'Enfrentei meu próprio preconceito e o da sociedade ao adotar filhos negros':0-0 pair ou impair 1xbet

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Karina Teles com o marido, Hugo, e os filhos João e Camila: casal teve0-0 pair ou impair 1xbetenfrentar o próprio preconceito no processo0-0 pair ou impair 1xbetadoção

A jornada0-0 pair ou impair 1xbetKarina e do marido, Hugo Teles, também advogado, começou quando decidiram ter filhos, por fertilização in vitro ou por adoção. Sabiam que teriam dificuldades0-0 pair ou impair 1xbetconceber um bebê porque o marido teve câncer na infância e passou por quimioterapia, o que afetou0-0 pair ou impair 1xbetfertilidade.

"Queríamos ser pais, e a forma como isso se daria, por fertilização ou adoção, seria muito bem aceita", relembra Karina. O casal entrou com o pedido na Vara da Infância e, enquanto esperavam, partiram para a fertilização. O resultado negativo da tentativa in vitro veio antes da resposta da Justiça sobre adoção. E foi assim que Karina teve certeza0-0 pair ou impair 1xbetque seria, mesmo, mãe adotiva.

Exigências à adoção

O casal passou por todas as fases do processo0-0 pair ou impair 1xbetadoção. Voluntariamente, Karina e Hugo decidiram entrar0-0 pair ou impair 1xbetum grupo0-0 pair ou impair 1xbetapoio para se prepararem para a chegada0-0 pair ou impair 1xbetJoão, adotado recém-nascido0-0 pair ou impair 1xbet2009, e0-0 pair ou impair 1xbetCamila, adotada com 1 ano0-0 pair ou impair 1xbet2012.

"Receber esse apoio foi fundamental. Conhecemos pais na mesma situação e fortalecemos uns aos outros", conta. Mas Karina não esperava enfrentar um momento difícil ao preencher a ficha com o perfil e características físicas da criança que se desejava adotar.

"É uma ficha padronizada0-0 pair ou impair 1xbettodo o Brasil, onde você coloca se aceita grupos0-0 pair ou impair 1xbetum, dois, três irmãos, se aceita gêmeos, negros, índios, pardos, brancos, menino, menina, a faixa etária, tipos0-0 pair ou impair 1xbetdoença. É uma ficha muito dolorosa0-0 pair ou impair 1xbetpreencher, porque dá uma sensação muito ruim0-0 pair ou impair 1xbetqualificação0-0 pair ou impair 1xbetindivíduos, como se alguns merecessem mais do que outros", afirma.

Para a advogada, foi também uma chance0-0 pair ou impair 1xbetencarar o próprio preconceito.

"Foi um choque. De repente, ao marcar que desejava apenas crianças brancas, descobri ser mais preconceituosa do que imaginava. Também percebi que minha escolha foi baseada pelo medo0-0 pair ou impair 1xbetnão saber lidar com o diferente. Aí a ficha começou a cair: 'como assim, que diferença? Do que estou falando? De diferença0-0 pair ou impair 1xbetcor,0-0 pair ou impair 1xbetser humano? Sou racista e não sabia?'".

Crédito, Thinkstock

Legenda da foto, Quase 70% das crianças com mais0-0 pair ou impair 1xbettrês anos no Cadastro Nacional0-0 pair ou impair 1xbetAdoção são negras ou pardas

Karina disse ter entendido que "todos nós,0-0 pair ou impair 1xbetalguma forma ou0-0 pair ou impair 1xbetoutra, somos preconceituosos e racistas". "E que o racismo é uma coisa tão sutil0-0 pair ou impair 1xbetalguns momentos, que você nem consegue perceber, até ser confrontado por ele."

A presença0-0 pair ou impair 1xbetum casal negro no grupo0-0 pair ou impair 1xbetapoio à adoção, afirma Karina, ajudou ela e o marido a abrir mão da escolha restrita apenas a crianças brancas.

"Eles falavam da dificuldade que enfrentavam com o racismo, suas lutas e dores, mostravam o seu mundo. De repente, eu disse: 'Eu quero isso! Quero amar alguém independentemente da cor, do gene e0-0 pair ou impair 1xbetqualquer coisa. Ou você ama alguém porque aquela pessoa te faz bem, porque você faz bem àquela pessoa, ou não é verdadeiramente capaz0-0 pair ou impair 1xbetamar", considera a advogada.

Dados do Cadastro Nacional0-0 pair ou impair 1xbetAdoção (CNA), da Corregedoria Nacional0-0 pair ou impair 1xbetJustiça (CNJ), mostram que a postura0-0 pair ou impair 1xbetcasais como Karina e Hugo, que não manifestam preferência racial na adoção, tem crescido.

Em 2010, por exemplo, pretendentes à adoção que aceitam somente crianças brancas eram 38,7% dos candidatos a pais adotivos, mas esse índice0-0 pair ou impair 1xbet2016 (até maio) é0-0 pair ou impair 1xbet22,5%. No mesmo período, o percentual0-0 pair ou impair 1xbetcandidatos que aceitam crianças negras saltou0-0 pair ou impair 1xbet30,5% a 46,7%.

Crédito, CNJ/Reprodução

Do total0-0 pair ou impair 1xbet252 adoções feitas pelo cadastro nacional0-0 pair ou impair 1xbetjaneiro a abril deste ano, 119 (47%) foram0-0 pair ou impair 1xbetcrianças negras e pardas. Segundo o órgão responsável pelo cadastro, isso ocorre também pelo aumento das chamadas adoções tardias (de crianças com mais0-0 pair ou impair 1xbettrês anos), que somaram 50% do total0-0 pair ou impair 1xbetadoções0-0 pair ou impair 1xbet2015 - quase 70% das crianças no CNA com mais0-0 pair ou impair 1xbettrês anos são negras ou pardas.

Zona0-0 pair ou impair 1xbetconforto

Karina é cautelosa ao afirmar que não lhe cabe julgar as pessoas que se cadastram na fila da adoção, optam por crianças brancas e enfrentam longas esperas, porque a maioria0-0 pair ou impair 1xbetcrianças disponíveis à adoção são não brancas.

"Tem muita gente que não consegue se soltar dessas amarras ou passar por mudanças, porque não é fácil. É preciso ir atrás, sair da zona0-0 pair ou impair 1xbetconforto, dos benefícios e privilégios que a vida te oferece por você ser branca. Não é fácil, mas é mais um motivo que me faz agarrar essa bandeira do amor e do ser igual, com muita força, independentemente0-0 pair ou impair 1xbetetnia."

Entre o que ela se refere como "perda0-0 pair ou impair 1xbetprivilégios" está a certa restrição0-0 pair ou impair 1xbetuma liberdade0-0 pair ou impair 1xbetir e vir sem receber olhares suspeitos e comentários até então inesperados.

"O que percebemos é o famoso preconceito disfarçado. É a fala0-0 pair ou impair 1xbetum amigo ou parente, do tipo 'Ah, tem que prender o cabelo dessa menina! Ah, ela vai sair vestida assim?'", diz.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Bruno Gagliasso deu queixa na polícia por ofensas racistas na internet à filha Titi

E completa: "Outro dia, vi a (apresentadora) Gloria Maria falando uma grande verdade. Ela diz que até certo ponto, principalmente as mulheres negras, precisam estar sempre muito bem vestidas, arrumadas e elegantes, caso contrário serão confundidas com estereótipos."

"No caso0-0 pair ou impair 1xbetcrianças, se saem0-0 pair ou impair 1xbetchinelo, podem ser vistas como meninos0-0 pair ou impair 1xbetrua ou crianças pobres. E sinto isso na pele. De alguma maneira, já me senti na obrigação0-0 pair ou impair 1xbetbotar um tênis nos meus filhos,0-0 pair ou impair 1xbetvez0-0 pair ou impair 1xbetchinelos, para irem ao shopping e não correrem o risco0-0 pair ou impair 1xbetserem barrados. E isso é desesperador. Hoje entendo que é por isso quem vive o preconceito na pele tem um discurso tão eloquente, que incomoda tanta gente que não vive esse preconceito velado", pondera.

Referências

A brasiliense relembra uma situação curiosa, o incômodo causado quando a filha sempre pedia bonecas loiras e brancas0-0 pair ou impair 1xbetlojas0-0 pair ou impair 1xbetbrinquedos.

"Mostrávamos uma boneca branca e outra negra e perguntávamos: 'Qual é a Camilinha?' E ela apontava a boneca branca. Isso me deixava angustiada. Conversando com psicólogos descobrimos que a criança, quando pequena, não tem muita noção0-0 pair ou impair 1xbetquem é. Ela se identifica muito com os pais. Em nossa família não há negros. Eu e meu marido somos brancos. Na TV não havia desenhos animados com personagens negros. Como esperar que minha filha se identificasse como negra?"

O casal então optou por uma tática diferente.

"Passamos a ver filmes com negros, escutar músicas cantadas por pessoas negras, e assim por diante. E isso foi fácil, porque é impressionante a enorme quantidade0-0 pair ou impair 1xbetpessoas negras incríveis e talentosas, mas sem tanta visibilidade como as brancas. Pelo menos não no mundo dos brancos, que era o que eu até então vivia."

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, "Não é fácil, mas é mais um motivo que me faz agarrar essa bandeira do amor e do ser igual", diz Karina

Ao perceberem que a filha pequena ainda não se interessava por bonecas negras, Karina e o marido foram além na busca0-0 pair ou impair 1xbettornar a negritude uma realidade mais forte para os filhos: o pai passou a colecionar bonecas negras e a brincar com elas quando a filha o chamava.

"Foi aí que nossa filha foi começando a se identificar, porque se o pai gostava tanto daquelas bonecas negras, então isso era muito bom. A partir daí, ela começou a brincar e a preferir bonecas parecidas com ela. Foi uma grande vitória para nós."

Outro momento0-0 pair ou impair 1xbetque a diferença se manifesta, diz Karina, é na escola. Algumas mães a procuram preocupadas e perguntam como devem explicar a diferença0-0 pair ou impair 1xbetraças na família dela.

"Você vai explicar que as pessoas são diferentes, há pessoas0-0 pair ou impair 1xbettodas as cores, famílias0-0 pair ou impair 1xbettodas as formas, a nossa é assim", costuma dizer.

Para ela, quem pergunta o faz0-0 pair ou impair 1xbetboa-fé, para evitar discursos preconceituosos. "Fico muito feliz quando isso acontece. Antes uma pergunta tosca do que um silêncio arraigado, cheio0-0 pair ou impair 1xbetpreconceito", avalia.

Karina diz que a história0-0 pair ou impair 1xbetfamílias com a dela e a dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank são emblemáticas porque ajudam a entender a importância do debate sobre racismo e adoção.

"Sinto-me na obrigação0-0 pair ou impair 1xbettornar o mundo um lugar melhor para meus filhos negros. É óbvio que penso primeiro neles, mas também olho ao redor, porque um mundo0-0 pair ou impair 1xbetque pessoas tenham privilégios pela simples diferença no tom0-0 pair ou impair 1xbetpele não pode ser bom. Isso é desumano."