'Meus avós esconderam mistério sobre morte do meu pai na ditadura':app betnacional

Ilustraçãoapp betnacionalJosé Carlos Mata Machado e o filho dele, Dorival, na infância

Crédito, CNV/Arquivo pessoal

Legenda da foto, Zé Carlos (no detalhe) morreu quando o filho Dorival ainda era pequeno

"Quase todo Diaapp betnacionalFinados na minha vida, até então, vocês me levam no cemitério da Colina [em Belo Horizonte] para ver uma lápide onde está escrito José Carlos da Mata Machado. Como assim? Meu pai não está lá?", questionou Dorival.

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O pai dele havia sido uma das centenasapp betnacionalvítimas da ditadura militar brasileira, que teve início após o golpe entre 31app betnacionalmarço a 1ºapp betnacionalabrilapp betnacional1964.

Foram 224 pessoas comprovadamente mortas e 210 desaparecidas, que os familiares não localizaram seus corpos até hoje, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que entre 2012 e 2014 apurou os crimes da ditadura.

No anoapp betnacionalque o golpe faz 60 anos, histórias como aapp betnacionalDorival e do pai dele ajudam a recontar o horror do passado.

A notícia no telejornalapp betnacional1990 fez o jovem perceber que os avós ainda tinham perguntas sem respostas sobre o próprio filho.

Dorival e outros parentes decidiram esclarecer se o pai dele realmente estava no cemitérioapp betnacionalBelo Horizonte, cidadeapp betnacionalque moravam. Para isso, entenderam que seria fundamental abrir pela primeira vez o caixão lacrado que havia sido entregue por militares à família.

Dorival junto com os avós paternos, Yedda Novaes e Edgardapp betnacionalGodoi da Mata Machado

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Dorivalapp betnacionalfoto com os avós paternos, Yedda e Edgard

A históriaapp betnacionalJosé da Mata Machado

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José Carlos da Mata Machado, mais conhecido como Zé Carlos, foi morto aos 27 anos,app betnacionaloutubroapp betnacional1973.

Estudanteapp betnacionaldireito da Universidade Federalapp betnacionalMinas Gerais (UFMG), Zé Carlos foi uma figura importante do movimento estudantilapp betnacionalBelo Horizonte.

Foi presidente do Centro Acadêmico da Faculdadeapp betnacionalDireito da UFMG e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

O gosto pela política veioapp betnacionalfamília. O paiapp betnacionalZé Carlos, Edgardapp betnacionalGodoi da Mata Machado, foi deputado federal.

Contrário ao regime militar, Edgard teve o mandato cassado durante a ditadura,app betnacional1968, com base no Ato Institucional Número Cinco (AI-5), que permitiu medidas antidemocráticas, como a cassaçãoapp betnacionalparlamentares da oposição.

Naquele mesmo ano,app betnacionalmeio ao endurecimento do regime militar, Zé foi presoapp betnacionalum congresso da UNEapp betnacionalIbiúna, no interiorapp betnacionalSão Paulo, e ficou detido por oito meses.

Quando deixou a prisão, Zé Carlos e a companheiraapp betnacionalmilitância Maria Madalena Prata Soares se casaram. Em fevereiroapp betnacional1972, nasceu Dorival.

Depoisapp betnacionalum episódioapp betnacionalmeningite do filho do casal eapp betnacionalmeio à luta contra o regime militar, os pais decidiram deixar Dorival com os avós paternos.

Conforme os documentos da Comissão Nacional da Verdade, Zé Carlos passou a ser perseguido intensamente por órgãosapp betnacionalrepressão a partirapp betnacionalmarçoapp betnacional1973,app betnacionalmeio a uma operação contra um grupoapp betnacionalmilitantesapp betnacionalesquerda do qual ele fazia parte, intitulado Ação Popular Marxista Leninista (APML). No período, diversos integrantes desse coletivo foram presos ou mortos.

Zé e a esposa estavam organizando uma fuga para uma fazenda no interiorapp betnacionalMinas Gerais. Antes, porém, ele foi a São Paulo para buscar apoio jurídico aos companheiros presos.

Na saídaapp betnacionalSão Paulo, ele foi preso por agentes do regime militarapp betnacional19app betnacionaloutubroapp betnacional1973.

Posteriormente, segundo os documentos da CNV, ele foi encaminhado a Recife, onde dias depois foi morto sob tortura, junto com um outro militante, Gildo Lacerda.

Na época, o regime militar divulgou que os dois morreramapp betnacionalum tiroteio que teria sido provocado por outro colegaapp betnacionalmilitância.

A nota oficial dizia que os dois haviam sido mortos após um colega desconfiar que Zé e Gildo estariam traindo os membros da APML.

Mas a versão era fantasiosa, conforme foi comprovado por advogados da família na época e, décadas depois, pela Comissão Nacional da Verdade.

Zé Carlos e Gildo foram mortos por agentes do Departamentoapp betnacionalOperaçõesapp betnacionalInformações - Centroapp betnacionalOperaçõesapp betnacionalDefesa Interna (DOI-CODI), a agênciaapp betnacionalrepressão política subordinada ao Exército da época.

O deslocamentoapp betnacionaltanques militaresapp betnacionalfrente ao antigo Ministério do Exército, no Centro do Rioapp betnacionalJaneiro, logo após o golpe de1964.

Crédito, ACERVO ARQUIVO NACIONAL

Legenda da foto, Tanques no centro do Rio logo após o golpe de1964. Imagem foi feita pelo jornal Correio da Manhã

Apurações independentes, reforçadas na CNV, apontaram que os dois foram presosapp betnacionallocais distintos – Zé Carlosapp betnacionalSão Paulo e Gildo,app betnacionalSalvador – e foram levados a Recife, onde foram mortos.

Os depoimentosapp betnacionaldiversos ex-presos políticos confirmam que Zé Carlos e Gildo Lacerda foram vítimasapp betnacionaluma sessãoapp betnacionaltortura no DOI-CODIapp betnacionalRecife.

Um homem que estava preso no mesmo local, segundo a CNV, afirmou ter visto Zé Carlos sangrando pela boca e pelos ouvidos, pouco antesapp betnacionalmorrer, ao ladoapp betnacionalum militante que parecia já estar morto.

O homem disse ter ouvido Zé Carlos, completamente machucado, pedindo: "Companheiro: meu nome é Mata Machado. Sou dirigente nacional da AP (Ação Popular). Estou morrendo. Se puder, avise aos companheiros que eu não abri nada".

Quase 20 anos depois, o cunhadoapp betnacionalZé Carlos, Gilberto Prata Soares, que também era um militanteapp betnacionalesquerda, declarou à Comissão Parlamentar Externa sobre Mortos e Desaparecidos Políticos que deu informações a militares, o que os levou a encontrar Zé Carlos.

Os restos mortaisapp betnacionalZé Carlos

Além da dor da perda do filho, os paisapp betnacionalZé não sabiam onde o corpo dele estava. Não havia qualquer certidãoapp betnacionalóbito que explicasse a morte do jovem.

Desesperados, os familiares dele pediram ajuda a Mércia Albuquerque, que hoje é considerada uma das mais atuantes advogadasapp betnacionalpresos políticos da ditadura militar.

A partir da primeira conversa, a defensora começou uma busca que, posteriormente, classificaria como "uma das maiores barbaridades que testemunhei, praticadas pelo aparato brutal da repressão".

Em dezembroapp betnacional2001, ao receber o títuloapp betnacionalcidadãapp betnacionalNatal e do Rio Grande do Norte, Mércia fez um discurso sobre aapp betnacionalcarreira e mencionou Zé Carlos.

Ela contou que, após falar com familiares dele, vasculhou os cemitérios da regiãoapp betnacionalbusca do corpo do estudante, que o DOI-CODI não queria entregar à família.

Ela percorreu alguns lugares quando uma pessoa disse que deveria fazer buscas no cemitério da Várzea. Ela seguiu para o local e um coveiro relatou que havia dois jovens enterradosapp betnacionalcaixõesapp betnacionalmadeira sem tampa.

"De posse das fotografias pude identificar, apesar do início da decomposição, o corpo barbarizadoapp betnacionalJosé Carlos da Mata Machado", relatou Mércia.

A defensora descreveu ter ficado assustada com o estado do corpo do militante. Ela contou à família dele que Zé Carlos havia sofrido violência intensa, com diversas fraturas ósseas e que estava com a cabeça "espatifada".

O outro militante também enterrado como indigente era Gildo Macedo. Mas Mércia disse que os familiares dele estavam pressionados e atemorizados com a situação, por isso não pediram que fosse retirado dali – os restos mortaisapp betnacionalGildo nunca foram localizados e, até hoje, a família o busca para enterrá-lo.

Para tentar liberar o corpoapp betnacionalZé Carlos, Mércia disse ter ido ao Exército falar com um coronel, que criou diversos obstáculos.

"Mostrei-lhe as fotografias das covas. O coronel, com semblanteapp betnacionalódio, disse-me apenas que voltasse depois. Perguntei-lhe quando. Ele então fitou-me, impaciente, e disse: 'É uma pena que a senhora, tão jovem, defenda terroristas'", relatou Mérciaapp betnacionalseu discurso.

Para convencer o coronel, ela disse ter respirado fundo e argumentado que enterrar os mortos seria um direito sagrado até mesmo na guerra,app betnacionalque "os exércitos concedem sempre uma trégua, respeitando o inimigo, e entregando os corpos para sepultamento".

Cenaapp betnacionalfilme sobre a vidaapp betnacionalZé Carlos Mata Machado

Crédito, Divulgação/Embaúba Filmes

Legenda da foto, Vidaapp betnacionalZé Carlos virou filme que deve ser lançadoapp betnacionalagosto deste ano

"Zé Carlos está morto, e a família chora seu corpo. O Exército brasileiro agora quer torturar a família pelo resto da vida", narrou Mércia, ao contar o que disse ao pedir a liberação do corpo.

Segundo ela, o coronel ficou "visivelmente abalado" diante das suas palavras e concordou, mas havia condições: não poderia ter aviso fúnebre, o caixão deveria permanecer lacrado e a imprensa deveria ficar longe.

As condições foram aceitas, e o caixão seguiuapp betnacionalum aviãoapp betnacionalRecife, com autorização das Forças Armadas,app betnacionaldireção a Belo Horizonte.

Após o episódio, Mércia disse ter sofrido represália. A advogada contou ter sido sequestrada por quatro homensapp betnacionalum carroapp betnacionalalta velocidade, que ameaçaram jogá-la na rua a qualquer momento.

Em seguida, segundo ela, os homens a abandonaramapp betnacionaluma zonaapp betnacionalprostituiçãoapp betnacionalum bairroapp betnacionalRecife.

"Fui socorrida por uma prostituta apelidada 'Biscuí', que surgiu à minha frente qual uma nova Maria Madalena, confortando-me e enxugando as minhas lágrimas", narrou a advogada.

A históriaapp betnacionalMércia inspirou livros e, mais recentemente, uma peçaapp betnacionalteatro intitulada Lady Tempestade, na qual a atriz Andréa Beltrão dá vida à advogadaapp betnacionalvítimas da ditadura — há estimativas que apontam que ela tenha defendido maisapp betnacional500 pessoas.

O mistério do caixão

Quase duas décadas depoisapp betnacionalo caixão chegar a Belo Horizonte, os paisapp betnacionalZé Carlos ainda tinham dúvidas se o filho realmente estava ali.

Eles sabiam do esforçoapp betnacionalMércia, mas questionavam se realmente aquele caixão encaminhado pelo Exército, sob a condiçãoapp betnacionalpermanecer lacrado, carregava os restos mortais do filho.

Mas a perdaapp betnacionalZé Carlos foi um duro golpe do qual os pais nunca conseguiram se recuperar. Por isso, eles tentavam evitar mexerapp betnacionaltudo que fosse referente ao tema.

"Minha avó acordava à noite gritando e sonhava com o meu pai sendo morto. Acordei maisapp betnacionaluma vez com ela gritando: 'não faz isso com ele, não!'. Meu avô não conseguia nem falar direito o nome do meu pai", diz Dorival.

O receio sobre o caixão lacradoapp betnacionalZé Carlos só foi manifestado pelos pais do militante pela primeira vez no início da décadaapp betnacional1990, diante da notícia sobre a vala clandestina descoberta no cemitério do bairroapp betnacionalPerus,app betnacionalSão Paulo, onde foram encontradas ossadasapp betnacionalalgumas vítimas da ditadura.

"Lembro que meus avós sempre assistiam a três telejornais seguidos, para ter opiniões diferentes", conta Dorival.

"No primeiro daquele dia, falaram pouco sobre essa vala. No segundo, um pouco mais, e a minha avó disse: 'o que a gente deveria fazer?'. O terceiro falou muito mais, e a minha avó falou sobre mandar a arcada dentária do meu pai para investigarem se ele estava enterrado lá.”

Dorival diz que foi um choque ter percebido que os avós nunca tiveram certeza se Zé Carlos realmente estava enterrado naquele caixão no cemitério mineiro.

“Até então, eu entendia que por influência política e até religiosa, eles tinham certezaapp betnacionalque tinham conseguido recuperar o corpo", explica.

"Como eu era pequeno na época que o caixão chegou, não sabia que havia chegado lacrado e nunca tinha sido aberto.”

Dorival sabia que mexer naquilo seria muito doloroso para os avós, mas também acreditava que seria importante esclarecer aquela dúvida.

Dorival ao lado do irmão, Eduardo Neves da Silva.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Em meio às dificuldades, os familiares tentavam fazer com que Dorival (à frente) tivesse uma infância feliz

Os parentes decidiram pedir a exumação do cadáver, com o principal objetivoapp betnacionaldescobrir se Zé Carlos estava enterrado ali.

Com dois tios e o dentista da família, Dorival foi ao cemitério da Colina no dia do procedimento.

"Os coveiros tiraram a tampaapp betnacionalmadeira do caixão, e havia embaixo uma tampaapp betnacionalalumínio. Era basicamente um caixão do Exército, tiraram o alumínio e, até o topo do caixão, era cobertoapp betnacionalserragem", descreve Dorival.

"Eles começaram a tirar a serragem e chegaram a falar: não tem nenhum corpo aqui. Foram segundosapp betnacionalque um mundoapp betnacionalcoisas passou na minha cabeça: 'será que o meu pai está vivo?'"

Mas os coveiros logo encontraram restos mortais no caixão.

"Foram tirando a serragem, encontrando os ossos. Pegaram o maxilar e a mandíbula. Minha tia logo reconheceu: é o seu pai. Entregaram a mandíbula ao dentista, que sempre cuidou da família, e ele reconheceu que era omeu pai", diz.

Dorival se deparou com o que define como um "momento muito importante para a compreensão do mundo eapp betnacionaltudo".

Quando acharam o crânioapp betnacionalZé Carlos no caixão, o dentista da família encaixou as partes encontradas e viu as consequências da tortura sofrida pelo militante.

"Ali, pudemos ter uma noção direta do que foi a violência nos porões da ditadura. Praticamente todos os ossos da cabeça do meu pai estavam quebrados, parte do crânio dele estava afundada até a direção dos dentes."

Diante dos seus olhos, Dorival entendeu as consequências do horror vivido pelo pai antesapp betnacionalmorrer.

"O caixão fechado tinha tudo a ver com aquela história falsa que contavam. Abrir o caixão no passado seria uma formaapp betnacionalconfirmar que a versão dos militares para a morte do meu pai era mentira, porque não havia nenhum tiro, e ele tinha a cabeça amassada, sinaisapp betnacionaltortura e estava com o couro cabeludo deslocado. Ele morreu apanhando."

'Morreu lutando pelos mais vulneráveis'

Dorival diz que acompanhar a exumação do corpo do pai foi uma experiência dolorosa e que durante anos foi poupado pelos familiares dos detalhes mais escabrosos sobre a forma como Zé foi vítima da ditadura.

Criado pelos avós paternos e por uma tia, Dorival, hoje com 52 anos, ficou sabendo da históriaapp betnacionalvidaapp betnacionalseus pais aos poucos.

Ao longo desse tempo, o filho teve várias percepções sobre Zé Carlos, mas diz que sempre acreditou que o pai "morreu lutando pelos mais vulneráveis".

"Desde que me conheço por gente, sabia que ele tinha morrido. Mas sempre entendi que ele morreu lutando pelos pobres, sem que tivessem pedido ou sei lá se queriam isso, mas ele estava preocupado com os mais vulneráveis", diz Dorival.

Até a adolescência, Dorival tinha o pai quase como um herói. Masapp betnacionalvisão mudou após participarapp betnacionaluma festa para comemorar os 20 anosapp betnacionalformados da turma na qual o militante fez Direito, curso no qual não conseguiu se formar.

Placasapp betnacionalmortos e desaparecidos na ditadura

Crédito, AG. BRASIL

Legenda da foto, Comissão Nacional da Verdade foi um dos principais instrumentos para investigar os crimes cometidos na ditadura brasileira

"Meu pai tinha pedido para meus avós se livraremapp betnacionaltodas as fotos dele, durante a perseguição militar. Então, nunca vi muitas imagens do meu pai. Foi nessa festa que vi várias fotos dele e vi o meu pai brincando com outras pessoas e dançando", diz.

"“Foi meu primeiro choque, porque até então meu pai era um herói. Ali, eu vi que ele foi um jovem normal, como outro qualquer", comenta.

Os relatos que ouviu ao longo da vida mostraram a Dorival que o pai era conhecido por muitas pessoas como um jovem educado, organizado, com um discurso bem elaborado e muito ligado ao catolicismo.

"Talvez isso incomodasse, por que os militares pensavam: como um menino tão religioso, educado e calmo pode ser contra a gente?", diz.

Zé Carlos se tornou um dos rostos das vítimas que ilustram o terror causado pela ditadura militar.

Tornou-se nomeapp betnacionalrua, foi temaapp betnacionallivro e terá a vida contadaapp betnacionalum filme, intitulado , produzido por Rafael Conde, que será lançadoapp betnacionalagosto.

Apesar da repercussãoapp betnacionalsua morte, foram maisapp betnacionalduas décadas para que ele fosse reconhecido oficialmente como uma vítima da ditadura militar.

Isso só ocorreuapp betnacionaljaneiroapp betnacional1996, na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), criada para reconhecer os mortos e desaparecidos e auxiliar seus familiares.

Naquele mesmo ano, a mãeapp betnacionalDorival, Maria Madalena, recebeu o atestadoapp betnacionalóbito do companheiro e ficou aliviada. "Acabou o velório", disse na época.

A partir dali, ela não precisaria mais explicar que era viúva, porque tinha um documento oficial para comprovar isso.

Madalena foi indenizada pelo governo federal pelas torturas que ela e o marido sofreram ao longo do regime militar.

Ela e Dorival mantêm uma boa relação e se falam com frequência. Ele diz que o fatoapp betnacionalter sido criado pela família paterna não diminuiu o amor pela mãe.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) disseapp betnacionalnota à reportagem que as indenizações aos familiares das vítimas ou às próprias vítimas da ditadura foram concedidas após análise da CEMDP.

O MDHC afirma que possui uma área especializadaapp betnacionalapoiar famíliasapp betnacionalvítimas da ditadura militar, a Assessoria Especialapp betnacionalDefesa da Democracia, Memória e Verdade.

Essa iniciativa, segundo a pasta, é responsável por "coordenar as açõesapp betnacionalpromoção e defesa do direito à memória e à verdade, proceder ao pagamentoapp betnacionalindenizações decorrentesapp betnacionaldecisões da CEMDP e gerenciar bancoapp betnacionaldadosapp betnacionalperfis genéticosapp betnacionalfamiliaresapp betnacionalmortos e desaparecidos políticos, por exemplo."

Aindaapp betnacionalnota, o ministério disse que atua até hoje para retomar açõesapp betnacionalidentificaçãoapp betnacional"remanescentes ósseosapp betnacionalvítimas da ditadura militar brasileira por meioapp betnacionalrepasseapp betnacionalrecursos e a celebraçãoapp betnacionalacordosapp betnacionalcooperação técnica com instituições capacitadas na área".

Dorival Mata Machado

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Dorival se formouapp betnacionaleconomia e trabalha na áreaapp betnacionalpesquisas

Anistia

Em meio às iniciativas governamentais para tentar algum tipoapp betnacionalreparação, Dorival critica a conduta do paísapp betnacionalrelação à memóriaapp betnacionalseus mortos na ditadura.

Ele diz que um dos grandes problemas é a Lei da Anistia, sancionadaapp betnacional1979 pelo regime militar.

Essa lei segueapp betnacionalvigor e foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)app betnacional2010 - o que significa que a grande maioria dos civis e militares envolvidos nos crimes durante o período não pôde ser julgada.

Isso permitiu, por exemplo, que dissidentes pudessem voltar do exílio sem riscosapp betnacionalse tornarem presos políticos.

Também fez com que agentes que atuaram nas torturas, sequestros ou assassinatosapp betnacionalopositores ao governo ficassem impunesapp betnacionalmodo geral.

Essa anistia costuma ser duramente criticada. A Comissão Nacional da Verdade apontou a lei é incompatível "com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dada a escala e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passíveisapp betnacionalanistia."

A CNV concluiu que maisapp betnacional300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e presidentes durante a ditadura, deveriam ser responsabilizados juridicamente pelas ações ocorridas no período, sem qualquer possibilidadeapp betnacionalanistia.

Maria Aparecidaapp betnacionalAquino, que há maisapp betnacional30 anos estuda sobre a ditadura, define a "anistia ampla, geral e irrestrita, para torturados e torturadores" como um erro que precisa ser reparado.

"Alguns dizem que essa foi a anistia possível, mas eu não comungo dessa ideia. Na prática, isso indica que os crimes não poderiam ser julgados na Justiça", explica Aquino, que é professoraapp betnacionalHistória da Universidadeapp betnacionalSão Paulo (USP).

"Não houve uma ação geral contra os torturadores, alguns casos ficaram na dependênciaapp betnacionalfamiliares buscarem a reparação na Justiça contra os torturadores. Isso implica o futuro do país e a história que vai ser contada nos livros didáticos."

Em razão dessa anistia, diz a especialista, muitas pessoas podem até mesmo questionar a ditadura militar brasileira e dizer que foi um bom período, como ocorreu nos últimos anosapp betnacionaldiversos momentosapp betnacionaldeclaraçõesapp betnacionalaliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Aquino aponta que há movimentos que até hoje tentam reverter essa lei para que os torturadores possam ser punidosapp betnacionalalguma forma, ainda que décadas depois.

Sem respostas sobre os responsáveis pela morte do pai, Dorival admite que a impunidade é um dos principais sentimentos que tem ao falar sobre a históriaapp betnacionalZé Carlos.

Dorival se formouapp betnacionalEconomia e, hoje, atua na áreaapp betnacionalpesquisas. Diz que nunca quis nenhum tipoapp betnacionalreparação financeira, mas sempre esperou mais esclarecimentos sobre o assassinato do pai.

"Minha avó me dizia que não queria dinheiro, ela queria saber quem tinha matado o filho dela e o que levou aquelas pessoas a fazerem isso com ele. Ela queria saber por que quiseram matá-lo,app betnacionalvezapp betnacionalmantê-lo preso ou expulsarem do país, como faziam na época", diz Dorival.

Os paisapp betnacionalZé Carlos morreram sem nenhuma resposta sobre os responsáveis pela morte do filho. Ninguém nunca foi punido ou identificado pelo crime.