Aparelho vendido no Paraguai troca IMEI, engana Anatel e faz celular roubado ficar 'novo':
Nesta terça-feira, uma mulher ofereceu 14 celulares "semi-novos"um grupo fechado para venda e trocacelulares no Facebook, com 248 mil membros.
Desbloqueio
Mas, antestudo, o aparelho precisa estar funcionando plenamente.
Fabricado na China e na Coreia do Sul, o desbloqueadorIMEI apaga a identificação do aparelho registrado no CadastroEstações Móveis Impedidas (Cime), da Anatel (Agência NacionalTelecomunicações). Isso "engana" o sistema das empresastelefonia e faz o aparelho ser reconhecido como válido e efetuar ligações e acessar a internet normalmente.
Esse desbloqueador foi proibido no EstadoSão Paulo há três anos. Mas,entrevista à BBC Brasil, o delegado titular da DelegaciaCybercrimes do DepartamentoInvestigações Criminais (Deic), José MarianoAraújo, disse que os criminosos brasileiros passaram a compram o aparelho no Paraguai. Cada um custa cercaUS$ 350 - o equivalente a R$ 1150.
O delegado do Deic diz que hoje apenas dois modeloscelular são imunes ao desbloqueio do IMEI: o iPhone X, fabricado pela Apple, e o Galaxy S8, da Samsung. Com um aparelho dessesmãos, só resta aos assaltantes tentar desmontá-lo e vender suas peças.
José Araújo, que também é professorcybercrimes e Direito Eletrônico da Academia da Polícia CivilSP, diz que essa barreira é apenas uma questãotempo para os criminosos. Como a atualização do desbloqueador é feita online, quando um hackerqualquer parte do mundo conseguir quebrar o código para destravar o IMEI do iPhone X, por exemplo, todos os desbloqueadores do mundo também poderão ter acesso à função.
Questionada pela BBC Brasil, a SecretariaSegurança PúblicaSão Paulo não informou quantos celulares foram roubados durante o carnaval. Mas segundo o delegado, o númeroocorrências cresceu.
"Estamos vendo uma reedição do roubo e furtoautomóveis. É como pegar uma BMW novinha, descobrir uma que deu perda total, implantar o chassi dela na roubada e está lá a mesma situação (legal). Tem celular roubado, com IMEIcelulares antiguíssimos, rodando normal", explica o delegado.
No dia 12 deste mês, a polícia prendeu um porteiro45 anos e uma moradora do prédio onde ele trabalha,27 anos, sob suspeitaparticiparemum esquemaroubocelulares no CarnavalSão Paulo. Com eles, foram apreendidos 300 aparelhos. Na semana anterior, outro grupo fora detido com 32 smartphones.
Em São Paulo, a Polícia Militar reforçou a segurança com 7.504 policiais a mais nas ruas durante o Carnaval. No período, 8.843 pessoas foram abordadas, 31 presas e 4 menores apreendidos na capital. Em 2017, 4.127 celulares foram recuperadosocorrênciasreceptação.
Por que não bloquear dois celulares com o mesmo IMEI?
A Anatel já fez anúnciosque bloquearia o IMEIcelulares piratas - sem o registro ou com a numeração repetida. A mais nova previsão é que a medida seja adotada a partirmaio2018, no Distrito Federal e Goiás.
Para o delegado do Deic, essa é uma das medidas mais importantes para evitar os rouboscelulares.
O delegado explica que o Brasil não exigiu que cada celular tivesse um IMEI diferente quando começou a registrar os aparelhos roubados no CadastroEstações Móveis Impedidas (Cime). Isso possibilitou que um registro fosse usadodiferentes celulares.
"Chega um aparelho da China aqui com um IMEI que nem existe e funciona. Fora isso, existe também uma configuração padrãoIMEI para testesoperadoras, que são usadas pelos fraudadores e aparecem dezenasvezes", conta José Araújo.
Segundo ele, a Anatel tem quer permitir que apenas aparelhos homologados funcionem nas redestelefonia o mais rápido possível. "Mas as operadoras não têm nenhum interesse nisso porque o que elas querem é aumentar amassaassinantes", diz.
Ele diz isso porque, caso os IMEIs piratas ou duplicados fossem bloqueados, a maior parte dos celulares importados da China deixariafuncionar no Brasil por conta das identificações repetidas. Isso forçaria todos os brasileiros a usarem aparelhos nacionais e afetaria diretamente a quantidadeassinantes das operadoras.
O delegado do Deic ainda sugere que todos os celulares fabricados tenham um númerofábrica cravadosuas peças, como nos chassiscarros.
"Isso viabilizaria a gente saber a origem das peçascada aparelho ao analisá-lo, alémevitar a venda das peças. Mas as fabricantes também não estão interessadas porque isso aumenta o custoprodução", explica Araújo.
Procurada pela reportagem da BBC Brasil, a Anatel não disse por que ainda não bloqueia IMEIs repetidos nem confirma quando adotará a medida.
Desova no Facebook
As "feiras do rolo", como são conhecidos os comércios ilegaisrua onde são vendidos produtos falsos ou roubados, agora migraram para a internet.
A maior parte desses grupos fechados e secretos está no Facebook e alguns são destinados exclusivamente ao comérciocelulares. A ideia inicial eraque os usuários pudessem vender aparelhos antigos ou com pequenos defeitos, mas criminosos estão aproveitando a plataforma para desovar os aparelhos roubados.
A reportagem da BBC Brasil teve acesso a mais10 grupostroca e vendacelulares na rede social. Em alguns deles, pessoas vendiam até cinco aparelhos diferentes e faziam pacotes - um usuário vendia três celulares por R$ 800. Um sinal forteirregularidade, segundo o delegado.
José Araújo eequipe do Deic investigam há maisum ano os grupos criminosos que desovam celulares nas redes sociais. Diversos suspeitos foram identificados, mas nenhum foi preso.
"A infiltração virtual é muito complexa. Os criminosos agem como um exército e se blindam. É muito difícil conquistar a confiançaalguém pela internet. Assim que o cara desconfiavocê, bloqueia na hora", diz o delegado.
Ele culpa redes sociais como o Facebook por dificultar o trabalho policial.
"Se nos mostrarem uma feira do rolo, eu mando uma equipe e a gente combate, mas na internet eu não tenho informação. As empresas que deveriam ajudar não vão porque elas têm que provar que possuem um ambiente seguro, não importa se o usuário é um criminoso ou não. Elas deveriam me dar acesso para trabalhar e investigar, mas não dão. Quer uma polícia eficiente que trabalhe com segurança ou preservar o anonimatocriminosos?", afirma o delegado.
Procurado, o Facebook informou que os "padrões da comunidade proíbem o uso do Facebook para praticar atividades criminosas, como as que causem danos financeiros a pessoas ou negócios". Diz ainda que "remove qualquer conteúdo desse tipo assim que fica ciente e fornece às autoridades os dados requisitados seguindo a legislação".
Como sei que um celular é roubado?
O delegado do Deic aponta a receptação como o principal combustível que impulsiona os roubos e furtoscelulares. Mas muitas vezes o comprador tem boas intenções ao participarum grupotrocas nas redes sociais e não sabe identificar se um aparelho é roubado.
O delegado do Deic diz que a principal dica para não colaborar com crime é aplicar os mesmos conhecimentos usados ao comprar um carro quando adquirir um celularoutra pessoa.
"O produto tem documentação ou nota fiscal? O aparelho tem o IMEI bloqueado? Eu recomendo que ainda que marque um encontro com o vendedor num local públicogrande movimentação para avaliar o aparelho pessoalmente. Vá acompanhado, ligue o aparelho, veja se a conta do iTunes da Play Store estão bloqueadas, leve um chip para testá-lo e coisa do tipo", recomenda o delegado.
Mas para ele, enquanto IMEIs repetidos forem permitidos e a comercialização indevida for possível por meio das redes sociais e até mesmolojas que fazem manutençãoaparelhos, todas as outras ações serão apenas para "enxugar gelo".