Os dilemas dos pardos, maior grupo étnico-racial do Brasil segundo Censo 2022:bonus boas vindas blaze
Maior grupo étnico-racial do Brasil, respondendo por 45,3% da população, os brasileiros que se declaram pardos se veem no meiobonus boas vindas blazeuma batalha política.
De um lado, o movimento negro prega uma aliança entre pretos e pardos para eleger candidatos à esquerda comprometidos com o combate ao racismo.
Do outro, grupos conservadores que ganharam força sob a presidênciabonus boas vindas blazeJair Bolsonaro exaltam a identidade parda e acusam a esquerdabonus boas vindas blazeestimular divisões raciais no Brasil.
Como brasileirosbonus boas vindas blazefamílias multirraciais se posicionam nesse embate?
A reportagem abaixo se baseiabonus boas vindas blazeepisódio do podcast Brasil Partido, da BBC News Brasil.
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Quem são os pardos?
Segundo o último Censo do IBGE (Instituto Brasileirobonus boas vindas blazeGeografia e Estatística), bonus boas vindas blaze2022, os pardos somam 92,1 milhõesbonus boas vindas blazebrasileiros.
Eles respondem por 45,3% da população brasileira, à frentebonus boas vindas blazebrancos (43,5%), pretos (10,2%), indígenas (0,8%) e amarelos (0,4%).
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Mas quem são os pardos?
"O movimento negro instituiu que negro é igual à somatóriabonus boas vindas blazepreto mais pardo. A minha geração fez essa engenharia política, e nós dissemos: tudo que estiver dito aí que é pardo e preto, para nós é negro", disse a filósofa Sueli Carneiro,bonus boas vindas blazejunhobonus boas vindas blaze2022, ao podcast Mano a Mano, do rapper Mano Brown.
Carneiro é uma das mais destacadas ativistas do movimento negro brasileiro.
A definição citada pela ativista embasa o discursobonus boas vindas blazeque os negros são maioria no Brasil, já que pretos e pardos, somados, respondem por 55,5% da população.
O discurso se apoia na noçãobonus boas vindas blazeque pardos também têm antepassados africanos e também sofrem racismo.
Essa visão ganhou um reconhecimento oficialbonus boas vindas blaze2010, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando o Congresso aprovou uma lei que criou o Estatuto da Igualdade Racial.
O estatuto definiu a população negra como "o conjuntobonus boas vindas blazepessoas que se autodeclaram pretas e pardas".
Mas nem todos os pardos concordaram com a definição.
"Eu sou mestiço, eu não sou negro. Eu sou pardo, eu não sou negro", disse o médico e ativista Leão Alves,bonus boas vindas blazejunho, numa conferência organizada pelo Movimento Pardo Mestiço Brasileiro,bonus boas vindas blazeManaus.
Fundado pelo próprio Alves, o movimento surgiu no início dos anos 2000 e passou quase 20 anos fora das principais arenas onde raça e política são discutidas no Brasil.
Até que a chegadabonus boas vindas blazeJair Bolsonaro ao poder mudou a história do grupo.
No iníciobonus boas vindas blaze2022, pela primeira vez embonus boas vindas blazehistória, o movimento participoubonus boas vindas blazeuma reunião do Conselho Nacionalbonus boas vindas blazePromoção da Igualdade Racial, instância formada por entidades civis e órgãos do governo que estava na estrutura do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
O conselho tem a atribuiçãobonus boas vindas blazepropor políticas voltadas à igualdade racial. O Movimento Pardo Mestiço se candidatou a uma vaga no conselho e teve a candidatura aprovada pela então ministra Damares Alves.
Após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o grupo deixoubonus boas vindas blazeintegrar o conselho.
Estado mais pardo do Brasil
Nascidobonus boas vindas blazeManausbonus boas vindas blaze1966, filhobonus boas vindas blazeum pai porteiro ebonus boas vindas blazeuma mãe zeladora, Alves diz pertencer a uma família fisicamente parecida com a ampla maioria das famílias amazonenses.
Naquele Estado, o percentualbonus boas vindas blazepardos na população é o maior do país. E o Amazonas tem o segundo menor percentualbonus boas vindas blazepretos do Brasil, só atrásbonus boas vindas blazeSanta Catarina.
Isso porque a escravidão africana não foi tão presente no Amazonas quantobonus boas vindas blazeoutras partes do Brasil. No Amazonas, o principal grupo escravizado foram os indígenas.
Segundo Leão, pardos "com aspectobonus boas vindas blazecaboclo" são o grupo que sofre mais preconceito racial no Amazonas por ser associado às classes mais pobres.
Na definição do dicionário Aulete, caboclo é o "mestiçobonus boas vindas blazebranco com índio", ou o "mulatobonus boas vindas blazepele acobreada e cabelos lisos".
Já os pretos, segundo Alves, são associados por muitos amazonenses às Forças Armadas, uma vez que muitos pretos nascidosbonus boas vindas blazeoutros Estados servem como militares no Amazonas.
Direitos originários
Uma das críticasbonus boas vindas blazeAlves à inclusão dos pardos na categoria negros tem a ver com a políticabonus boas vindas blazeterras brasileira.
Alves defende que, por serem descendentesbonus boas vindas blazeindígenas, os pardos do Amazonas deveriam ter "direitos originários" sobre as terras que ocupam — direitos que, no entanto, a Constituição só confere aos povos indígenas.
A expressão "direitos originários" se refere a direitos que são anteriores à criação do Estado brasileiro e ao fatobonus boas vindas blazeque os indígenas foram os primeiros habitantes do território nacional.
Porém, Alves afirma que, por não reconhecer a origem indígena dos pardos e por tratá-los como negros após o Estatuto da Igualdade Racial, o Estado brasileiro se eximiubonus boas vindas blazedestinar terras ao grupo.
O médico diz ainda que considerar pardos como negros estimula um conflito entre negros e brancos na sociedade brasileira, ao passo que a identidade parda ou mestiça "homogeneiza e unifica" a nação, segundo ele.
Alves considera como parda qualquer pessoa que tenha alguma mistura racial — até mesmo as que tenham pele bem clara ou bem escura. Pelo critério dele, a ampla maioria da população brasileira é parda.
O Movimento Pardo Mestiço apoiou a candidaturabonus boas vindas blazeJair Bolsonaro à releeição.
A trajetóriabonus boas vindas blazeAlves vai na contramãobonus boas vindas blazeum movimento que ganhou força nas últimas décadas: o dos brasileiros que passaram a se ver como negros, ainda que tenham antepassadosbonus boas vindas blazeraças distintas.
É o casobonus boas vindas blazeIara Viana, uma educadora e musicistabonus boas vindas blaze37 anos.
Nascidabonus boas vindas blazeSão Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, Viana diz ser filhabonus boas vindas blazeum homem branco ebonus boas vindas blazeuma mulher "pretabonus boas vindas blazepele clara" e ter frequentado escolas particulares onde negros eram raros.
Ela diz que, na adolescência, passou a sofrer assédio por conta da "hipersexualização da mulher pretabonus boas vindas blazepele clara" e também episódiosbonus boas vindas blazeracismo na escola. "As pessoas falavam: 'Cala a boca,bonus boas vindas blazepreta', 'bonecabonus boas vindas blazepiche', 'senta lá,bonus boas vindas blazemacaca'".
Viana conta que, para se defender, se tornou uma "adolescente cruel" e passou a fazer bullying com outros colegas.
Certa vez, quando a coordenadora chamou Viana para lhe dar uma bronca, a jovem diz ter questionado a direção da escola por nunca ter combatido o racismo que ela sofria.
"Ela (a coordenadora) simplesmente olhou para mim e falou: 'Mas você nem é negra'. "E esse entrelugarbonus boas vindas blaze'mas você nem é negra', 'mas você não é branca' é uma coisa que faz parte da minha vida desde então", afirma.
Apesar dos questionamentos, Viana decidiu se identificar como negra.
"O meu processo foi: 'eu estou sofrendo racismo. Aqui as pessoas estão falando que eu não sou preta. Mas eu estou vivendo isso aqui, eu estou enxergando o que está acontecendo aqui, e eu vou me assumir como preta, assim as pessoas não vão fazer isso comigo, eu vou assumir a minha afrodescendência'."
Para ela, "a questão do pardo foi uma coisa inventada no Brasil pelos europeus para separar a gente, para tirar o poder revolucionário da população negra brasileira".
Viana votabonus boas vindas blazepartidosbonus boas vindas blazeesquerda e defende a eleiçãobonus boas vindas blazepolíticos negros focadosbonus boas vindas blazecombater o racismo.
Quem é negro no Brasil?
Ao se declarar negra, no entanto, Viana passou a encarar questionamentos do outro lado, por partebonus boas vindas blazenegros que não a viam como igual.
Ela conta que, num encontro do movimento negro, uma mulher pretabonus boas vindas blazepele retinta a criticou por morarbonus boas vindas blazePerdizes, um bairro rico e majoritariamente brancobonus boas vindas blazeSão Paulo.
"Ela me falou: 'sabe qual é a nossa diferença?' 'A nossa diferença', ela falava dela, é que ela só fica na cozinha da casa dessa gentebonus boas vindas blazePerdizes, e eu posso sentar no sofá da sala."
Viana diz compreender que, por ter a pele clara, jamais sofrerá tanto racismo quanto pretos retintos.
"Por isso eu não fico ofendida quando alguém questiona a minha negritude. Só que não quer dizer que, estando sentada lá naquele sofá, eu também não sofra racismo", afirma.
Movimento antirracista
O podcast Brasil Partido abordou as trajetóriasbonus boas vindas blazeLeão Alves e Iara Viana com o arquiteto baiano Zulu Araújo, um dos principais nomes do movimento negro brasileiro.
Araújo dirigiu entre 1990 e 1994 o Grupo Cultural Olodum, uma das mais importantes organizações culturais afrobrasileiras, e presidiu entre 2007 e 2010 a Fundação Cultural Palmares, um órgão federal responsável por difundir a cultura brasileira negra.
Indagado sobre os episódiosbonus boas vindas blazeque Iara Viana diz ter sido questionada sobrebonus boas vindas blazenegritude por outros ativistas do movimento negro, ele afirmou:
"Um dos equívocos graves que o movimento negro tem é que uma parcela dabonus boas vindas blazemilitância acredita no racialismo, ou seja,bonus boas vindas blazeque a cor da pele passa a ser um elemento fundamental para definição da militância, para definição daqueles que têm, ou devem ter, mais protagonismo na luta".
Araújo afirma que "o que nós precisamos no Brasil ébonus boas vindas blazeum movimento antirracista".
Para ele, o movimento negro deve continuar existindo, pois é composto por "aqueles que sofrem diretamente na pele, na alma, no coração, a discriminação".
"Mas, do pontobonus boas vindas blazevista político, nós não podemos abrir mão daqueles que possam contribuir para que a discriminação e o racismo acabem no Brasil."
Segundo ele, o movimento antirracista deve "incorporar brancosbonus boas vindas blazetodas as matizes, negrosbonus boas vindas blazetodas as matizes, desde que sejam antirracistas".
Alves também comentou as visões do Movimento Pardo Mestiço. Segundo ele, ao valorizar a identidade parda e a noçãobonus boas vindas blazeque quase todos os brasileiros são mestiços, o grupo ignora que o racismo no Brasil se baseia principalmente no fenótipo (aparência) das pessoas.
"Você é mais discriminado quanto mais você se parece com um africano, seja na cor da pele, seja nos seus traços fenótipos, tipo narizes mais achatados, lábios grossos, cabelos mais carapinha", diz.
Por essa lógica, Alves afirma que, mesmo que a maioria da população brasileira seja multirracial, pessoas com características físicas associadas à negritude são mais discriminadas que as outras. Daí a impertinênciabonus boas vindas blazeconsiderar todos os mestiços como partebonus boas vindas blazeum só grupo, diz ele.
Alves faz outras ressalvas ao grupo fundado por Leão Alves.
"A minha crítica a esse movimento dos pardos é porque eles, na verdade, estão muito mais voltados para o combate àqueles que combatem o racismo e a discriminação do que para promover a igualdade", afirma.
* Reportagem publicada originalmentebonus boas vindas blaze21bonus boas vindas blazesetembrobonus boas vindas blaze2022.