Cidadania, e secretário nacionalblaze cassino appsegurança pública no início do governo Lula,blaze cassino app2003. Ele diz que a adoçãoblaze cassino appoperações urbanas com as Forças Armadas, autorizados por decretosblaze cassino appGarantiablaze cassino appLei e da Ordem (GLOs), deixaram claro que uma "ocupação militar" não resolve os problemasblaze cassino appsegurança do Rio.

"Sempre que as tropas se retiraram dos territórios, os problemas retornaram, até com intensidade maior", diz o sociólogo, reverberando as palavras do próprio ministro Wellington Moreira Franco (Secretaria-Geral), queblaze cassino appentrevista à Folhablaze cassino appS. Paulo nesta semana admitiu que as GLOs não tiveram resultado - defendendo, portanto, a ampliação da ação com a intervenção federal.

Militares e um tanque próximo a casas no Rio

Crédito, EPA

Legenda da foto, Com intervenção federal na segurança do Rio, Comando Militar do Leste passa a ter responsabilidade sobre as forçasblaze cassino apppolícia estaduais

Para Soares, a decisão ignora a resistênciablaze cassino appcomandantes do próprio Exército às experiências com GLOs, temerosos não apenas pelo eventual desgaste da imagem das Forças Armadas no casoblaze cassino appações resultaremblaze cassino appferimentos ou mortesblaze cassino appcivis, como também pela exposição dos soldados a riscos físicos e a um possível envolvimento das tropas com práticasblaze cassino appcorrupção.

"O combate ao crime organizado exige investigações, inteligência, um longo trabalhoblaze cassino appamadurecimento. Isso não está no horizonte da intervenção, que é federal, masblaze cassino appnatureza militar. Seu comandante supremo tem função definida como estritamente militar", afirma, considerando que isso gera incoerências, por exemplo, com a Polícia Civil, a quem cabem as investigações.

"O fatoblaze cassino appque a polícia que investiga seja civil tem significado. O universo civil exige organização, hierarquia, mas pressupõe autonomiablaze cassino appseus membros e a possiblidadeblaze cassino appdissenso, inclusive nos trabalhos investigativos. E isso não existe na ordem militar."

'Um passinho'

O delegado federal aposentado Roberto Precioso Júnior, sucessorblaze cassino appMarcelo Itagiba na secretaria no período final do governoblaze cassino appRosinha Garotinho,blaze cassino app2006, considera a intervenção "válida" diante da deterioração da situaçãoblaze cassino appsegurança no Rio.

"Acho que é um passinho. Qualquer iniciativa para melhorar e sair dessa situação que estamos vivenciando é válida. Deve melhorar alguma coisa. Mas resolver, não vai. É paliativo."

Para Precioso, diante do problemablaze cassino appviolência "que vem se arrastando no Rio há décadas", são necessárias mudanças radicais para "transformar" o sistemablaze cassino appsegurança no Estado e responder a uma situação que só se torna mais desafiadora. Ele insiste na necessidadeblaze cassino appmudanças estruturais no sistemablaze cassino appsegurança desde 2006, quando estava na secretaria.

"O que o governo não conseguiu fazer, o PCC (Primeiro Comando da Capital) está fazendo agora. Eles se coordenaram, se organizaram e conseguiram criar uma política nacional, até internacional, atuando no Brasil e na América Latina. Cresceram e assumiram o papel que o sistemablaze cassino appsegurança não conseguiu assumir."

Roberto Aguiar, que foi secretárioblaze cassino appSegurança do Rio por nove meses
Legenda da foto, Roberto Aguiar, secretárioblaze cassino appSegurança do Rio por nove meses, destaca a importânciablaze cassino appmudanças estruturais que possam ir alémblaze cassino appaçõesblaze cassino apppolícia | Foto: Arquivo pessoal

Como vantagem da intervenção, ele considera que o general Walter Braga Netto terá mais condiçõesblaze cassino appcoordenar as diferentes forçasblaze cassino appsegurançablaze cassino appcomparação a um secretário estadual, já que centralizará o comandoblaze cassino apptodas as forças repressivas. "Isso começa a corrigir ao menos uma deficiência crônica do sistema" - a faltablaze cassino appintegração e sinergia entre as corporações.

No ano passado, por exemplo, quando as Forças Armadas começaram a reforçar a segurança no Rio, as ações foram marcadas por desencontros na comunicação. Além disso, a estrutura policial dividida entre a Polícia Militar, responsável pelo policiamento ostensivo, e a Polícia Civil, pelas investigações, são um desafioblaze cassino applonga data para um sistemablaze cassino appsegurança integrado.

A saída, no entanto, não será uma panaceia, prevê Precioso. "Temos que batalhar sistematicamente ao longoblaze cassino appduas ou três gerações para ver alguma melhorablaze cassino apptermosblaze cassino appcriminalidade. Mas, pelo menos estão procurando fazer alguma coisa, e tomaram uma medida radical, o que era necessário."

'Bandido precisa sentir a mão pesada do Estado'

Em contraste com a reticência dos outros ex-colegas, Marcelo Itagiba considera que a intervenção federal era necessária e "foi aquém do que deveria ser", defendendo que o efeito da medida se estendesse às outras áreas da administração do Rio.

"O que levou a essa situação não foi a segurança públicablaze cassino appsi, mas a estrutura governamental como um todo. Você tem um ex-governador preso e condenado (Sérgio Cabral), e um governador (Luiz Fernando Pezão) investigado. Essa estrutura corroída do Estado nos leva a essa necessidadeblaze cassino appintervenção. Deveria ter sido completa. Vamos botar o Rioblaze cassino appordem", diz.

Delegado federal aposentado e atualmente suplenteblaze cassino appdeputado federal pelo PSDB, Itagiba considera que a primeira providência da intervenção precisa ser dar os meios e condiçõesblaze cassino apptrabalho para as forçasblaze cassino appsegurança - que vêm sofrendo após um longo períodoblaze cassino appcortesblaze cassino apprecursos, com salários atrasados, viaturas sucateadas e delegacias "abandonadas".

Itagiba afirma que a intervenção é uma "oportunidade"blaze cassino appadotar uma medida que sempre defendeu e buscou implementar: a criaçãoblaze cassino appuma força-tarefa reunindo agentes destacados da Justiça, do Ministério Público, além das polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil, Militar e das Forças Armadas.

Mãe dá banho no filho na rua, pertoblaze cassino appum militar armado

Crédito, EPA

Legenda da foto, Especialistas debatem bordão sobre a segurança no Rio que diz não ser possível fazer um omelete sem quebrar ovos - o que indica os custos humanos da cruzada do Estado contra o crime

Perguntado sobre o temorblaze cassino appque a açãoblaze cassino appmilitares exponha moradoresblaze cassino appfavelas do Rio a mais violência, Itagiba afirma que as operações devem ser feitas por grupos especialmente treinados para que não haja "efeitos colaterais".

"Intervenções cirúrgicas. Vai lá, extirpa o câncer e vamos embora", descreve. "Claro que a cidade está preocupada com a vida das pessoas, eu também estou. Mas não podemos permitir que essas comunidades estejam submetidas a pessoas armadasblaze cassino appfuzil", diz.

"Você não faz um omelete sem quebrar os ovos. O bandido precisa sentir que existe uma mão pesada do Estado. Ele não pode acuar a sociedade e o Estado. Ele tem que temer a polícia, e não a sociedade temer sairblaze cassino appcasa com medoblaze cassino appser assaltada e morta", afirma.

Fins e meios

A afirmaçãoblaze cassino appque não se faz um omelete sem quebrar os ovos tem sido recorrente para justificar as mais diversas medidas na gestão da segurança pública do Rio ao longo das últimas décadas, diz o sociólogo Luiz Eduardo Soares. Com a intervenção federal, ele teme que a ideia volte a ganhar força ou mesmo venha a ser naturalizada.

"A ideiablaze cassino appque, para o fim visado, você pode instrumentalizar a vida humana, sacrificar vidas, é absolutamente inconstitucional e autoritária. Mas agora virou bandeira explícita. Por todos os cantos, há gente saindo do armário. Sabemos quem paga esse preço", diz, referindo-se aos moradores das áreas mais pobres do Rio. "Estamos normalizando o desprezo à dignidade."

O sociólogo Luiz Eduardo Soares
Legenda da foto, 'A ideiablaze cassino appque, para o fim visado, você pode instrumentalizar a vida humana, sacrificar vidas, é absolutamente inconstitucional e autoritária', diz Luiz Eduardo Soares | Foto: Divulgação

Tanto Soares quanto Roberto Aguiar ressaltam que há uma incompatibilidade da missão das Forças Armadas com as atribuiçõesblaze cassino apppoliciamento urbano.

"A missão das Forças Armadas é a defesa do país, do território nacional, e não a vigilância da cidade. A formação e o treinamento são completamente diferentes", frisa Aguiar. "Sinto que estamos vendo mais uma ilusão ser vendida. E com uma ilusão, temos uma grande chanceblaze cassino appnos decepcionarmos."

Para Soares, a medida podeblaze cassino appfato trazer uma melhora ao longo dos próximos meses - ao menos perante a opinião públicablaze cassino appuma maneira geral. Já nas favelas, o momento éblaze cassino apptensão e medo diante da possibilidadeblaze cassino appoperações, especialmente após as declarações do ministro da Defesa Raul Jungmannblaze cassino appque poderiam ser pedidos mandadosblaze cassino appbusca e apreensão coletivos.

"Pode ser que a saturação na presençablaze cassino appsoldados e esse maior poderblaze cassino appfogo provoque um deslocamentoblaze cassino apptraficantes, como vimos no início das UPPs (Unidadesblaze cassino appPolícia Pacificadora). Por que isso não seria bom? Basta olhar para o passado. Já fizemos isso antes, e quando recuamos, o problema volta, intensificado. Intervenção não é política pública", diz Soares.

Gentileza

Garoto joga bola, que vaiblaze cassino appdireção a militar

Crédito, Reuters

Legenda da foto, De quatro ex-secretários consultados pela BBC Brasil, dois são terminantemente contra a intervenção, enquanto outros dois a veem como 'necessária' no momento atual

Roberto Aguiar considera ter tido sorte à frente da Secretariablaze cassino appSegurança Pública, tendo permanecido no cargo por apenas nove meses e encontrado apoioblaze cassino appcentrosblaze cassino apppesquisa, cientistas, universidades, com os quais diz ter conseguido implementar cursos para aprimorar o treinamentoblaze cassino app24 mil policiais militares.

"Tínhamos esperançasblaze cassino appfazer um treinamento brutalblaze cassino apptodas as forças policiais, no sentidoblaze cassino apphumanizá-las. Humanizar não significa tornar bobocas, mas sim tornar mais técnicas, introduzindo novas formasblaze cassino appagir e tentando estabelecer algo que parece banal, mas não é: o mínimoblaze cassino appgentileza", diz.

Para Aguiar, "atos espetaculosos" com expectativablaze cassino appresultados imediatos não vão conter a violência.

"O pobre do interventor federal vai ter um problema. Vão querer que ele resolva as coisas imediatamente e ele não vai conseguir. É um processo."

Para Aguiar, manter ativas as pontes com instituições da sociedade civil especializadasblaze cassino appsegurança é fundamental para buscar soluções e desenvolver ações no setor. Ele lamenta que a intervenção federal tenha vindo sem realizar essa articulação.

"Nós perdemos a capacidadeblaze cassino appreunir as pessoas. Reunirblaze cassino appprol da cidadania. Precisamos dar condições para que as pessoas nos ajudem e nós ajudemos as pessoas. E não que nós sejamos uma mãoblaze cassino appferro tentando corrigir a sociedade."