Por que o cabelo é tão importante no movimento negro:betnacional recife - pe
No registro dos livros O escravo nos anúnciosbetnacional recife - pejornais brasileiros do século XIX,betnacional recife - peGilberto Freyre, e Ser Escravo No Brasil,betnacional recife - peKátia Mattoso, são relatadas as cabeças forçadamente raspadas dos africanos no momentobetnacional recife - peque eram oferecidos à venda para os senhoresbetnacional recife - peengenho.
"Buscavam minar qualquer tipobetnacional recife - pepertencimento étnico e identificação que eles pudessem ter uns com os outros a partir do cabelo", explica a socióloga Anita Pequeno Soares, pesquisadora da relação entre o cabelo e negritude na Universidade Federalbetnacional recife - pePernambuco (UFPE).
"Há relatosbetnacional recife - peque a raspagem do cabelo era parte importante desse processobetnacional recife - pesubjugar a população negra, principalmente homens, o que acarretava sérios problemas, porque o cabelo protege o couro cabeludo num trabalho sob sol escaldante. As sinhás, com ciúmesbetnacional recife - pemulheres violentadas pelos homens brancos, também usavam a raspagem como práticabetnacional recife - petortura".
Além da violência, a associação da estética dos africanos a algo primitivo e distantebetnacional recife - peideias europeiasbetnacional recife - pebeleza e humanidade foi uma prática recorrente durante o colonialismo.
Uma das histórias mais chocantes e ilustrativas ébetnacional recife - peSarah Baartman, levada da África do Sul ao Reino Unido para aparecerbetnacional recife - peespetáculosbetnacional recife - pecirco.
Considerada por muitos como símbolo da exploração e do racismo colonial, bem como da ridicularização das pessoas negras, muitas vezes representadas como objetos ou animais, ela morreu após passar anos sendo exibidabetnacional recife - pefeirasbetnacional recife - pe"fenômenos bizarros humanos".
Seu cérebro, esqueleto e órgãos sexuais continuaram sendo exibidosbetnacional recife - peum museubetnacional recife - peParis até 1974. Os restos mortais só retornaram à Áfricabetnacional recife - pe2002, após a França concordar com um pedido feito por Nelson Mandela.
"O discurso racista é pautado na negação da humanidade das pessoas negras. A beleza é parte da humanidade, ser considerado belo é partebetnacional recife - peser considerado gente. Isso faz para do mesmo enredo que associou negros e negras à animalidade, à natureza, como Baartman, mais comparada a macacos que seres humanos", ressalta Soares.
Cabelo como orgulho
Na história das Américas, o movimento negro tentou por diversas vezes romper com um sistema que durante séculos estigmatizou (e ainda estigmatiza) as características físicas dos negros - entre elas, uma das mais representativas é o cabelo.
O assunto ganhou ampla discussão no Brasilbetnacional recife - pe2021 após um episódio no programa Big Brother Brasil, da TV Globo,betnacional recife - peque o cantor Rodolffo comparou o cabelo do professor João Luiz a uma perucabetnacional recife - pehomens das cavernas.
Um dos marcos identificados pela socióloga nessa busca pela valorização da estética negra é o movimento rastafári.
Nos anos 1930, um grupobetnacional recife - pejamaicanos passou a acreditar que a coroaçãobetnacional recife - peRas Tafari (o imperador etíope Haile Selassie) era o cumprimentobetnacional recife - peuma profecia e que ele era o messias.
Eles acreditavam que seriam libertados pelo imperador, que os tiraria da pobreza no Caribe e os levaria à África, a terra dos seus antepassados e um centro espiritual.
Porém, além da conotação religiosa, o movimento rástafari se respaldou na estética, como as roupas coloridas e os cabelos com dreadlocks, popularizados pelo seu seguidor mais famoso, o cantor Bob Marley.
Outro marco nessa tentativabetnacional recife - peolhar diferente para a beleza dos descendentes dos africanos escravizados foi o movimento Negritude, também nos anos 1930, promovido pelo escritor e político francês nascido na ilha caribenhabetnacional recife - peMartinica Aimé Cesarie e pelo escritor e político senegalês Léopold Senghor.
Em suas obras, há uma exaltação da "raça negra: "Buscaram valorizar raízes africanas, olhar para a África com nova perspectiva, diferente da europeia, que colocava a África como a negação da beleza", diz Soares.
'Black is beautiful'
Em 1858,betnacional recife - peBoston, o abolicionista americano John Swett Rock fez um dos primeiros discursos conhecidos que exaltavam as características físicas dos negros.
"Quando eu comparo o sistema muscular mais forte, a bela, rica cor, os traços largos e o cabelo graciosamente frisado do negro com a frágil organização física, a cor pálida, as feições finas e os cabelos lisos do branco, estou inclinado acreditar que, quando o homem branco foi criado, a natureza estava exausta".
Esse discurso é considerado uma das bases para o que viria a ser a amplamente utilizada expressão "black is beautiful" (preto é bonito). Era uma tentativabetnacional recife - peigualar negritude a beleza,betnacional recife - peum ato contra séculosbetnacional recife - peimagens que mostravam negros como grotescos.
Na África do Sul do regime racista do apartheid, a frase se tornou símbolo do movimento Consciência Negra, liderado pelo ativista Steve Biko. "Ele tinha preocupação forte com essa dimensão subjetiva do racismo, com a forma com que o racismo fazia com que as pessoas negras tivessem muitas vezes ódiobetnacional recife - pesi mesmas."
Nesse contexto, o cabelo crespo passou a significar orgulho e poder.
A corrente sul-africana influenciou o movimento homônimo nos EUA, onde ganhou mais força. Em 1966, no momentobetnacional recife - peluta pelos direitos civis no país, também surgiu o movimento chamado "Black Power", que deu ao cabelo afro papel central na estética dos negros americanos.
O black power também virou símbolo dos Panteras Negras, um movimentobetnacional recife - pemilitantes políticos nos EUA que defendiam a resistência armada nos bairros negros contra a perseguição policial no país.
Para Soares, esses movimentos "ajudaram não só a pensar estratégias políticasbetnacional recife - pecombate ao racismo como também formularam um conjuntobetnacional recife - peideias que inspiraram o ativismobetnacional recife - pejovens militantes negrosbetnacional recife - peoutros países."
Brasil e alisamento
As pesquisas da socióloga da UFPE apontam que, quando esses movimentos explodiram nos EUA, eles também tiveram reflexos no Brasil. Houve, por exemplo, um aumento expressivo dos chamados "salões étnicos", voltados para pessoas com cabelos crespos.
Até então, no período pós-abolição, o que a militância negra interpretava como urgente eram questões ligadas à moral, conta Soares. Os primeiros concursosbetnacional recife - pebeleza para mulheres negras, por exemplo, se preocupavambetnacional recife - pepassar uma imagembetnacional recife - pe"civilidade" àquelas pessoas, não necessariamente a estética.
"Durante a escravidão a população negra era associada muito à sexualidade, que é também associar ao animal. Esses primeiros concursos estavam preocupadosbetnacional recife - penegar a degradação sexual que tentavam associar a elas. Não havia issobetnacional recife - pecabelo black. O alisamento fazia parte da moral. Queriam, como diziam, 'reeducar a raça', mas pautados nos padrões da branquitude".
Como reflexo dos movimentos nos EUA, houve uma crescente buscabetnacional recife - pevalorizar a beleza negra no país. O Teatro Experimental do Negro (TEN), por exemplo, incluiu a estética na pauta, inclusive também com concursosbetnacional recife - pebeleza. Movimentos musicais como o Black Rio deram voz a artistas como Tim Maia e Sandrabetnacional recife - peSá.
Mais recentemente, também acompanhando um movimento global impulsionado principalmente pela internet, negros e, principalmente, negras brasileiras passaram a adotar o cabelo natural como símbolobetnacional recife - peorgulho.
A chamada transição capilar,betnacional recife - peque os cabelos alisados são cortados e tratados para que as químicas usadas fiquem para trás, se popularizou principalmente através das redes sociais.
"A geraçãobetnacional recife - pehoje está tendo oportunidadebetnacional recife - peviver algo diferente e eu associo ao movimentobetnacional recife - petransição capilar, que revolucionou. Hojebetnacional recife - pedia, a partir dessa demanda, as mulheres, principalmente, viram a internet como um lugarbetnacional recife - pefalar para poder trazer um novo discurso", explica Soares.
Mas a socióloga faz um alerta: "Não podemos engessar o olhar sobre o alisamento e colocá-lo exclusivamente como uma negação da negritude. Claro que cabelo afro é poder, identidade, mas cada pessoa tem seu momento".
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