'É loucura dizer que pobre não tem hábito alimentar', diz embaixador da ONU contra a fome e 'pai' do Slow Food:jogos recentes

Carlo Petrini discursa
Legenda da foto, Italiano defende há quase 30 anos um sistema mais justojogos recentesprodução e consumojogos recentesalimentos | Foto: Divulgação

"Dizer isso é uma loucura. Esse é um prefeito muito, muito limitado", afirmou Petrini à BBC Brasil.

"Conheço pobres da África e da América Latina que têm uma grande consciência alimentar, uma cultura alimentar muito mais importante que a desse prefeito. Conheço pobres no campo que têm um conhecimento incrível sobre as matérias primas e que comem muito bem."

A Prefeiturajogos recentesSão Paulo afirmou que as críticas são "lamentáveis" por se basearemjogos recentesinformações superficiais e incompletas" (leia nota completa ao final desta reportagem).

João Doria apresenta a farinata ao ladojogos recentesDom Odilo Scherer, arcebispojogos recentesSP

Crédito, AFP

Legenda da foto, Prefeitojogos recentesSão Paulo anunciou que composto alimentar será distribuído como partejogos recentesplanojogos recenteserradicação da fome

Petrini evitou criticar a farinata diretamente. "Não conheçojogos recentesqualidade, como é produzida, se é feita só produtos que iam para o lixo". Mas,jogos recentesseguida, questionou se é possível comer o composto "em um restaurantejogos recentesqualidade daqui".

Diante da negativa, retrucou: "Por que não? Por que os ricos não podem comer? E os pobres precisam comer isso? Não se resolve a fome com produtos que iam para o lixo".

Petrini conversou com a reportagemjogos recentesuma conferênciajogos recentesgastronomia na região centraljogos recentesSão Paulo, onde estava para apresentar a edição brasileira da Arca do Gosto, projeto criado porjogos recentesONG para catalogar ingredientes únicosjogos recentescada culinária.

Ele ainda participará neste domingojogos recentesum jantar beneficente elaborado por chefs renomados para destacar ingredientes nativos do país ameaçadosjogos recentesextinção e do lançamentojogos recentesum documentário.

"Hoje, se tem essa ideia ruimjogos recentesque a gastronomia é para ricos. Não acredito isso. A gastronomia é para todos, é o patrimônio alimentarjogos recentescada país."

Comida boa, limpa e justa

O italianojogos recentes68 anos é jornalista e sociólogo, mas é seu ativismo que o distingue.

Foijogos recentesum protestojogos recentes1986 contra uma loja da rede McDonald'sjogos recentesRoma, aos pés da Escadaria Espanhola, um dos pontos mais visitados da cidade, que tudo começou. Três anos mais tarde,jogos recentescontraponto à tendência do fast-food ("comida rápida",jogos recentesinglês), seria oficialmente fundado o movimento Slow Food ("comida lenta").

Apesar do nome, não se trata exatamentejogos recentescomer sem pressa, masjogos recentesdesacelerar a produção e o consumojogos recentesalimentos, fortalecendo produtores locais e gerando menos impacto ao meio ambiente, ejogos recentesfazer comida "boa, limpa e justa", como diz o lema da organização, que tem 100 mil membrosjogos recentes160 países.

Esse trabalho conferiu a ele honras como ser eleito pelo jornal britânico The Guardian como uma das 50 pessoas que podem salvar o planeta e o prêmio Campeão da Terra, o mais importante na áerea ambiental conferido pela ONU, para a qual Petrini atua desde o ano passado no combate à fome na Europa como embaixadorjogos recentessua agência para agricultura e alimentação, a FAO.

Agricultor no Paraná
Legenda da foto, Para ministros do G7, Petrini defendeu ser preciso proteger o pequeno e médio produtor rural | Foto: ANPr

Foi com essa autoridade que ele discursou para ministros da agricultura do G7, o grupo das sete maiores economias do mundo,jogos recentesuma reuniãojogos recentesBergamo, na Itália, há cercajogos recentesdez dias. Ele defendeu para os governosjogos recentesCanadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos que eles tenham um ministério dedicado à alimentação.

"Hoje, há ministério para agricultura, mas isso é só uma parte da alimentação, que é fruto do trabalhojogos recentesmuitas pessoas. É uma ciência holística que envolve também pescadores, artesãos, antropólogos, historiadores, economistas, cozinheiros. Precisajogos recentesum ministério especial", disse à BBC Brasil.

Petrini defendeu ainda que o livre-comércio não é possível se não houver uma proteção especial para os 500 milhõesjogos recentespequenos e médios produtores do planeta. "Os pequenos produtores não têm capacidadejogos recentescomprar apoio político nemjogos recentesfazer lobby como as multinacionais, e são eles que fornecem 75% dos alimentos da humanidade."

Uma pesquisa da Transparência Internacional mostrou que mais da metade do Congresso brasileiro foi eleitojogos recentes2014 com doaçõesjogos recentesempresas da indústriajogos recentesalimentos - um ano depois, o financiamentojogos recentescampanhas por empresas acabou proibido pelo Supremo Tribunal Federal. Foram ao todo R$ 500 milhões, três vezes mais do que nas eleiçõesjogos recentes2010.

"Não é correto um conceitojogos recenteslivre-comércio que defende apenas os interessesjogos recentesquem produz 25% da comida no mundo", disse Petrini.

'Ato político'

A Slow Food busca fazer issojogos recentesforma mais intensa desde que criou a redejogos recentesprodutores Terra Madre,jogos recentes2004, o que, segundo seu fundador, levou um movimento até então bastante restrito aos países mais ricos às regiões menos desenvolvidas na Ásia, África e América Latina.

É esse conceito que também está na mente do italiano quando ele defende que "comer é um ato político". "Se escolho produtosjogos recentesmultinacionais, favoreço essa realidade insustentável atual."

Mas todas as grandes corporações são alvosjogos recentessuas críticas? "A maioria. Há empresas virtuosas, que pagam bem os produtores e agemjogos recentesforma sustentável, mas a maioria trabalha com o paradigma da quantidade e não da qualidade."

Diante dos argumentosjogos recentesque a produção agropecuáriajogos recentesmassa é necessária para alimentar os 7,6 bilhõesjogos recenteshabitantes do mundo, Petrini garante que isso "não é verdade".

"Essa é uma ideiajogos recentesuma economia doente. Hoje, produzimos comida suficiente para 12 bilhõesjogos recentespessoas, mas 35% vai para o lixo. Isso é ridículo e vergonhoso. A primeira coisa que temosjogos recentestrabalhar é o desperdício", defende.

Refugiados rohingya

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Númerojogos recentespessoas com fome no mundo deve aumentar por causajogos recentesconflitos e terrorismo, diz Petrini

Ele também rejeita críticasjogos recentesque o estímulo aos cultivos orgânicos e familiares é elitista, porque seus produtos são mais caros do que os tradicionais.

"Na Itália, era mais caro no início, mas, depois que a produção aumentou, o preço caiu. Ainda custa mais do que o outro, sempre vai ser assim, mas é uma questãojogos recentessaúde: gasto mais com a comida e economizo com remédios."

Petrini argumenta ainda que a crítica do desperdício "vale para todos", inclusive para as "classes mais baixas". Dá como exemplo a praçajogos recentesalimentaçãojogos recentesum shopping que visitou no Brasil, um lugarjogos recentesuma "tristeza infinita",jogos recentessuas palavras. "Paga-se muito pouco, come-se muito mal e há muito desperdício, justamente porque é tão barato", disse.

"A comida perdeu o valor nos últimos 50 anos. Precisamos pagar um pouco mais pela comida para compensarjogos recentesforma justa o produtor. Hoje, isso não acontece, e, assim, a categoria que mais passa fome no mundo é ajogos recentesagricultores."

Moqueca, bobó e feijoada

Petrini diz que o contingentejogos recentespessoas que passam fome no mundo deve aumentar. Ele acompanha o levantamentojogos recentesdados da FAO e afirma que, dos 815 milhões atuais, deveremos passarjogos recentes850 milhões no próximo ano por causajogos recentes"guerra, terrorismo e miséria".

Na América Latina, o númerojogos recentespessoas nessa situação cresceu 6% no ano passado,jogos recentesacordo com dados da ONU, passando para 42,5 milhõesjogos recentespessoas, ou 6,6% dos habitantes da região, enquanto o Brasil manteve o índice abaixojogos recentes2,5% dos seus 207,7 milhõesjogos recenteshabitantes.

Ao mesmo tempo, vem aumentando no mundo o númerojogos recentespessoas com sobrepeso ou obesas. Divulgadosjogos recentesjaneiro, os dados mais recentes da FAO mostram que 20% da população brasileira estava obesajogos recentes2014 - eram 17,8% quatro anos antes - e 54% estava acima do peso, enquanto na América Latina um terço dos adolescentes e dois terços dos adultos enfrentavam esses problemas.

No mundo, há 700 milhõesjogos recentesobesos, segundo um estudo publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine, o qual apontou que a prevalência desse mal mais do que dobroujogos recentes73 países desde 1980.

Carlo Petrini emjogos recentescasa
Legenda da foto, Petrini diz comer cada vez menos carne preocupado com o consumo excessivo desse alimento no mundo | Foto: Divulgação

Entre os motivos, está o aumento do consumojogos recentesalimentos hipercalóricos com baixo valor nutritivo. Dados da consultoria Euromonitor, mostram que, entre 2011 e 2016, aumentoujogos recentes25% a vendajogos recentesprodutos industrializados ejogos recentes30% o consumojogos recentesfast-food.

"São duas faces do mesmo problema", diz Petrini. "Talvez fosse melhor o prefeitojogos recentesSão Paulo dar aquele alimento a essas pessoas (os obesos)."

No âmbito pessoal, o italiano conta que reduziu seu consumojogos recentescarnejogos recentes60% nos últimos cinco anos, preocupado com o consumo excessivo desse tipojogos recentesalimento no mundo, especialmentejogos recentespaíses desenvolvidos. Segundo dados da FAOjogos recentes2015, a média global éjogos recentes41,3 kg, enquanto,jogos recentesnações industrializadas, chega a 95,7 kg.

Mas ele não advoga necessariamente pelo vegetarianismo oujogos recentesvertente que exclui todo produtojogos recentesorigem animal, o veganismo. "É uma escolha pessoal. O mundo não é uma Igreja Católica. Cada um age como quiser."

E não vê com bons olhos o costumejogos recentesse alimentar pensando apenas no viés nutricional, um comportamento que, se exagerado, pode ser caracterizado como um distúrbio alimentar, a ortorexia.

"É uma ideia redutiva do valor da alimentação. Ao nascer, somos alimentados por nossas mães. É um atojogos recentesamor que nos permite viver. É até mesmo espiritual, porque,jogos recentestoda religião, a ligação do homem com o divino passa pelo alimento."

E quais são seus pratos brasileiros preferidos? "A moqueca e o bobó", conta ele. "E farofa. Com feijoada, é o casamento perfeito."

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Após a publicação desta reportagem, a Prefeiturajogos recentesSão Paulo enviou a seguinte nota à BBC Brasil:

É lamentável que intelectuais e especialistas critiquem algo com basejogos recentesinformações superficiais e incompletas. Mais reprovável é quando um veículojogos recentesimprensajogos recentesprestígio publica estas críticas sem a devida contextualização. Foi o que aconteceu com a reportagem publicada pelo serviço brasileiro da BBC com basejogos recentesentrevista do italiano Carlo Petrini. Sem conhecer a dinâmica dos acontecimentos, Petrini atacou o prefeitojogos recentesSão Paulo - usando-se, para isso, maisjogos recentesfrasesjogos recentesefeitos do que argumentos.

Para que os leitores da BBC entendam o real contexto dos fatos, e possam fazer um juízo adequado tanto das críticas do italiano quanto dos acontecimentos, é preciso esclarecer que:

1. Ao usar a frase relativa aos "hábitos alimentares", tanto no programa televisivo quanto recentemente, o prefeitojogos recentesSão Paulo quis dar ênfase ao drama das pessoas que passam fome e que precisamjogos recentessoluções urgentes. Por uma questãojogos recenteslógica elementar, somente tem hábito alimentar quem consegue comer - e quem não consegue sofre os malefícios da fome. O prefeito não se referiu a pobres que comem, mas a pessoas que passam fome, uma conclusão óbvia.

2. A farinata não será distribuída como substitutojogos recentesalimentos naturais. O produto, fabricado por uma entidade não-governamental com aval da Igreja Católica, foi incluído como uma possibilidadejogos recentesreaproveitamentojogos recentesalimentos próximos à datajogos recentesvencimento. A farinata seria, então, usada como suplemento alimentar. Antes, no entanto,jogos recentesqualquer eventual distribuição do produto, ainda serão necessários estudosjogos recentescomo isso será feito.

3. A discussão sobre a farinata surgiu dentro da criaçãojogos recentesum programa da Prefeitura para combater o desperdício dos alimentos.

4. O italiano ignora, por completo, iniciativas da Prefeitura na áreajogos recentesalimentação, como o Bancojogos recentesAlimentos, o incentivo à criaçãojogos recenteshortas e o usojogos recentesalimentos orgânicos na merenda escolar. Pela primeira vez, será servido um alimento orgânico in natura na rede municipaljogos recentesensino: a Secretaria Municipaljogos recentesEducação assinou, no último dia 25, oito contratos da agricultura familiar para adquirirjogos recentescooperativas do Vale do Ribeira banana nanica e prata, convencional e orgânica. Os alimentos começam a ser distribuídos nas escolas a partir do próximo dia 6.