Bolsa Família distribuiu renda, mas não reduziu abismo social, diz economista:aposta da blaze
Veja os principais trechos da entrevista concedida à BBC Brasil.
aposta da blaze BBC Brasil - Umaaposta da blazesuas críticas à política social brasileira é que ela se fixa na redução da pobreza, deixando para segundo plano a proteção social. Como se dá essa distinção?
aposta da blaze Lena Lavinas - A gente tem que entender o que é política social. A finalidade da política social é romper o vínculo entre ter acesso a educação, saúde, do fatoaposta da blazealguém ter renda para pagar por esses serviços. Éaposta da blaze"desmercantilizar" o acesso a determinados bens e serviços que são considerados direitos, tal como estipulado na Constituiçãoaposta da blaze1988.
O que a política social no Brasil fez nos últimos anos foi fortalecer a dimensão das transferênciasaposta da blazerenda. Isso teve um impacto muito grande, muito positivo, na redução da pobreza, porque toda vez que eu transfiro algum tipoaposta da blazerenda mínima para as famílias mais pobres, eu estou reduzindo o grauaposta da blazedestituição dessas famílias.
Mas se ao mesmo tempo eu não estou garantindo que essas pessoas tenham acesso a saúde, a saneamento básico, eu não estou realmente ampliando o grauaposta da blazecobertura da proteção social.
O que eu estou fazendo ao dar dinheiro para as famílias é incorporando-as ao mercado. Na medidaaposta da blazeque elas entram no mercado, se eu não estou oferecendo serviçosaposta da blazesaúde, atendendo às suas necessidadesaposta da blazeacesso a saneamento, segurança, o que vai acontecer? As pessoas vão ter que usar essa renda que recebem para financiar determinados bens e serviços que elas deveriam estar recebendo gratuitamente.
Ora, como não é possível atender a todas as necessidades com tão pouca renda, as pessoas vão acabar tendo que se endividar para cobrir outras necessidades.
aposta da blaze BBC Brasil - É nesse sentido que o Bolsa Família seria uma "inovação incompleta", como a senhora definiu?
aposta da blaze Lavinas - A Constituiçãoaposta da blaze1988 havia criado, pela primeira vez, com o BPC (Benefícioaposta da blazePrestação Continuada), uma política para reduzir o grauaposta da blazedestituição da população pobre brasileira. Ocorre que ele, desde o seu início, tinha como público alvo apenas os idosos pobres com maisaposta da blaze65 anos ou os portadoresaposta da blazedeficiência. Mas a pobreza é muito mais ampla.
O Bolsa Família, quando surge,aposta da blaze2003, supre uma lacuna gravíssima, porque, pelo desenho da política assistencial na Constituição, a maior parcela dos pobres não era atendida. Foi uma inovação institucional muito importante, que infelizmente jamais se tornou leiaposta da blazefato.
O problema do Bolsa Família é que ele funciona com linhasaposta da blazepobreza muita baixas. Hoje o benefício médio pra uma famíliaaposta da blazequatro pessoas éaposta da blazeR$ 182, muito pouco. E justamenteaposta da blazeum momentoaposta da blazerecessão como o que vivemos agora a cobertura deveria ser expandida, porque o númeroaposta da blazepobres aumenta.
O que a gente está vendo é que a finalidade precípua do Bolsa Família não está sendo atendida. Ele está funcionando como uma política cíclica, ou seja, ele se amplia à medidaaposta da blazeque há crescimento econômico e tende a estabilizar nos momentosaposta da blazedescenso do ciclo econômico - e não contracíclica.
O segundo ponto importante é que a maior parte do gasto com assistência no Brasil foca essencialmente nas transferênciasaposta da blazerenda, que correspondem mais ou menos a 68%aposta da blazetoda a despesa social, enquanto que a provisão "desmercantilizada"aposta da blazeserviços é uma parcela equivalente a um terço do gasto social.
A pobreza não se resume à faltaaposta da blazerenda. Ela tem outras dimensões, como moradia, como ter uma coberturaaposta da blazeserviços para a população idosa, para as crianças, uma sérieaposta da blazeoutros serviços que poderiam mais rapidamente reduzir a distância que separa a qualidadeaposta da blazevida e as oportunidades dos muitos pobres dos outros.
Isso não aconteceu. A gente fez uma políticaaposta da blazecombate à pobreza no Brasil na décadaaposta da blaze2000 essencialmente voltada para a incorporação dos pobres ao mercado.
aposta da blaze BBC Brasil - Se o ideal seria aumentar o nívelaposta da blazeproteção social, como fazer issoaposta da blazeum Estado que tem cada vez mais dificuldade para pagar as contas?
aposta da blaze Lavinas - Isso é uma questão ideológica. Nós temos um governo que diz que está ali para reduzir o deficit público. Só que o deficit, que era muito pequeno, estáaposta da blazeR$ 159 bilhões e vai se estender até 2022.
O que a gente está inferindo? Que essa políticaaposta da blazeausteridade não está contribuindo para a retomada do crescimento econômico. O problema da dívida pública, que não pode ter dívida pública, levou a uma transferência daquilo que antes era responsabilidade do Estado à esfera individual.
Isso é uma ideologia, se a gente olhar exclusivamente para o caso brasileiro, a gente vai ver que a políticaaposta da blazeausteridade só está nos levando a ir mais e mais para o fundo do poço.
Se não há consumo, se o salário das pessoas foi cortado e a taxaaposta da blazedesemprego é extremamente elevada, se eu não estou elevando as transferências monetárias para sustentar a demanda, se eu estou cortando benefícios previdenciários, fica muito difícil a gente sair da crise.
Nós estamosaposta da blazeuma lógicaaposta da blazeausteridade que reduz justamente a participação da população no mercadoaposta da blazetrabalho, que corta benefícios. Tudo isso leva a uma redução do crescimento, o desempenho econômico fica inibido e,aposta da blazefunção disso, agravam-se mais ainda as condiçõesaposta da blazefinanciamento (da proteção social), porque a arrecadação cai.
aposta da blaze BBC Brasil - O livro chama atenção para o paradoxo da política social implementada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Qual seria ele?
aposta da blaze Lavinas - O que a gente viu na gestão do PT - e eu posso falar isso tranquila, porque sempre fui petista, e essa é uma crítica contundente - foi que houve uma retração da esfera pública. E esse é o paradoxo.
Primeiro a gente teve ambiguidade, a expansãoaposta da blazealguns direitos e, ao mesmo tempo, a mercantilizaçãoaposta da blazeoutros, porque as coisas avançaram no front da privatização, das despesas crescentes para as famílias.
Do outro lado, o paradoxo é que quem definiu esse modeloaposta da blazedesenvolvimento foi justamente o partido que deveria estar preocupadoaposta da blazeampliar a esfera pública, e não foi isso o que aconteceu.
aposta da blaze BBC Brasil - Por que é importante ter esfera pública?
aposta da blaze Lavinas - Na primeira eleição do presidente Lula, também na segunda, ele teve grande apoio da classe média. Não foram só os setores populares que elegeram o presidente Lula. Mas a coisa foi virando.
Por que nós tivemos 2013, o movimento nas ruas? Aquilo foi a classe média na rua dizendo: "Nós queremos serviços públicos. A gente quer transporte mais barato. A gente não quer passar cinco horasaposta da blazeum ônibusaposta da blazemá qualidade". Foi isso que as pessoas disseram: "Nós queremos mais esfera pública".
Por quê? Veja, se a gente olhar entre 2004 e 2014, enquanto o salário médio cresceu 1,9% ao ano, os custos com serviçosaposta da blazesaúde privados cresceram,aposta da blazetermos reais, 8%, as despesas com educação, 7,7%. A renda estava subindo, mas a classe média passou a ter cada vez mais dificuldadeaposta da blazefazer frente às suas necessidades.
Houve uma ruptura do apoio desses amplos setores chamadosaposta da blazeclasse média com um governo que poderia ter contribuído, com a ampliação da esfera pública e da ofertaaposta da blazeserviços públicos, para aproximar isso que é o grande abismo social que temos: as classes populares e as classes médias. Porqueaposta da blazefato são padrões,aposta da blazetermosaposta da blazeacessibilidade eaposta da blazequalidadeaposta da blazevida, muito diferentes.
Se a gente pusesse todas as crianças na escola pública, se déssemos oportunidade para todo mundo se tratar gratuitamenteaposta da blazeclínicas públicas no seu bairro, por exemplo, estaríamos criando um espaçoaposta da blazeaproximação entre classes sociais, reduzindo esse abismo no qual vivemos. O que a gente vê é que esse abismo aumentou.
O ponto mais falho no que foi a gestão do Partido dos Trabalhadores, sem dúvida nenhuma, foi ter reduzido a esfera pública e, portanto, tolhido os direitos, impedindo que a genteaposta da blazefato caminhasse para ter uma sociedade mais homogênea. Porque a redução da desigualdadeaposta da blazerenda não contribuiu pra que a gente tivesse uma sociedade mais homogêneaaposta da blazetermosaposta da blazeoportunidades.
O que universalizou foi o mercado: todo mundo tem televisão, todo mundo tem geladeira. Isso também é importante, mas não é suficiente. Quando as pessoas foram para a rua, elas não foram pedir geladeira nem televisãoaposta da blazetela plana. Elas foram pedir transporte, saúde e educação.